sábado, 26 de julho de 2008

Jornal O Globo

Como estou em férias, apenas hoje li o Panorama Econômico do Jornal O Globo de ontem (sexta-feira), reproduzindo na íntegra todo o conteúdo.


Difícil equilíbrio

A alta da taxa de juros vai derrubar o aumento do consumo? Certamente o afetará. A dúvida é se vai interromper o ciclo de crescimento da economia. O Banco Central aumentou o aperto monetário num momento em que está havendo desaceleração da inflação no varejo e queda da confiança do consumidor e do empresário. O setor de bens de consumo duráveis será mais afetado que as vendas de imóveis.

O consumo vai crescer num nível mais fraco por causa do choque de juros decidido pelo Copom. Nos últimos meses, o país vinha se acostumando com taxas fortes de crescimento das vendas. Carros, celulares e computadores tiveram aumentos de vendas da ordem de 20%.

O presidente Lula disse que a inflação não vai subir, e que ele não vai deixar o consumo cair. Difícil perseguir os dois objetivos ao mesmo tempo num momento como o atual. A economia é feita de escolhas. Como o governo não está cortando o consumo público — em outras palavras, não está reduzindo os gastos — o Banco Central está encarecendo o crédito para reduzir o consumo privado. O objetivo do BC é exatamente diminuir o consumo para garantir que os aumentos do atacado não cheguem ao varejo, cuja inflação já está perto do teto da meta. No IPCA-15, chegou a 6,3% o acumulado em 12 meses.

Este índice registrou uma desaceleração, de 0,90%, em junho, para 0,63% no dado de julho, divulgado ontem. Os alimentos continuam representando a maior parte da alta, mesmo assim, o peso está menor. Houve, em outros índices, sinais de desaceleração dos alimentos no varejo, mas o problema é que no atacado a pressão continua forte. Talvez seja por isso que o Banco Central apertou o passo no aumento dos juros.

Os juros já estavam subindo num ritmo que não se pode chamar de lento: 0,5 ponto percentual a cada 45 dias. Isso era sinal suficiente para reduzir o aquecimento da economia. Afinal nem só de elevação de taxa se faz a política monetária; os juros altos e seu aumento constante dão os sinais de que o BC não vai aceitar altas de preços. Esses 0,25 p.p. a mais, além dos 0,5 p.p., ainda que pareçam pouco, podem aumentar a queda da confiança.

A tarefa do Banco Central não é só derrubar a inflação. O desafio é como mantê-la baixa no menor custo em termos de Produto Interno Bruto. Isso exige uma sintonia fina, pois pode-se derrubar mais o consumo que o necessário. Com a alta dos juros, vai cair o ritmo do aumento dos bens de consumo duráveis, mas é difícil diminuir o consumo de alimentos.

A indústria ainda saboreia o gostinho do recente aumento das vendas. O Brasil deve consumir, este ano, 12 milhões de computadores pessoais. Isso é 20% além dos 10 milhões vendidos no ano passado, e quatro vezes mais que os 3 milhões vendidos em 2003. Mais importante: naquela época, mais de 70% das vendas de computadores eram o que a Abinee define como “mercado cinza”, que agora caiu para 30%. A associação atribui a formalização do mercado ao crédito farto e à queda de impostos incidentes sobre a venda de produtos de informática.

Este ano, o Brasil vai produzir 78 milhões de telefones celulares: 48 milhões para o mercado interno e 30 milhões para exportação. O país terminará o ano com 141 milhões de acessos; vinte vezes mais do que terminou em 1998, já com os primeiros efeitos da privatização.

O crescimento esperado para as vendas de imóveis no Rio de Janeiro este ano é de 30%, segundo Roberto Kauffmann, do Sinduscon-Rio. O setor tem efeito multiplicador. A venda de cimento ficou estagnada em torno de 40 milhões de toneladas, com tendência de queda, de 1998 a 2002. Em 2003, caiu a 35 milhões. Agora está em 46 milhões, crescendo 12%. O setor de construção civil e residencial foi o último a entrar no ritmo de crescimento. E só o fez pelo aumento do crédito e queda dos juros.

