quarta-feira, 19 de março de 2008

A disputa é entre o Legislativo e o Executivo

É um equívoco tratar a quebra de braço sobre a tramitação das Medidas Provisórias como um embate entre governo e oposição.

Claro que uns e outros estão se aproveitando da situação em seu próprio interesse, mas o que está acontecendo é uma séria discussão entre Legislativo e Executivo sobre o uso e abuso das MPs por parte do Planalto e a doce – e calculista –complacência de parte do Legislativo.

Senão vejamos. As MPs estão destruindo o Congresso brasileiro, que perdeu inteiramente a iniciativa legislativa.

As Medidas Provisórias, editadas com força de lei, devem ser apreciadas no prazo máximo de 120 dias, quando perdem a validade, é o que determina a Emenda Constitucional nº 32, de 2001, modificando o texto do Art. 61, § 8º, da Constituição de 1988.

O que faz a Câmara dos Deputados?

Estica os prazos ao máximo, depois vota tudo correndo, sem prestar atenção ao que está fazendo, e joga no colo do Senado.

Este não tem tempo suficiente para apreciar a MP, melhorar seu texto, propor emendas. Nada. Praticamente, ou aprova como vem da Câmara ou rejeita.

Resultado, os senadores se revoltaram e não querem mais ser considerados meros carimbadores de textos que vêm da Câmara.

Mas o fato é que a revolta maior veio do presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arlindo Chinaglia, do PT, partido do presidente da República.

Estranho? Nem um pouco.

Como presidente da Câmara, Chinaglia percebe perfeitamente o abuso do Executivo na utilização do instrumento. Qualquer assunto é tema para uma MP.

Ninguém mais quer saber de projeto de lei, de mensagem da Presidência.

A MP é a “lei do menor esforço”.

Resultado: dezenas de MPs trancam a pauta e paralisam os trabalhos da Câmara e do Senado.

Aliás, é importante ressaltar que as principais modificações no rito de tramitação das MPs aconteceram em 2001, provocadas pela iniciativa do então presidente da Câmara, deputado Aécio Neves, tucano do partido do presidente Fernando Henrique.

Exatamente como está acontecendo hoje com o deputado Chinaglia.

A presidência da Câmara oferece uma visão privilegiada do estrago desmoralizante que as MPs estão há tempos fazendo no Legislativo.

E quais são as principais propostas na mesa?

1º. Manutenção do prazo de 120 dias para apreciação, mas dividido da seguinte forma: 60 dias para a Câmara, 45 para o Senado e 15 para voltar à Câmara se houver emendas.

2º. MP não tranca mais a pauta. Arriscado, porque a MP pode se eternizar. (Antes de 2001, as MPs eram eternamente renovadas.)

3º. Extinção da comissão especial criada para analisar a MP. A própria Comissão de Constituição e Justiça de cada casa se reuniria e apreciaria a admissibilidade, investigado os requisitos de “relevância e urgência”. Da CCJ a MP iria diretamente ao plenário. Um prazo máximo seria dado para a CCJ.

Quais são os principais problemas envolvidos?

1º. O DEM quer que MP só passe a valer depois de aprovada na CCJ (já existe proposta neste sentido tramitando no Senado). Isto porque a MP tem força de lei e gera imediatamente conseqüências financeiras, jurídicas, legais. Se é rejeitada ou perde a validade, é uma encrenca. Com a aprovação pela CCJ, haveria uma garantia maior. A base governista discorda, e não há acordo à vista, por enquanto.

2º. O critério de “relevância e urgência” permanece muito subjetivo. Tudo pode ser relevante e urgente para o Executivo.

3º. Manutenção do “contrabando”: parlamentares negociam diretamente com o Executivo projetos de seu (deles) interesse e apóiam governo depois da inclusão do projeto no “rabicho” de uma MP. Os próprios parlamentares desistiram da tramitação normal de um projeto de lei.

4º. As modificações precisam se transformar numa proposta de emenda constitucional, a ser aprovada por um quórum qualificado de três quintos (308 deputados 49 senadores) e dois turnos de votação em cada uma das casas do Congresso.

Mais problemas à vista, mais corpo mole da base aliada, mais queda de braço com a oposição.

Tudo bem, mas não vamos nos iludir.

A disputa é entre Legislativo e Executivo, não entre governo e oposição.

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