sábado, 21 de junho de 2008

Revista ÉPOCA

O esquema do PAC

A Polícia Federal envolve deputados em desvio de verbas destinadas à construção de casas populares
Matheus Leitão e Murilo Ramos
Os moradores de 119 municípios brasileiros presenciaram uma cena diferente na manhã da sexta-feira. Com suas roupas negras, armas de bom calibre e caminhonetes importadas, mais de mil homens da Polícia Federal bateram à porta de prefeituras, empresas de consultoria e escritórios políticos em sete Estados e no Distrito Federal. Embora esse tipo de ação tenha se tornado um espetáculo freqüente nos últimos anos, a Operação João de Barro trouxe duas novidades.

A primeira é que pouquíssimas vezes a Polícia Federal teve necessidade de mobilizar mil homens numa única operação. A segunda é que, desta vez, o alvo das investigações e destino da maior parte das equipes policiais eram pequenas cidades do interior de Minas Gerais, especialmente no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres do mundo. Com baixa renda, subnutrição e alta mortalidade infantil, agravadas pela falta de saneamento básico e baixa qualidade das habitações, a região registra um Índice de Desenvolvimento Humano, o indicador das Nações Unidas que mede a qualidade de vida, semelhante ao de países africanos (0,665). Nessa região miserável, a Polícia Federal descobriu um esquema de desvio de verbas da ordem de R$ 700 milhões.

As investigações da PF começaram com auditorias realizadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em convênios entre o governo federal e municípios do interior de Minas. Em 2003, o TCU apontou irregularidades em repasses que vinham desde o fim dos anos 90, para 29 cidades do nordeste de Minas. Havia fraudes em contratos com os ministérios da Saúde, do Esporte, da Integração Nacional e da Previdência Social, destinados a obras de saneamento, construção de casas populares e quadras poliesportivas.

" R$ 700 milhões foi o total de recursos destinado para os projetos
apresentados pelo esquema "

As principais irregularidades encontradas eram: conluio entre as empresas licitantes e os gestores municipais, falta de execução de obras contratadas, emissão de notas fiscais frias e desvio de recursos federais. Por meio da auditoria, verificou-se em algumas obras o uso de material de qualidade inferior ao previsto no edital e a contratação de construtoras fantasmas.

Cinco anos depois, a PF confirmou aquelas irregularidades, agora irrigadas por recursos do PAC – que contratou R$ 69 bilhões em obras de saneamento e habitação popular para pequenos municípios – e também por emendas de parlamentares ao Orçamento da União. O esquema detectado pela PF envolve lobistas, funcionários de prefeituras e donos de empreiteiras, contra os quais havia 38 mandados de prisão na manhã da sexta-feira. A PF apreendeu documentos em 114 prefeituras mineiras e, com autorização do Supremo Tribunal Federal, fez buscas no gabinete de dois deputados ligados ao Vale do Jequitinhonha: João Magalhães (PMDB-MG) e Ademir Camilo (PDT-MG). “Os indícios de participação dos parlamentares são muito fortes”, diz o delegado David Salem, responsável pela operação.

O nome de Magalhães já aparecia nas investigações de 2003. Num documento do TCU, ele é acusado de receber R$ 95 mil diretamente da Construtora Ponto Alto Ltda., uma empresa de fachada, da qual foi sócio com um ex-deputado estadual do PDT de Minas. Magalhães ainda teria se ocupado de transmitir informações sobre a prestação de contas do município Alpercata, em Minas, para o ministério que transferiu os recursos.

Segundo técnicos dos órgãos de controle ouvidos por ÉPOCA, o esquema nas fraudes detonadas pela Polícia Federal é corriqueiro. Parlamentares apresentam emendas para municípios que dirigem os recursos recebidos de ministérios a certas empresas. Enquanto o Orçamento da União estiver sujeito a manobras políticas ditadas pelo interesse individual de lobistas e corruptos, o Estado continuará sendo vítima de quadrilhas que desviam recursos públicos.

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