Este crescimento do consumo e o clima de otimismo é que reduziram o desemprego. O desemprego de junho foi de 7,8%, dois pontos percentuais menor que no mesmo mês de 2007. Esta semana, o Sinduscon-SP informou que a construção atingiu a marca de 2 milhões de empregos formais no país.

A economista Monica de Bolle acha que o aperto de política monetária terá mais efeito no consumo desta vez, porque o mercado de crédito cresceu muito desde o último ciclo de aperto. “O canal de transmissão da política monetária ficou mais potente.” Mas ela acredita que vai afetar muito mais o crédito ao consumidor que o imobiliário, pois este envolve financiamentos de longo prazo.

É a mesma convicção de Roberto Kauffmann. Ele acha que os empréstimos com recursos do FGTS dentro do Sistema Financeiro de Habitação, que são regidos pela TR, são mais importantes para o setor. Lembra também que agora é que se atingiu a classe C, com imóveis de R$ 50 mil a R$ 150 mil, e que essa faixa do mercado depende exatamente da modalidade de crédito que será menos afetada pela taxa de juros.

É este equilíbrio difícil que a economia brasileira tenta estabelecer agora: combater a inflação com o mínimo de estrago neste círculo virtuoso em que mais consumo levou a mais produção, mais emprego, mais arrecadação tributária. Caso o Banco Central optasse por não elevar os juros para não estragar o bom momento econômico, a inflação comeria a renda e a economia seria afetada de qualquer jeito. Não há decisões fáceis neste momento. O governo ajudaria se reduzisse os gastos.

Eleições

O perfil do eleitorado Brasileiro

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou na terça-feira, 15, o mais novo estudo sobre o perfil do eleitorado brasileiro.


Em 2008 o número de eleitores aumentou 7,5% em relação às últimas eleições municipais em 2004 – o TSE espera este ano que 128 milhões de brasileiros compareçam à votação. Desse total, 34,1% têm ensino fundamental incompleto e 15,6% sabem apenas ler e escrever. Cerca de 6% dos eleitores são analfabetos.


Veja, no quadro abaixo, como essa análise é feita no país.


sexta-feira, 25 de julho de 2008

Por dentro do blog

Precisei e tirei alguns dias de férias do blog. Esquecer um pouco Economia e Política por uns dias sei que me fará bem.

Aproveitarei para colocar a leitura de um bom livro em dia (The Secret - Rhonda Byrne).

Aproveitem vocês também. Namorem, vão ao cinema, participem de festas, usem e abusem da imaginação para fazer sempre o bem para si e para os outros.

Estarei voltando em agosto com novidades.

Curtam bem as férias!!

Até breve.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Carlos Alberto Sandenberg comenta

Teto dos juros deve ficar mais baixo

Quando iniciou o atual ciclo de alta de juros, o Copom indicou que uma elevação mais forte na partida poderia ter dois efeitos positivos: reduzir o nível necessário de juros para debelar a inflação e encurtar o movimento de alta. Em resumo, uma dose mais forte de início pode encurtar o tratamento.

Nessa ocasião, fevereiro passsado, a taxa básica de juros foi de 11,25% para 11,75% - e pareceu forte.

Mas a inflação foi mais forte ainda. Subiram além do esperado tanto a inflação corrente quanto as expectativas de inflação. Assim, o Copom está aumentando a dose.

O consolo está no seguinte ponto: no ciclo de alta anterior, os juros foram de 16% para 19,75%, nível alcançado em maio de 2005. Agora, a expectativa indica que os juros devem subir até 14,5%. Ou seja, o teto será mais baixo.

Na outra ponta, os juros caíram durante quase dois anos (de setembro/05 até setembro de 2007) até os 11,25% - nível mais baixo do que estavam quando começaram a subir (16%).

Resumindo: os tetos são cada vez mais baixos e os pisos cada vez mais fundos.

Se essa tendência se mantiver, os juros voltam a cair no ano que vem e podem ir abaixo dos 11,25% ao final do ciclo de queda.

Mas isso é olhar lá longe. Para já, temos: inflação mais alta agora e desacelerando no segundo semestre; juros subindo até o final do ano e caindo em 2009; economia desacelerando um pouco neste ano e bastante em 2009.

Comentário

Veja abaixo, os gráficos da Selic. O primeiro trás a evolução dos juros até esta quarta-feira (23), já o segundo a taxa publicada em 04/06.



