sábado, 27 de março de 2010

O Globo: Condenados

SÃO PAULO - Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá foram condenados pela morte de Isabella Nardoni, 5 anos, e não poderão recorrer em liberdade à sentença. Alexandre cumprirá 31 anos, um mês e 10 dias de prisão em regime fechado. Por ser o pai de Isabella - praticou o crime contra descendente - teve pena maior do que a da mulher. Anna Carolina Jatobá foi condenada a 26 anos e oito meses de prisão. Pela fraude processual, os dois cumprirão ainda 8 meses de prisão em regime semiaberto e pagarão 24 dias multa. A defesa informou que já recorreu da sentença, mas não deu detalhes.

Os jurados concluíram que o casal praticou o crime (homicídio triplamente qualificado) usando meio cruel e que dificultou a defesa da vítima. O crime é agravado ainda por tratar-se de uma menor de 14 anos de idade. A sentença foi comemorada com fogos, palmas e gritos pela multidão que aguardava o anúncio do lado de fora do Fórum de Santana. A queima de fogos durou pelo menos três minutos. O pai de Alexandre, Antonio Nardoni, sentado ao lado da filha na primeira fila, chorou bastante.

- O brilho da noite é do promotor Francisco Cembranelli - reconheceu o advogado de defesa do casal, Roberto Podval, que disse já ter recorrido da sentença, mas não deu detalhes do tipo de recurso.

O promotor Cembranelli saiu sorrindo e foi aplaudido .

- Sempre estive confiante. Sempre me senti pronto para participar do julgamento - disse o promotor, acrescentando que nada o abalou e que sempre teve certeza do resultado.

Alexandre Nardoni foi levado ao plenário algemado. Tanto ele quanto Anna Carolina Jatobá choraram, mas um choro sem desespero, de quem já esperava pela condenação. A família de Ana Carolina Oliveira se abraçou assim que a sentença foi anunciada, mas funcionários do fórum pediram para que eles não se manifestassem.

A mãe de Isabella foi avisada do resultado por uma mensagem por celular. Segundo o site G1, por viva voz ela agradeceu aos jurados pela condenação. Pouco depois, saiu na sacada de sua casa para acenar para a multidão que comemorava a condenação do lado de fora.

Logo após o anúncio da sentença, o casal Nardoni foi levado de volta à prisão no carro oficial da Secretaria de Administração Penitenciária. A avenida diante do Fórum de Santana teve de ser interditada, pois foi ocupada pela multidão. A PM chegou a utilizar gás de pimenta para dispersar as pessoas que cercaram um carro na saída do fórum. Os carros fechados da SAP tiveram grande escolta policial. Na saída, ainda se ouviam fogos e a multidão eufórica gritava.

Com um discurso contundente e baseado em provas levantadas pela perícia, o promotor Francisco Cembranelli convenceu os sete jurados - quatro mulheres e três homens - de que Anna Carolina Jatobá agrediu e esganou a menina Isabella e o pai a jogou do sexto andar do edifício London, na zona norte de São Paulo.

A tentativa da defesa, de desqualificar as provas, não deu certo. O advogado Roberto Podval reconheceu diante do júri não conhecer o processo e disse que foi procurado "por um pai desesperado". Disse ainda que se sentiu intimidado pela experiência do promotor , que tem 22 anos de Tribunal de Júri e mais de mil julgamentos no currículo.

Diante do júri, Cembranelli disse que a defesa fez um trabalho "pífio", acusou a perita Roselle Soglio de ser uma "perita trapalhona" e lembrou que a defesa dos Nardoni começou chamando 20 testemunhas e acabou só levando duas para falar a favor do casal diante dos jurados.

Veja as perguntas que os jurados responderam
- O promotor não está de todo errado. Ele dizia ' você não conhece o processo'. Ele estava desde o início, eu não. Me chega um pai desesperado e pede que eu abrace a causa. O que é que eu fiz? Arrolo todas as testemunhas e depois vejo o que eu faço - justificou-se Podval, que um dia antes havia afirmado que uma condenação não o surpreenderia e que não tinha "falsa expectativa de absolvição".

