quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Panorama Econômico

Rota das drogas

(leia a coluna Panorama Econômico publicada nesta quarta, em O Globo, por Míriam Leitão )

Mudou a rota das drogas na Amazônia. Os traficantes não usam mais o espaço aéreo, as pistas clandestinas. Preferem os rios. É o que diz o general Augusto Heleno, comandante do Exército na região, e confirma o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa. "São 22 mil quilômetros de rios navegáveis e uma fronteira de 11 mil quilômetros, em geral, de selva", diz o general.

Com a vigilância bem-sucedida do Sipam-Sivam, os traficantes passaram a utilizar sobretudo os rios, que antes eram usados eventualmente. Isso torna mais difícil o combate ao crime. Para a Polícia Federal, a Amazônia virou prioridade, disse-me o diretor da PF. As Forças Armadas querem fazer cada vez mais operações na região, para entendê-la. Esta semana, o Exército está fazendo na Amazônia a Operação Poraquê.

— Começamos numa área de selva em Caracaraí (RR) que transita para uma região de savana, onde se podem usar blindados — contou-me ontem cedo o general Augusto Heleno.

Logo depois da nossa conversa, o general se juntou às forças da Marinha que iriam navegar pela calha do Rio Negro até Barcelos.

Ontem também, a Polícia Federal estava com a diretoria itinerante na Amazônia. O diretor-geral está visitando delegacias da PF em todos os estados e vendo de perto as necessidades. Ficará esta semana inteira; volta para Brasília e, na semana que vem, retomará a viagem à região.

— No planejamento estratégico até 2022 que fizemos, ficou claro que a prioridade é a Amazônia — disse Corrêa.

Pelo Rio Negro, que visitei recentemente, têm ocorrido casos de tráfico de madeira misturado com o de drogas. Lá ouvi de funcionários públicos que jovens das comunidades ribeirinhas são recrutados para cortar madeira e pagos em pasta de coca ou em cocaína. Em alguns flagrantes, vê-se que os crimes estão agindo em consórcio. Sempre usando os rios como rota não apenas de escoamento de madeira, tráfico de animais, roubo de espécies, mas também para o tráfico de drogas.

O diretor-geral da PF confirma a mudança na rota do tráfico. Antes a droga chegava sobretudo pelo ar:

— Quando o Estado faz seu trabalho de reprimir o crime, ele espirra para outro lado. O Sivam funcionou, e o crime procurou outro caminho. Confirmo a informação do general Heleno: a rota do tráfico de drogas agora é principalmente pelos rios.

A Operação Poraquê, como todo exercício das Forças Armadas, combate um inimigo fictício. Desta vez, o inimigo é "país amarelo".

O general conta que, na luta real, o Estado precisa se unir. Ele gostaria que as ações unissem outras agências governamentais, com outras especialidades. Nesta não vai o Ibama, por exemplo:

— O Ibama tem pouco efetivo. Este é meu grande pleito: que o Brasil possa unir as forças de repressão ao ilícito. O Ibama precisa de nós, a maioria das operações mais difíceis são feitas conosco, $nossos aviões ou da aeronáutica. Precisamos deles, não entendemos de madeira. Não entendemos de drogas, não temos conhecimento sobre. A Polícia Federal é que foi treinada para isso. Precisamos da Receita, que tem o conhecimento dos descaminhos e do contrabando.

Em fevereiro, foi feita uma operação conjunta de combate ao garimpo ilegal.

— Eu não entendia nada do tema. Achava que eram uns caras lá com umas peneiras no rio. Apreendemos nove dragas, umas coisas enormes; quatro flutuadores; três empurradores (ou rebocadores) e um tonel de combustível. Uma verdadeira Marinha.

Um problema desafiador agora é como combater o tráfico naquela imensidão.

— Com o Sivam-Sipam, os traficantes têm de fugir dos radares. Isso torna mais difícil vir por ar. Se os vôos são mais raros, fica difícil manter as pistas clandestinas. Eles têm problemas com a deterioração das pistas pelas chuvas, pela vegetação. Até asfalto estraga rápido — relata o general.

Mas o Estado também tem seus desafios: como fiscalizar os 22 mil quilômetros de rios navegáveis e a fronteira de 11 mil quilômetros com os países amazônicos, a qual tem o triplo do tamanho da fronteira entre Estados Unidos e México?

— Controlar uma fronteira assim é muito difícil, mas podemos ser mais eficientes se unirmos as forças e tivermos transportes mais ágeis — afirma o general.

O transporte no rio é bem mais lento, isso poderia até ajudar as forças de combate à repressão se elas estiverem bem equipadas, mas os contrabandistas podem contar com os "furos", passagens no meio da mata, de um rio para o outro, perfeitas para se esconder.

— Tem gente que acha que o tráfico não vai prosperar porque o transporte por rio é mais lento. É mais lenta a primeira viagem, depois de feita a rota, seja de jabuti seja de concorde, o importante para o traficante é fazer uma entrega por dia.

O general Heleno fez, semanas atrás, uma operação de coluna. Ainda usa colete ortopédico e tipóia. Mas, antes de ir falar com os jornalistas, ele os tirou.

Do contrário iam dizer que o inimigo já fez um estrago antes de começar a operação. E eu ia dar uma colher de chá dessas para o inimigo? — diz, em tom brincalhão. Ele sabe porém que o "inimigo" imaginário do país amarelo, que não pode vê-lo avariado, é bem menos ameaçador que o verdadeiro inimigo que pode estar agora descendo os rios amazônicos ou escondendo sua carga em algum "furo" do rio.

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