Atual (23/07)


Anterior (04/06)


Às 19h46m recebi em meu celular a notícia de que "COPOM aumenta taxa de juros em 0,75 pp, para 13% ao ano."

Essa notícia já era esperada por muitos economistas e analistas depois que a taxa de inflação foi anunciada em julho.

É claro que, ainda alguns economistas tinham dúvida se seria 0,5 ou 0,75 pp, mas como o BACEN quer, realmente, freiar o índice da inflação que já está no topo da meta, então um choque desse é uma, ou a única, das soluções.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Edição Extraordinária do Blog

A lista dos candidatos a prefeito e a vice processados

Acaba de ser postada no site da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) o nome dos candidatos a prefeito e a vice-prefeito das 26 capitais do país que respondem na Justiça a processos de origem criminal ou eleitoral. O banco de dados será atualizado periodicamente com a colaboração de juízes eleitorais de todo o país. A intenção da AMB é facilitar o acesso da população a informações públicas que podem interessar aos eleitores na hora de definir seu voto.

15 candidatos figuram na lista dos "ficha-suja" divulgada há pouco pela AMB. São nove candidatos a prefeito e seis candidatos a vice-prefeito. Desses, três são do PT e três do PP. PTB, PPS, DEM, Psol, PSL, Frente Belém Popular, Frente Boa Vista de Todos Nós, PSDB e PV têm um candidato processado cada.

Paulo Maluf (PP), candidato à prefeitura de São Paulo, é o recordista da lista. Responde a sete processos judiciais. Quatro deles no Supremo Tribunal Federal por crimes contra o sistema financeiro e outras três no Tribunal de Justiça de São Paulo por improbidade administrativa. A vice de Maluf, Aline Corrêa (PP), também responde um processo por crimes contra a paz pública e contra o sistema financeiro nacional.

Marta Suplicy, candidata a prefeita de São Paulo pelo PT, responde dois processos por crime da lei de licitação.

Segue a lista dos 15 candidatos com a ficha suja na Justiça divulgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros.

AMAZONAS

Amazonino Mendes, candidato a prefeito de Manaus pelo PTB – responde por crimes da lei de licitação, crimes contra o sistema financeiro e crimes contra a ordem tributária.

AMAPÁ

Maria Dalva de Souza, candidata a prefeita de Macapá pelo PT – responde processo por crimes contra a fé pública, falsidade ideológica, crimes contra a administração em geral e prevaricação.

CEARÁ

Sérgio Braga Barbosa, candidato a vice-prefeito de Fortaleza pelo PPS – responde por crimes contra fé pública, falsidade ideológica e isso de documento falso.

GOIÁS

Iris Rezende Machado, candidato a prefeita de Goiânia pelo PMDB – responde por improbidade administrativa.

MINAS GERAIS

Pitágoras Lincoln de Matos, candidato a vice-prefeito de Belo Horizonte pelo DEM – responde por abuso de autoridade.

PARÁ

Jorge Carlos Mesquita, candidato a vice-prefeito de Belém pelo PSL – responde por crime contra a pessoa, lesão corporal e crime contra o patrimônio.

Leila Márcia Santos, candidata a vice-prefeita de Belém pela Frente Belém Popular – responde por crime contra o patrimônio, crime contra a administração pública, desacato, crimes contra a liberdade individual, seqüestro e cárcere privado.

Marinor Jorge Britto, candidato a prefeito de Belém pelo PSOL – responde por crime contra o patrimônio.

RONDÔNIA

Hamilton Nobre, candidato a prefeito de Porto Velho pelo PSDB – responde por improbidade administrativa.

Lindomar Barbosa Alves, candidato a prefeito de Porto Velho pelo PV – responde por falsificação de documento público.

RORAIMA

Maria Suely Silva, candidata a prefeita de Boa Vista pela coligação Boa Vista de Todos Nós – responde por crime contra a administração pública e peculato.

SÃO PAULO

Alice Corrêa de Oliveira, candidata a vice-prefeita de São Paulo pelo PP – responde por crimes contra a paz pública, falsificação de documentos, crimes de ocultação de bens e formação de quadrilha.

Marta Suplicy, candidata a prefeita de São Paulo pelo PT – responde a dois processos por crime da lei de licitação.