Cembranelli foi duro também com o casal.

Disse que a madrasta de Isabella 'era um barril de pólvora prestes a explodir'. Para ele, Jatobá tem rompantes. .

- Quando ela xinga, xinga mesmo. Quando agride, agride mesmo - resumiu o promotor.

O promotor disse que todas as brigas do casal tinham o mesmo motivo: o ciúme doentio que Anna Jatobá sentia da mãe da menina. Cembranelli disse que a madrasta só se referia a Ana Carolina Oliveira como 'aquela vagabunda'.

- Como uma criança de cinco anos pode conviver com uma mulher que se refere à mãe dela como aquela vagabunda? - questionou Cembranelli.

Cembranelli chamou Isabella de 'cópia em miniatura' de Ana Carolina Oliveira.

Cembranelli chegou a citar o caso do jornalista Antonio Pimenta Neves, que matou a tiros a ex-namorada. a também jornalista Sandra Gomide, para exemplificar pessoas que cometem crimes sem premeditação.

- Nunca disse que o crime é premeditado, 75% dos crimes levados a grande júri não são premeditados. São de criminosos ocasionais - disse o promotor.

- Ela (Anna Jatobá) nunca planejou esmurrar um vidro, jogar um bebê no chão. Achar que pais não cometem violência contra os filhos é desconhecer as estatísticas.

Para comprovar que o casal estava dentro do apartamento quando a menina foi jogada, o promotor explicou a crononologia dos fatos no dia da morte e a sequência dos telefonemas ocorridos para comunicar a Polícia e a família de Alexandre Nardoni no momento em que o corpo da criança caiu do sexto andar do prédio.

- As informações dos telefonemas, todas cruzadas, demonstram que o casal estava no apartamento no momento do crime - disse o promotor aos jurados, que não desgrudaram os olhos de Cembranelli durante toda a sua argumentação.

Para o promotor, a tese de uma terceira pessoa na cena do crime nunca foi factível.

- A inocência do casal seria absurda - afirmou.

Segundo Cembranelli, o tempo que Alexandre levou para descer até o térreo foi o mesmo que o porteiro levou para avisar o vizinho Antônio Lúcio, morador do 1º andar do edifício London, e que o vizinho demorou para pedir socorro. Para ele, o casal estava estava no apartamento no momento em que a menina Isabella foi jogada do apartamento 62 do Edifício London.

A cronologia mostrou que a sequência de fatos apresentada pelo casal Nardoni não poderia ter verdadeira. Alexandre Nardoni diz que subiu com a filha no colo até o apartamento, a colocou na cama e voltou à garagem para pegar os outros dois filhos, que estavam com a mulher, no carro. Ao chegar, disse o casal, é que ele foi ao quarto e viu que a menina havia sido jogada.

O promotor questionou ainda o porquê de Alexandre Nardoni não ter ligado para o resgate. A primeira ligação de pedido de socorro foi feita pelo morador do 1º andar, que viu a menina caída.

- Ele fez o que qualquer um de nós faria, menos o pai: ligar para o resgate. É isso que se faz em uma situação de emergência. Eu pularia pela janela para defender meu filho, desceria as escadas, não ficaria apertando botão, esperando - disse.

O promotor Cembranelli lembrou que Isabella tinha características de asfixia mecânica típicas de esganadura no pescoço e que a menina não poderia ter sozinha se esganado. Disse ainda que uma testemunhas ouviu uma discussão entre um casal momentos antes da queda de Isabella e reconheceu que a voz era de Anna Jatobá.

