segunda-feira, 11 de maio de 2009

Lista fechada é golpe

Lucia Hippolito

A “esperteza” dos deputados federais contra os eleitores e contra a soberania popular, tentando instituindo o voto em listas fechadas (para deputados federais e estaduais e para vereadores), já começou a render frutos.

A maioria esmagadora (ou esmagada?) dos eleitores tomou conhecimento do que seja o voto em lista. Muito bom.

Informação é poder. E os nobres deputados não estavam nem um pouco interessados em que os eleitores tivessem acesso a essas informações.

Estavam prontos para votar mais esta pouca-vergonha. E depois, bom, depois seria o fato consumado.

Mas um bocado de gente se esforçou para estragar a tentativa de golpe dos deputados.

Jornalistas, cientistas e analistas políticos, deputados e senadores que são contra este golpe (sim, eles existem!) passaram os últimos dias explicando, explicando, explicando.

Então, para recolocar os pingos nos iis, vamos lá.

O Brasil pratica um tipo muito peculiar de voto proporcional. Lista aberta (o eleitor escolhe seu candidato), coligações em eleições proporcionais (juntando cobra, jacaré e elefante no mesmo palanque) e um mecanismo inteiramente perverso de distribuição das sobras eleitorais.

Resultado: o eleitor vota num candidato honestíssimo... e seu voto pode servir para eleger um bandido. O eleitor brasileiro não tem a menor idéia de quem foi eleito com o seu voto.

Não custa lembrar: nas eleições de 2006, apenas 39 deputados federais, em todo o Brasil, atingiram o quociente eleitoral de seus estados.

Em outras palavras: apenas 39 deputados federais se elegeram com os próprios votos. Os restantes 474 se elegeram com votos da coligação e das sobras eleitorais.

O atual presidente da Câmara, dep. Michel Temer, por exemplo, foi o último colocado no PMDB. Quase não é eleito, precisou dos votos da coligação e das sobras. Mas hoje é o todo-poderoso presidente da Câmara dos Deputados. Pode?!

O sistema está inteiramente distorcido. A vontade do eleitor é inteiramente desrespeitada. A distância entre o representado e o representante (que não representa mais ninguém, apenas ele mesmo).

O sistema eleitoral brasileiro deixou de reproduzir suas virtudes, reproduz apenas seus defeitos.

A solução seria reconciliar representantes e representados, reaproximar os deputados dos eleitores.

Mas não. Acuados por uma impressionante onda de escândalos sucessivos, suas excelências estão com medo de não serem reeleitos em 2010.

(O Congresso brasileiro apresenta das mais altas taxas de renovação no mundo. Portanto, o mandato dos atuais deputados pode estar correndo sério risco.)

E a resposta aos escândalos, qual é? O voto em lista fechada, para garantir a reeleição! Vejam só!

Vamos lembrar: na lista fechada, o eleitor não vota em um candidato, mas numa lista partidária. É o que conhecemos hoje como voto de legenda.

Se o partido ou a coligação fizerem votos necessários para eleger, digamos, 20 deputados num determinado estado, os 20 primeiros da lista estão eleitos.

Isto significa que acaba a renovação, fortalece-se o poder dos caciques partidários, da turma que controla o aparelho dos partidos. E também dos atuais deputados e vereadores. Adeus, renovação.

Escondidos dentro de uma lista fechada, os deputados podem “se lixar para a opinião pública”, como declarou ontem o deputado Sergio Moraes (PTB-RS). Ele tem razão.

Com o voto em lista fechada, os bons deputados servirão de biombo para todo tipo de meliante que se candidata para ter acesso aos cofres públicos e ao foro privilegiado.

Suas Excelências darão uma banana para a sociedade e farão campanha apenas dentro dos partidos. E o eleitor terá cassado o direito de escolher seu candidato e votar nele.

Como escapar do impasse entre continuar com um sistema eleitoral inteiramente falido e embarcar neste golpe que é a eleição em lista fechada?

Uma proposta que mereceria ser analisada é a do distritão.

O projeto, do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), é bem simples. Para a eleição de deputado federal e estadual, por exemplo, o estado é o distrito. Serão eleitos os mais votados, acabando com votos de coligação e com sobras eleitorais.

No caso do Rio de Janeiro, por exemplo, são 46 deputados federais. Os 46 mais votados seriam considerados eleitos, independentemente do partido pelo qual se candidataram. Mas seriam eleitos com os próprios votos.

Atualmente, são 70 os deputados estaduais fluminenses. Da mesma forma, os 70 primeiros seriam considerados eleitos.

Mantém-se a proporcionalidade, reaproxima-se o deputado do eleitor e não se impede o eleitor de votar em seu candidato.

Simples, não?

O único problema é que os candidatos teriam que mostrar sua cara, dialogar diretamente com o eleitor e, uma vez eleitos, teriam que andar na linha e prestar contas do exercício do seu mandato.

Como o eleitor saberia perfeitamente quem foi eleito e quem não foi, a cobrança ficaria mais fácil.
Talvez, exatamente por esta transparência e por esta exposição dos políticos diante de seus eleitores, este projeto do distritão não corre o menor risco de ser aprovado.

Uma pena.