sábado, 27 de setembro de 2008

Revista ÉPOCA

Em Época desta semana, Ricardo Amaral, fala sobre O Grande Laboratório de Transfusão de Votos.

As eleições municipais têm sido o laboratório de testes de um interessante fenômeno: a transfusão de votos de governantes populares para candidatos pouco conhecidos pelos eleitores. É o que explica o sucesso dos candidatos oficiais em Belo Horizonte e no Recife, entre outros. Vale a pena analisar os casos, de olho na sucessão de 2010. Mas cuidado: assim como a transfusão de sangue, a transferência de prestígio tem suas regras e mistérios. Não funciona sempre, nem com qualquer um.

Numa conjuntura de partidos políticos pouco prestigiados, para dizer o mínimo, é natural que governantes e lideranças reconhecidas assumam o papel de guias do eleitorado. Do presidente Lula nem se fala. Até candidatos de legendas oposicionistas disputam sua bênção nas bases municipais. A mais recente pesquisa CNT/Sensus mostrou que o presidente influencia direta ou indiretamente a opção de voto de 44% dos eleitores nas cidades. Esses eleitores declararam que votam ou podem votar no candidato à Prefeitura apoiado por Lula.

Governadores e prefeitos bem avaliados também impulsionam seus candidatos. Em Belo Horizonte, o governador Aécio Neves e o prefeito Fernando Pimentel, ambos nas alturas de 80% de aprovação, devem eleger seu candidato comum – Marcio Lacerda, do PSB, um estreante em eleições. Para facilitar a tarefa, não há adversários locais de peso. Em Pernambuco, a parceria do governador Eduardo Campos (PSB) com o prefeito João Paulo (PT) deu a liderança nas pesquisas ao petista João da Costa. Em Minas e em Pernambuco, adversários acusam os favoritos de ser beneficiados pela máquina pública – um velho vício do qual ninguém está livre. Nos dois casos, porém, o fator decisivo é que o eleitor percebe afinidade política, administrativa, e até pessoal, entre os candidatos e seus padrinhos.

O caso mais espetacular de transfusão de prestígio ocorreu em 1996, em São Paulo: o ex-prefeito Paulo Maluf elegeu para suceder-lhe o secretário de Finanças, Celso Pitta, virgem de votos. Neste ano, o governador tucano José Serra planejava transferir seu capital de votos ao prefeito Gilberto Kassab, do DEM. A afinidade administrativa entre governador e prefeito parece óbvia, ambos são bem avaliados, mas surgiu a candidatura do ex-governador Geraldo Alckmin. Disputando pelo mesmo PSDB de Serra, Alckmin bloqueou a transfusão de votos para Kassab e emitiu um sinal confuso para o eleitor: quem seria, afinal, o candidato de Serra? O preço dessa desarmonia será cobrado no segundo turno.

O caso de São Paulo demonstra que as transfusões são mais complicadas onde as máquinas partidárias têm maior vigor. A histórica animosidade entre PT e PSDB na capital paulista impediu um arranjo semelhante ao de Belo Horizonte, onde Aécio e Pimentel neutralizaram a resistência de petistas e tucanos ao acordo que beneficia o candidato do PSB. No Rio de Janeiro, onde há muito tempo a sociedade e os partidos se divorciaram, o governador Sérgio Cabral (PMDB) está levando ao segundo turno o ex-deputado Eduardo Paes, que já esteve em cinco legendas e não se prendeu a nenhuma. É lícito supor que Cabral levaria qualquer outro candidato a uma boa posição na disputa.

Não existe um padrão definido, mas as transfusões eleitorais estão ocorrendo num momento favorável a governadores e prefeitos, por causa do bom desempenho da economia e da arrecadação. Elas são mais eficazes onde o arranjo partidário é natural (caso do Recife) ou decorre de acertos de cúpula (Belo Horizonte) – nos dois casos, com adversários frágeis e uma promessa de continuidade administrativa. Também ocorrem em cenários de miséria política (Rio), mas tornam-se mais complicadas onde o grande eleitor não controla sua base partidária (São Paulo).

Lula fará uma vigorosa transfusão de votos para Dilma Rousseff ou qualquer outro candidato que vier a indicar, em 2010. A eficácia da transferência vai depender, no entanto, da situação da economia; da unidade entre os partidos da base do governo; do desempenho da candidata, e, é claro, da qualidade dos adversários. Com a liderança que sustenta nas pesquisas, Serra é mais que uma pedra no caminho da candidata de Lula. Por enquanto, o que temos são testes. O jogo ainda vai começar.

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