Paulo Maluf, candidato a prefeito de São Paulo pelo PP – responde a quatro processos por crime de responsabilidade, outro por crimes contra a paz pública, formação de quadrilha, crime contra o sistema financeiro e crimes de ocultação de bens e ainda outros dois por crimes contra o sistema financeiro.

TOCANTINS

Raul de Jesus Lustosa, candidato a prefeito de Palmas pelo PT – responde por crime contra a ordem tributária.

O levantamento da AMB não apontou candidatos a prefeito e a vice-prefeito que respondam processos nos estados do Acre, Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sergipe.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Do blog do Noblat

"Admitamos: somos corruptos"

"O Brasil é essencialmente corrupto e precisamos encarar isso", diz o cientista político Bolívar Lamounier, autor, com outros estudiosos, de Cultura das Transgressões no Brasil (Ed. Saraiva). "Vivemos há cem anos a ilusão de que com o crescimento econômico e a melhoria educacional tudo vai melhorar. O País está mais rico e, ao que tudo indica, mais corrupto. Existem avanços. O Ministério Público, a Polícia Federal, a própria Justiça. Mas, na avaliação do professor, temos uma política pior.

Veja abaixo a entrevista de Bolívar Lamouniver a Pedro Doria publicada, hoje, em O Estado de S. Paulo.


"Admitamos que somos corruptos"

O Brasil ganharia se assumisse a queda que tem para a transgressão e os ilícitos, afirma Bolívar

A história de Daniel Dantas se confunde com a do Brasil nos últimos 15 anos. Aluno dileto do economista Mário Henrique Simonsen, foi cogitado para o Ministério da Fazenda no governo Fernando Collor e teve atuação de destaque na venda de estatais. É também uma história passada na iniciativa privada, sempre sinuosamente entrelaçada com a política e o governo.

Primeiro, pelas mãos de Antonio Carlos Magalhães, conterrâneo e protetor político. Então, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, nas estreitas relações com economistas ligados ao Plano Real, como Pérsio Arida e Elena Landau. Agora, no governo Lula, com petistas como Luiz Eduardo Greenhalgh e José Dirceu.

Dantas dominou manchetes e conflitos acionários, cultivou inimigos poderosos na iniciativa privada e no Planalto. Preso pela Polícia Federal, provocou uma briga jamais vista, com procuradores e juízes federais se levantando contra o Supremo Tribunal Federal. É uma história que insinua profundos veios de corrupção nas entranhas do Estado.

"O Brasil é essencialmente corrupto e precisamos encarar isso", diz o cientista político Bolívar Lamounier, autor, com outros estudiosos, de Cultura das Transgressões no Brasil (Ed. Saraiva). "Vivemos há cem anos a ilusão de que com o crescimento econômico e a melhoria educacional tudo vai melhorar. O País está mais rico e, ao que tudo indica, mais corrupto. Existem avanços. O Ministério Público, a Polícia Federal, a própria Justiça. Mas, na avaliação do professor, temos uma política pior.

Daniel Dantas tem demonstrado habilidade de criar uma teia de sustentação em todos os governos. O que isso diz a respeito do Brasil?

É o chamado capitalismo político. Ele faz crescer sua fortuna pelos contatos políticos e o recebimento de informação privilegiada. O Brasil tem uma formação patrimonialista, ou seja, o Estado é o verdadeiro detentor da riqueza. Seu poder é avassalador. O emaranhado jurídico é tal que se tornou impossível manter uma empresa sempre em ordem. Daí a capacidade de pressão do governo ser devastadora. A influência do Estado em setores por natureza oligopólicos como telecomunicações, energia ou aviação é ainda maior. Desse jeito, um sujeito que tenha capacitação técnica e audácia, como Daniel Dantas, precisa de contatos políticos para se sustentar empresarialmente. É evidente que o caso dele, que dizem ter recorrido até a empresas de espionagem, é extremado. Mas todo grande empresário brasileiro precisa de uma relação simbiótica com o governo. Porque a mão do governo está presente em tudo.

Essa é a origem da corrupção no Brasil?

