sábado, 17 de maio de 2008

Panorama Econômico - Jornal O Globo

Destino do cofre

(leia a coluna publicada neste sábado no Globo)

Quando acabei de entrevistar o ministro Guido Mantega, na semana passada, ele me disse: você não me perguntou de fiscal. Sinceramente, achei que não precisava. Ele tinha dado vários exemplos de aumentos de gastos. Política industrial com renúncia fiscal é gasto. Fundo soberano para emprestar, com juros menores que o custo de captação do Tesouro é gasto. Compra de mais dólares pelo Tesouro é gasto.

A política fiscal é, portanto, expansionista, foi minha conclusão. Mas a Fazenda acredita que fará um ajuste fiscal através do fundo soberano, porque isso aumentaria o superávit primário sem mexer no vespeiro de dizer ao PT que é isso que está sendo feito. A Fazenda comemora um superávit primário muito maior que a meta nos últimos 12 meses. Todo começo de ano, o superávit sobe. Este ano subiu mais porque passou-se o primeiro trimestre sem Orçamento aprovado. Isso pode não ser sustentável, principalmente porque o governo perdeu R$ 40 bilhões da CPMF, conseguiu repor apenas 25%, com o aumento do IOF e da CSLL no começo do ano.

Apesar disso, o governo está abrindo mão de receita — o que, na prática, é gasto. Está tentando, com renúncia fiscal, compensar exportadores e fazer política antiinflacionária. Diminuiu impostos para impedir a alta dos combustíveis e depois para reduzir os preços do trigo. Os exportadores ganharam a renúncia fiscal de R$ 21 bilhões.

A grande critica à política industrial tradicional é que ela é a escolha de vencedores; o beneficio é dado a alguns, e o governo privilegia uma área industrial em detrimento de outra. Desta vez, decidiu-se fazer diferente: escolher todo mundo; ou quase. Em 24 prioridades, não há prioridade. Aí, em vez de uma política industrial, tem-se uma enorme e vazia lista de intenções. Com algumas medidas boas, mas limitadas, como a redução do custo trabalhista do setor de software.
Com política fiscal expansionista, o governo está incentivando a demanda num momento em que o Banco Central está fazendo força no sentido contrário, elevando os juros para conter o consumo e, assim, enfrentar a pressão inflacionária. A inflação continua não dando trégua. O IGP-10 a 1,5% mostrou isso. Está confuso.

Em todos os governos, há a divisão entre gastadores e contracionistas, mas, normalmente, o Ministério da Fazenda fica do lado de quem segura os gastos. Como tem o comando da Receita e do Tesouro, sabe quanto custa arrecadar e quanto custa rolar a dívida pública. Sendo assim, tem a clara noção de que a elevação dos juros custa caríssimo ao Tesouro, por isso o melhor é remar na mesma direção do Banco Central.

Desta vez, é o BC isolado e a Fazenda unida aos ministérios que, por defenderem setores específicos, tendem a ver os interesses da sua área e assim defendem mais vantagens e mais renúncia fiscal.

Em outros momentos que essa mesma velha batalha foi travada dentro do governo, entre quem quer gastar e quem quer segurar o cofre, ela foi entendida como briga mesmo. Desta vez, o gasto é apresentado de forma solene e explícita, como início de um novo ciclo de desenvolvimento.

Às vezes, na economia, mira-se um objetivo, e o resultado é o oposto. A renúncia fiscal para empresários e exportadores sempre foi apresentada como uma forma de aumentar a capacidade das empresas de investirem e criarem emprego. Mas foi a forma mais eficiente de aumentar o lucro dos empresários e concentrar a renda. O Brasil não precisa tentar de novo para ver se o resultado será diferente. A pesquisa do Ipea, divulgada esta semana, mostra que quem precisa de redução de impostos é a cesta de produtos consumida pelos mais pobres, porque os brasileiros de menor renda estão pagando tributos demais, direta e indiretamente.

O Brasil tem baixo nível de poupança, tem déficit nominal e uma dívida alta e cara. Em poucas palavras: não tem dinheiro sobrando. O mais sensato seria continuar reduzindo a dívida e buscar o déficit zero.

Mas o governo decidiu fazer um fundo, apesar de tudo isso, e não com o objetivo de ser um seguro para o futuro, mas para oferecer ajuda a empresários que queiram internacionalizar seus negócios. Em resumo: apesar de ter ainda desequilíbrio nominal nas suas contas, o Brasil faz um fundo soberano, mas não para poupar, e, sim, para emprestar para empresários a um custo menor do que o Tesouro paga à sua dívida, ou seja, vai gastar. Vários guichês no mesmo governo vão comprar a moeda que mais cai no mundo com o objetivo de evitar que ela caia aqui no Brasil.

Depois da indústria, virá o setor agrícola. O governo prepara agora um pacote de benefícios para os agricultores. Os preços do que produzem estão em alta no mercado internacional, e devem permanecer subindo. A Embrapa continua arcando, quase sozinha, com o custo de pesquisa e desenvolvimento para que o setor seja mais competitivo. Mesmo assim, o governo vai abrir o guichê para oferecer a eles alguma ajuda a mais.

Com tanto dinheiro para gastar, o governo ajudaria mais se reduzisse carga tributária para todos. Seria o caminho mais simples de elevar a competitividade da economia brasileira.

O novo ministro do meio ambiente, Carlos Minc, lembrou que a política industrial foi formulada sem preocupação ambiental. Ele tem razão. A concessão de incentivos deveria ter sido uma forma de exigir condicionalidades das indústrias e assim induzir as empresas a adotarem novas práticas e processos mais modernos de produção. A decisão do governo de aumentar o gasto com os empresários ficou ainda pior pela falta de propósito e rumo.

Nenhum comentário: