domingo, 31 de agosto de 2008

Política Econômica - Carlos Alberto Sandenberg

Esta coluna será publicada apenas amanhã no jornal O Estado de São Paulo, mas o blog já sai na frente publicando hoje, aqui.

O DESAFIO DE OBAMA DERRUBA O PREÇO DO PETRÓLEO

-- Perdendo a freguesia--

Só faltava essa. Nem bem o Brasil tirou o bilhete premiado do pré-sal, vem Barack Obama e lança o novo desafio americano: eliminar a dependência do petróleo importado. Verdade que Obama se referiu à dependência em relação aos paises árabes. Excluiria os amigos da América Latina?

A resposta é não. Outro dia, em debate sobre etanol, o candidato democrata defendeu as tarifas sobre a importação do produto brasileiro com o seguinte argumento: é preciso proteger e desenvolver a produção local, pois não adiantaria nada trocar a dependência em relação aos árabes pela dependência brasileira.

Logo, o ponto é claro: independência energética, produção local. E foi uma ovação na convenção democrata quando Obama apresentou o desafio. Os americanos, pelo menos os democratas, parecem fartos dessas confusões com os produtores externos muy amigos.

A coisa é séria, portanto, e pode trazer repercussões imensas para a economia e a política mundiais.

Os EUA são os maiores consumidores e importadores de petróleo. Usam o óleo não apenas para movimentar a maior frota de carros de mundo, mas também como fonte de energia elétrica. Se eles reduzirem fortemente suas compras externas, o resultado é óbvio: a derrubada dos preços.
E isso ocorreria justamente no momento em que o petróleo brasileiro do pré-sal estaria entrando no mercado, adicionando oferta diante de uma demanda em queda.
Qual a chance do desafio de Obama?

O professor Giuseppe Bacoccoli, da Universidade Federal do Rio, acha que o óleo queimado na produção de energia elétrica (nas térmicas) pode ser substituído por gás, energia nuclear e carvão limpo, três fontes citadas por Obama. Os americanos estão prospectando gás por toda parte, inclusive embaixo de aeroportos, e de fato há novas tecnologias para carvão, reduzindo o dano ambiental, para usinas nucleares, mais seguras.

Para Bacoccoli, as fontes eólica e solar serão apenas acessórias. E para os carros, observa, não há solução no momento. Etanol de milho é caro, ineficiente e seria preciso plantar milho no país inteiro para gerar a quantidade de combustível necessário para substituir parte da gasolina. Carros elétricos e/ou movidos por outras fontes ainda não são comerciais e as tecnologias estão atrasadas.

Portanto, é provável que, numa primeira etapa, os EUA consigam cortar metade do óleo que importam, o que já será um baque no mercado mundial. Quanto aos automóveis, ficam na dependência de uma grande descoberta.

Tudo considerado, restam lições para o Brasil, econômicas e políticas. Na política, fica claro que a diplomacia de hostilidade aos EUA pode passar, digamos, uma sensação de afirmação, mas é um tiro no pé. Algo como torrar a paciência do principal freguês, o que só funciona quando esse freguês não tem alternativa. Mesmo assim estimula o comprador a procurar outros fornecedores.

A Venezuela, por exemplo, vai micar com seu petróleo caso Obama cumpra seu objetivo. Para quem Chavez vai vender? Para Cuba?

Países que tiveram a sorte de descobrir produtos estratégicos para a economia mundial precisam manter uma relação responsável com seus parceiros, claro, mas também com toda a comunidade global. Se não for por sabedoria, que seja por interesse. É preciso dar garantias à freguesia, assim como o vendedor precisa obter garantias de mercado.

Por exemplo: se tivesse sido construída a Alca, a Área de Livre Comércio das Américas, que o presidente Lula se orgulha de ter detonado, estaria garantida a venda de petróleo aos EUA. Idem se o Brasil tivesse um acordo de livre comércio com os EUA, também desprezado pela diplomacia brasileira. Vendedores e compradores estariam seguros no quadro de um acordo formal.

Pelas avaliações atuais, os EUA, mesmo com grande esforço de produção local, ainda vão importar petróleo por bom tempo. De quem?

Além disso, mesmo com as fontes alternativas, o óleo pode continuar sendo mais barato e mais eficiente. Mas os países só o utilizarão se tiverem garantias políticas e comerciais. E não apenas os EUA, mas todos os demais, como Europa e Japão, também importadores. Ou seja, também vai fazer falta um acordo de livre comércio com a Europa.

Tudo considerado, parece evidente que o governo brasileiro conduziu mal sua diplomacia e está conduzindo mal a questão do pré-sal. Em vez de criar um ambiente favorável aos investimentos privados no setor, está gerando desconfiança. De novo, não precisaria ser por virtude, mas por necessidade. O montante de investimentos no pré-sal está além da capacidade do governo e a Petrobrás.

Considere-se ainda que é preciso correr. O mundo todo está procurando energia. Há prospecção por toda parte e pesquisas intensas. Mesmo no etanol no Brasil corre riscos. Hoje, o país detém a melhor tecnologia desde a plantação da cana até a fabricação das usinas que destilam o álcool.
Mas há pesquisas, por exemplo, de etanol de celulose. E se alguém faz a grande descoberta?

Já no ano que vem começará a se formar o clima de eleição presidencial aqui no Brasil. Será uma boa oportunidade para que estas questões estratégicas sejam apresentadas aos eleitores.

Só 150 bilhões?

Por outro lado, é estranho, no mínimo, que Obama tenha falado em investir US$ 150 bilhões no desenvolvimento de energias alternativas ao petróleo.

É mixaria. Por exemplo: técnicos estimam que a exploração do pré-sal brasileiro exigiria investimentos de US$ 600 bilhões. Na semana passada, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrieli, disse que a estatal vai investir US$ 119 bilhões nos próximos cinco anos. E a economia dos EUA é nove vezes maior que a brasileira.

Ou Obama errou no número ou isso é só um começo. Ou não vai dar.

Será Publicado em O Estado de S.Paulo, amanhã, 01 de setembro de 2008.

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