O problema da corrupção é muito mais profundo. Hoje estamos muito desarmados intelectualmente para compreender suas origens. O que nos sobra são dois consensos. O primeiro é de que a corrupção é generalizada na sociedade e todos discordamos do comportamento de todo mundo. O segundo é que a impunidade é ampla. Há uma total incapacidade de aplicar as leis. Se fôssemos punir, segundo o que manda a lei, toda a corrupção que há no País teríamos que pôr na cadeia metade da população. O que está acontecendo, agora, é uma tentativa de sair dessa síndrome da impunidade. Por isso um juiz federal manda prender, no Supremo mandam soltar, o juiz pede novamente a prisão. Mas daí pode haver um excesso do juiz federal, uma arbitrariedade, criando um clima de insegurança jurídica.

Por que não debelamos a corrupção?

Porque a enxergamos por uma ótica otimista. Atribuímos tudo ao passado: à colonização, aos portugueses, à formação do País. É uma análise evolucionista. Temos a impressão de que vamos em direção a algo melhor. O que atrapalharia seriam os grilhões do passado. Isso não é necessariamente verdade. Essa leitura esconde outra premissa, o conceito do bom selvagem de Jean-Jacques Rousseau. O homem é bom, mas a sociedade o corrompe. No Brasil, a elite é ruim, mas o povo é essencialmente bom. Essa impressão é profundamente superficial. O Brasil é essencialmente corrupto. A verdade é a seguinte: nada indica que estamos a caminho de um mundo melhor. Corrupção e clientelismo não estão dando sinais de terem diminuído. Acho que estão aumentando. Quando o governo diz que temos mais informação sobre corrupção e só por isso ela aparece mais, isso soa como uma afirmação tão válida quanto qualquer outra. Só poderia aceitá-la se o governo tivesse uma lista com todos os corruptos e quanto desviaram ao longo dos tempos. No Brasil, a transgressão é generalizada e ocorre sempre por motivos econômicos. Há casos passionais, mas esses existem em qualquer sociedade e são a exceção. Estelionato, assalto, corrupção, o crime brasileiro tem causas econômicas.

Quais as causas da corrupção brasileira?

São três. A primeira é o crescimento econômico. Lá nos anos 50, desenvolvimentistas, acreditávamos que o enriquecimento do País levaria a uma população mais bem educada e enfim teríamos um Estado impessoal no qual todos que quebrassem a lei seriam punidos. O Brasil enriqueceu e nada disso aconteceu. Sempre que há um momento de crescimento econômico e modernização, surgem novas oportunidades de corrupção. É assim em todo lugar, não só nas nações pobres. Na França ou nos EUA, também. É quando aparece o conluio de grupos para fraudar licitações promovidas pelo Estado, por exemplo. Porque são oportunidades óbvias, envolvendo grandes quantias. Mesmo nas nações mais liberais, quando a economia cresce o Estado contrata muitos serviços envolvendo valores altos. Quando um país passa por uma grande transformação econômica, como é nosso caso, a tendência aumenta. No caso das privatizações, por exemplo, grandes somas passaram de uma mão para a outra e a corrupção foi inevitável, por mais que existissem controles. Na Rússia foi muito pior. O Japão tem uma corrupção monstro até hoje. A Coréia do Sul, também. São governos que concentram muito poder. A China se tornou capitalista faz quanto tempo? Vinte anos. E já ostenta um número grande de bilionários. Mesmo considerando o ritmo de crescimento chinês, essa riqueza veio como? Não pelo mérito.

E a segunda causa?

Mobilidade social. Nosso País tem 200 milhões de pessoas, metade delas muito carentes, a outra metade louca para melhorar de vida. Há muita mobilidade social. Quem diz que, no Brasil, o pobre nasce e morre pobre está no mundo da lua. Qualquer pequeno movimento da economia provoca mudanças imediatas, toda oportunidade aqui é aproveitada, pois o mercado é imenso e tem carências enormes. Nos últimos meses, por exemplo, quando o crédito para automóvel se estendeu, todo mundo comprou imediatamente sem se preocupar com quantas prestações ia pagar ou com o trânsito ruim. Automóvel facilita a vida e é um símbolo de status. O brasileiro tem uma vontade incrível de melhorar de vida, de ter melhor situação que a que seu pai teve. Junte as duas questões, oportunidades de corrupção e a vontade de melhorar de vida, e una isso à terceira causa: as normas brasileiras são frouxas.

É nossa herança portuguesa?

