O futuro de Cuba começou. Sem o carisma e a mítica de Fidel Castro, Raul, que deve ser eleito sexta-feira, não terá o mesmo controle do país. As TVs passam novelas brasileiras e séries americanas. O desafio será a independência. Cuba já foi colônia espanhola, cassino dos Estados Unidos, ilha soviética. O sonho dos EUA sempre foi transformá-la no 51 estado americano. Outro desafio: manter as conquistas sociais.
As mudanças já são visíveis. Ônibus mais modernos e carros novos circulam pelas ruas de Havana. Grande parte vinda da China, segundo maior parceiro comercial de Cuba. O primeiro é a Venezuela. Dois milhões de turistas passeiam por lá a cada ano e são grande fonte de renda. O país tem crescido de 8% a 10% ao ano.
Este momento é duplamente desafiador para a pequena ilha do Caribe próxima a Miami. De um lado, a ilha pode ver o fim da ignomínia de ser o local dos desterrados americanos. A Base de Guantánamo é uma excrescência em si, mas é pior pelo que virou: um local onde o governo americano — confessadamente — não respeita suas próprias leis. De outro, é o lugar onde um ditador da extração romântica dos anos 50/60 envelheceu no poder perdendo qualquer ternura.
O poder sem fim e sem limites transforma qualquer idealista num ditador como outro qualquer.
Os Estados Unidos pensam em fechar Guantánamo. É o que têm dito os três candidatos. Quando esteve no Brasil, Tom Shannon, vice-secretário de Estado dos EUA, admitiu, numa entrevista para mim, que até o governo George Bush pensa no assunto. Alegou que a proposta não avança porque, na opinião dele, não há um governo com o qual se possa ter interlocução em Cuba.
Cuba tem sido um país confinado. Não faz parte da OEA, não é membro do Banco Mundial, do FMI, nem do BID. Maluquices herdadas do tempo da guerra fria e impostas pelos Estados Unidos. Leis como a Helms-Burton impedem até a venda de matérias-primas para terceiros países se o produto final for enviado para Cuba.
Começa a se romper esse absurdo bloqueio. Empresários canadenses e espanhóis estão investindo no país. O Brasil estabeleceu acordos para que a Petrobras faça prospecção de petróleo. Os dois países desenvolveram juntos uma vacina antimeningite, mais barata que a usual. Cuba quer ajuda brasileira para aumentar a produção de alimentos por lá. Eles gastam US$ 1 bilhão importando comida.
Raúl Castro já negociou a dívida que tinha com agricultores, já disse que vai assinar o pacto de direitos humanos da ONU, e afirmou, no seu último discurso, que quer ouvir as reivindicações da sociedade. Ouvirá pedidos de melhores salários e do fim da moeda dupla na economia.
Ontem, o presidente George Bush disse que esperava ver, enfim, eleições “livres e justas” em Cuba e repetiu: “livres e justas.” As eleições cubanas não são nem uma coisa nem outra, mas Bush só pode falar no assunto quando pedir o mesmo à Arábia Saudita, onde mulher não pode votar nem ser votada.
O regime cubano conseguiu conquistas impressionantes. Há muitos anos, o país pobre está entre os de maior desenvolvimento humano da ONU, nível ao qual o Brasil só chegou agora. O Brasil é o último desta parte do ranking, com a classificação número 70. Cuba está vinte pontos à nossa frente e só não está melhor porque a renda per capita é baixa. A expectativa de vida é de 77,7 anos, a mesma da Dinamarca (77,9 anos). Não tem analfabetismo — ou melhor, ele é residual, de apenas 0,2%.
No Brasil a taxa é de 11,4%, e o problema não acabou nem entre jovens. No indicador de mortalidade na infância, que mede crianças falecidas até cinco anos por cada 1.000 nascidas vivas, eles tinham 54 em 1960, e agora têm a menor taxa da América Latina: de 6.
Cuba, antes de Fidel Castro, era um protetorado dos americanos, que fizeram da ilha um local de jogos. A Cuba de Fidel entrou logo na órbita soviética e lá ficou sendo financiada pela Rússia. Uma das formas de sustentá-la foi comprar o açúcar cubano a qualquer preço. A queda soviética detonou um processo de decadência e recessão na ilha do qual ela saiu nos últimos anos.
O bote salva-vidas foi enviado por Hugo Chávez e, de novo, foi através de um preço artificial e por motivos políticos. O governo venezuelano passou a vender para Cuba, a preços substancialmente abaixo do mercado, 90 mil barris de petróleo por dia. Como Cuba produz 80 mil barris e consome 120 mil barris, fica com um excedente que exporta a preço de mercado com grande lucro.
Empresas estão chegando à ilha, turistas deixam lá seus dólares, joint ventures começam a operar, projetos de produção de biocombustível estão em andamento. Cuba voltou a crescer.
O novo momento não será de uma hora para outra. O regime já começou a se modernizar. Vai continuar. Inevitável. Depois de ser colônia da Espanha, protetorado americano, satélite soviético e protegido de Chávez, Cuba pode agora tentar uma vida independente. O desafio será evitar o desembarque americano. Se falhou o desembarque militar na Baía dos Porcos, nos anos 60, pode ser mais forte agora a conquista pelo capital. Cuba tem que manter suas virtudes e conquistas e procurar o caminho da democracia.
Quem sabe agora ela poderá ser deixada livre para escolher seu caminho, livre de todas as influências e pressões que sempre recaíram sobre essa ilha; ela também um mito; mito da geopolítica mundial.
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