quinta-feira, 5 de junho de 2008

Superar a divisão

Onde Obama mais precisa de Hillary

O gráfico abaixo foi citado na coluna Panorama Econômico desta quinta-feira. Ele mostra o percentual de votos de Hillary Clinton nos estados que são considerados "Swing States".

Esses estados são menos fiéis aos partidos, ou seja, dependendo da eleição, votam com democratas ou republicanos (alguns dos estados americanos votam sempre no mesmo partido).

Nas prévias democratas, em pelo menos 12 desses estados, Hillary teve incontestável maioria dos votos. Isso significa que ela é fundamental para Barack Obama. Sem o seu apoio, é grande o risco desse eleitorado transferir o voto para o candidato republicano John McCain.

Vejam abaixo o gráfico que mostra o percentual de votos de Hillary nas primárias contra Obama.

No Arkansas, por exemplo, ela teve quase 80% dos votos.



Panorama Econômico - Jornal O Globo

As primárias do Partido Democrata foram uma demonstração de vigor invejável da democracia americana. A disputa mobilizou os jovens de forma entusiástica, levou 35 milhões de pessoas a votar e fez História. Agora, os democratas têm, diante de si, outros desafios: unificar o partido fraturado com tanta disputa; conquistar o eleitor americano superando a mais dolorosa divisão do país: a racial.

Hillary Clinton é fundamental para Barack Obama. Olhando o mapa americano, o que se vê exatamente, naqueles estados que eles chamam de swing states — onde Bill Clinton venceu em 1996, mas John Kerry perdeu em 2004 —, é que, em pelo menos em 12 deles, a senadora Hillary teve incontestável maioria dos votos. Nesses estados, Obama precisa dela.

O jornalista americano Mac Margolis, da “Newsweek”, acha que Obama, que ganhou no Sul, com uma avassaladora votação dos negros, e ao oeste do Rio Mississippi, com o apoio de jovens e mais ricos, precisa da força de Hillary para atrair eleitores nas regiões onde brancos e trabalhadores votaram nela.

Durante a campanha, algumas questões foram explicitadas: os democratas continuam fortemente protecionistas. Ofensa era acusá-los de serem “a favor” de acordos de livre comércio. Obama votou contra o acordo com a Colômbia e não foi à votação do acordo com o Peru. Ambos criticaram o Nafta. A nova Lei Agrícola, com um aumento do subsídio à produção, teve o voto de Obama.

Os Estados Unidos estão vivendo em ambiente recessivo; a crise imobiliária ainda não acabou, secou a fonte de renda extra através das renegociações das hipotecas, o desemprego aumentou e a inflação está subindo. Isso será um trunfo de Barack Obama, mas também intensifica o discurso protecionista. McCain tentará a missão impossível de fazer uma campanha republicana se afastando do presidente republicano impopular. No discurso que fez na terça-feira, ele rebateu a expressão “política Bush-McCain”, usada por Obama. Essa tentativa de se afastar do presidente da República do mesmo partido raramente é bem-sucedida. Al Gore tentou ser o candidato dos democratas se afastando de Bill Clinton. José Serra tentou evitar o apoio de Fernando Henrique em 2002. O eleitor não é bobo e sabe que situação não pode ser oposição a si mesma.

Obama começou a corrida quase como um estranho dentro do partido. Hillary contava com a maioria dos votos dos superdelegados, era a favorita nas pesquisas. O resultado mostra que os superdelegados não pertenciam a nenhum dos dois e reagiram ao sabor da campanha. Ele acertou no tom e no discurso de mudança, trazendo para a arena política quem andava afastado, os jovens. Usou, com desenvoltura, ferramentas da moderna comunicação na mobilização dos jovens. Um dos exemplos: pela internet, pessoas do mundo inteiro foram convidadas a participar do concurso do vídeo de campanha “Obama em 30 segundos”. Participaram, acompanharam e votaram na escolha em torno de cinco milhões de pessoas. Quanto disso vira voto mesmo? Os jovens americanos, empolgados com a primeira vitória, devem permanecer ao lado de Obama.

A questão racial continuará sendo uma grande dúvida da sua campanha, mas ele deu um passo importante durante o desconforto criado pelas desastradas declarações do ex-pastor da sua ex-igreja. Obama, que inicialmente tentava contornar a delicada questão para não ser estigmatizado como candidato étnico, acabou tendo que falar frontalmente sobre as divisões raciais para propor a superação delas. No histórico discurso da Filadélfia, buscou em William Faulkner a frase símbolo “o passado não está morto e enterrado. Na verdade, ele nem é passado”, para lembrar que as desigualdades entre negros e brancos persistem.

Muita coisa mudou. Quando os pais de Obama se casaram, em 1960, uma união como aquela, entre uma branca e um negro, era ilegal na maioria dos estados americanos. Hoje ele é o candidato do Partido Democrata e, entre seus apoiadores, há milhões de brancos. A vida melhorou para o afro-americano nas últimas décadas. A renda familiar média dos negros subiu de US$ 22.300 (em dólares de 2006) em 1967 para US$ 32.100 em 2006. A expectativa de vida foi de 35 anos para 73 anos. A redução da distância entre negros e brancos continua sendo um desafio, mas o esforço, que vai do movimento pelos direitos civis ao equal opportunity rights (direitos de oportunidades iguais, que gerou inúmeras políticas públicas e corporativas), permitiu a formação da forte classe média negra. Os afro-americanos votaram maciçamente em Obama. Agora, ele sabe da necessidade do passo seguinte: “Todos somos americanos, primeiro. Divididos por falsas divisões, unidos pelos mesmos princípios e sonhos”, disse ele em discurso.

Esta é a forma de atrair quem o rejeita hoje pelo velho e persistente racismo: lembrar o sonho americano e enriquecê-lo.

No discurso de terça-feira, Obama também não deixou ambigüidades quando se declarou contra a guerra do Iraque, dizendo que é uma guerra que não devia ter sido declarada, não devia ter sido lutada e deve acabar.

McCain, herói de guerra no Vietnã, vai usar contra ele o medo americano de que, se não lutarem contra os países inimigos da pátria americana, a “América” sofrerá ataques em seu território. Será uma campanha e tanto.

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