As normas morais, no Brasil, sempre foram fraquíssimas. Comparado à Europa, tivemos, por exemplo, uma Igreja muito fraca. O Direito, até há muito pouco tempo, não chegava a boa parte do País. As normas sociais são débeis e o Estado é incapaz de aplicá-las. A origem disso é o de menos. Nosso problema não é o passado, é o presente. Voltemos a Rousseau. Há algumas décadas, a Igreja no Brasil era fraca, mas muito reacionária. Defendia a propriedade, o latifúndio. Hoje, a Igreja é outra, acredita em Rousseau. Essa visão de que o povo é essencialmente bom, mas corrompido pelo ambiente, se espalhou por todos os setores da sociedade. É uma mentalidade que impede a aplicação da lei. Só a defesa do altruísmo é legítima. Um grupo que defenda seus interesses é considerado imoral. A palavra "interesse" soa suja, sugere um indivíduo calculista. Acreditamos em Papai Noel. Cremos que as pessoas são boas por princípio. Nos EUA, a cabeça deles não é Rousseau. É Thomas Hobbes. Para eles, as pessoas são más. É preciso vigiar o comportamento a toda hora. É preciso cumprir a lei, porque se não cumprir, a transgressão será generalizada. Polícia não tem que achar que as pessoas são boas ou são más. Tem é que olhar transgressão. A política tem que lidar com a probabilidade de certos comportamentos ocorrerem e se prevenir. Achamos que tudo que deu errado no Brasil tem uma origem social em algum ponto do latifúndio, da família patriarcal ou do que quer que seja. É ingenuidade. Nós somos uma sociedade de 200 milhões de pessoas, completamente urbana e pobre. É um País diferente.

Gilberto Freyre está obsoleto?

Completamente. No tempo dele, acreditava-se naquela idéia de que geração de riqueza levava a um mundo mais perfeito. Vinte anos atrás havia uma discussão entre a esquerda e o malufismo, em São Paulo, se a polícia devia atuar preventiva ou repressivamente. Que discussão é essa? A polícia tem que atuar, só isso. Tínhamos que estar muito mais preparados em termos jurídicos e policiais para atuar quando há transgressão. Não se combatem valores culturais ou a propensão a certos comportamentos. Você combate infrações graves da norma legal. Nós não entendemos a gravidade da situação que o Brasil enfrenta. O nível de corrupção pode aumentar. Veja o exemplo paralelo, a violência urbana. Muitos teóricos falam como se fosse uma coisa de momento que, mais à frente, vai desaparecer. Mas como vai desaparecer? O país é urbano, tem periferias imensas, o tráfico de drogas atua em larga escala, não há nenhuma medida para combater o mercado da droga, que é o consumidor, ou a entrada da droga, nas fronteiras. A violência não vai desaparecer espontaneamente. O Brasil não enfrenta a transgressão.

Ricos não iam para a cadeia antes.

É verdade. Antes havia uma diferença de classes muito grande,. Você prendia o pobre, mas não o rico. Não estou negando que a Polícia Federal esteja mais eficiente. A mudança começa com a Constituição de 1988. Antes dela, os procuradores eram subordinados aos juízes. Ela deu autonomia ao Ministério Público e uma geração nova de procuradores veio com vontade de investigar. Por sua vez, isso fez com que muitos juízes também se mexessem. O fim da ditadura despertou, dentro da Polícia Federal, um debate. Estavam acostumados a agir sob os generais, o que a democracia representaria para eles? Demoraram uma década até encontrar um rumo. Ajudados pelo Ministério Público, que começou a investigar problemas em tudo quanto é área, ela encontrou sua vocação. Não foi só isso que mudou. Inflação corrói a sociedade, força todos ao comportamento criminoso. No início dos anos 90, ninguém comprava um imóvel, em São Paulo, sem uma mala cheia de dólares. Isso criou um câmbio negro e um mercado de ilícitos do qual todos participavam. Não há mais aquela inflação. A perna que não andou, nesse processo, foi a da CPI. Ela acaba se politizando tanto que fica inócua na maioria das vezes. O caso do mensalão é uma exceção. Levou 40 nomes para o Supremo.

Qual o problema do Congresso?

Câmara e Senado estão numa mediocridade como nunca vi. Vivemos uma entressafra de líderes políticos. No tempo da Constituinte você, sem dificuldades, punha no papel 20 nomes de imensa importância no cenário político nacional. Hoje, não dá. Não há incentivo para ser político. Vão chamar você de ladrão, sua família vai ficar chateada. O indivíduo que tem uma boa formação ganhará o triplo em outra profissão e terá fim de semana. Quando o crédito do político cai para quase zero, nasce um círculo vicioso. Ou você atrai corruptos ou gente despreparada. O Executivo não tem projeto. E os partidos não têm projeto. O resultado é que, sem ter o que fazer, deputados e senadores partem para a investigação. O Executivo reage com acordos políticos. A política no Brasil se resume a isso. Só.

Antes da ditadura, partidos como UDN e PTB de fato representavam setores da sociedade. O senhor não acha que hoje isso deixou de acontecer?

A UDN era o partido da classe média urbana, aquela gente que ganhava a vida duramente e não esperava uma aposentadoria generosa. Ainda existe essa classe média urbana, muito maior hoje. É um contingente de pessoas que paga o serviço duas vezes: o imposto para a educação e a educação na escola particular. Era um partido liberal. O DEM, hoje, não é um partido liberal. Por isso mudou de nome. Um partido liberal, no Brasil, teria que vir de São Paulo ou das grandes capitais. Não é o caso. O PSDB. O que é? É o partido da reforma feita no governo Fernando Henrique. Mas não descobriu uma agenda própria depois disso. E o PT? Alguns dizem que é representativo. Não sei de quê. Qual a doutrina econômica do PT? Vimos que não tinha. O partido chegou ao poder e desdisse tudo. Não tinha projeto. E desconfia do capitalismo. Tem uma cabeça nacionalista dos anos 50, com preconceito contra o setor privado. Não é à toa que a doutora Dilma é o braço forte do governo. Os partidos, no Brasil, foram dissolvidos em 30, em 37 e em 64. Os militares acreditavam que as origens da corrupção estava neles. Dissolveram e tentaram impor um sistema bipartidário como o britânico. Quando a democracia voltou, o País era completamente diferente e os partidos de antes não queriam dizer mais nada. Ficou um vácuo. Em 1989, quando tivemos a primeira eleição presidencial, houve 22 candidatos. Eram 21 partidos de oposição. E nenhum dos partidos grandes se saiu bem. É sinal de que não representavam mais os anseios da população.

Qual a responsabilidade da ditadura pela atual corrupção?

Quando os militares instauraram o regime, diziam "nós vamos combater a corrupção". Além de se intrometerem no sistema partidário que tinha seu valor, criaram um governo dez vezes mais concentrado. Na pressa de desenvolver o País, contrataram obras públicas faraônicas. Transformaram o País apoiados num crescimento de 8% a 10% ao ano. Posso bem imaginar quanto de superfaturamento houve naqueles 21 anos.

(Transcrito do suplemento Aliás do jornal O Estado de S. Paulo de 20/7/2008)

domingo, 20 de julho de 2008

Símbolo da alegria brasileira

Foto: Agência Globo

De O Globo Online

Dercy Gonçalves morreu às 16h45 deste sábado devido a complicações por causa de uma forte pneumonia. Ela deu entrada no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital São Lucas, em Copacabana, de madrugada. As informações são da assessoria de imprensa do hospital.

A atriz e comediante tinha 101 anos e sempre foi conhecida por sua irreverência e língua afiada. Sempre rodeada por familiares e amigos, Dercy era reverenciada por onde passava.

Batizada Dolores Gonçalves Costa, ela sempre interpretou si mesma em seus mais de 70 anos de carreira. Rebolou no teatro de revista, fez o que quis nas chanchadas do cinema, xingou na televisão, falou o que todo mundo apenas pensava - e, de quebra, fundou o improviso e o escracho no humor brasileiro.

- Dercy é sensacional, uma grande amiga e uma pessoa profundamente crítica. Ela não acreditava na velhice e criticava quem se entregava. Ela falava os palavrões mais carinhosos que alguém podia ouvir. Era uma pessoa profundamente séria e absolutamente franca - declarou o amigo Ary Fontoura em entrevista à GloboNews. - Vá com Deus, minha amiga, criadora do palavrão carinhoso.