Outros casos que abalaram o país

Tribunais de júri que entraram para a história criminal brasileira

Doca Street
Em 1976, Doca Street confessou ter matado com quatro tiros no rosto a socialite Ângela Diniz, com quem vivia. No julgamento, o advogado Evandro Lins e Silva alegou defesa da honra – a vítima apresentaria comportamento "devasso" e teria tentado forçar o réu a "admitir outros parceiros" na cama do casal. Doca Street foi condenado a dois anos de prisão em regime aberto, o que foi considerado uma vitória da defesa. A memorável performance de Lins e Silva mesmerizou jurados e os milhões de ouvintes que acompanharam a sua transmissão pelo rádio. Num segundo julgamento, sem Lins e Silva, Doca Street foi condenado a quinze anos de prisão (cumpriu apenas cinco)

Dorinha Duval
A atriz admitiu ter matado o cineasta Paulo Sérgio Alcântara, seu marido, em 1980, com três tiros. Segundo a defesa, o crime ocorreu depois de Alcântara, dezesseis anos mais novo que Dorinha, ter dito não se sentir mais atraído por "uma velha" e, em seguida, tê-la agredido. No primeiro júri, a atriz foi condenada, por 7 votos a zero, a um ano e meio de prisão. No segundo e definitivo, a condenação foi de seis anos de prisão em regime semiaberto. Ambas as decisões foram consideradas uma vitória da defesa, já que Dorinha era ré confessa

Guilherme de Pádua e Paula Thomaz
Em 1992, a atriz Daniella Perez foi morta com dezesseis facadas, aos 22 anos de idade. Os acusados eram o ator Guilherme de Pádua, com quem ela contracenava na ocasião na novela De Corpo e Alma, e Paula Thomaz, mulher de Pádua. Paula teria tramado o crime por ciúme de Daniella. Ambos foram condenados, a dezenove e dezoito anos de prisão. As decisões foram consideradas uma vitória da promotoria.

Francisco de Assis Pereira
Conhecido como "Maníaco do Parque", o motoboy Francisco de Assis Pereira matou nove mulheres no Parque do Estado, em 1998. Num primeiro julgamento, foi condenado a 121 anos de prisão. Mais tarde, foi condenado a mais dezesseis anos pelo assassinato da comerciária Rosa Alves Neta. Nesse júri, por 5 votos a 2, os jurados consideraram que ele deveria ser julgado normalmente, já que tinha plena consciência de seus atos. Ele também foi condenado a outros 145 anos pelo assassinato de mais seis mulheres. Foi um exemplo de derrota esmagadora da defesa

Suzane Von Richthofen
O júri que julgou o caso de Suzane Von Richthofen, Daniel e Cristian Cravinhos, em 2002, considerou que os três foram culpados pelas mortes de Manfred e Marísia von Richthofen, pais de Suzane. Os três eram réus confessos e afirmaram ter planejado o crime porque os pais eram contra o namoro de Suzane e Daniel. Ambos foram condenados a 39 anos de reclusão. Cristian pegou 38. Os três continuam presos na cidade de Tremembé

Antonio Pimenta Neves
Em 2000, o jornalista Antônio Pimenta Neves, então diretor de redação do jornal O Estado de S.Paulo, matou a jornalista Sandra Gomide com dois disparos pelas costas. Pimenta não se conformava com o fato de que ela , 31 anos mais jovem do que ele, havia rompido o namoro entre os dois. O jornalista confessou o crime à polícia. Julgado seis anos depois, foi considerado culpado pelo homicídio, por 7 votos a zero, e condenado a dezenove anos. Pimenta recorre do resultado em liberdade

Veja: A justiça foi feita

Isabella Nardoni, finalmente, poderá descansar em paz. A condenação exemplar de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá pelo homicídio triplamente qualificado da menina fecha um ciclo de dor para os que a amavam e reacende um horror generalizado ao comprovar que aquilo que parecia cruel demais para ser verdade de fato ocorreu. Uma criança de 5 anos de idade foi asfixiada por sua madrasta e lançada viva da janela por seu pai – que, ao vê-la caída no solo, em lugar de socorrê-la, ocupou-se da tentativa de salvar a própria pele e a da mulher, forjando urgência em localizar "o monstro que havia feito aquilo". Agora, pode-se afirmar com certeza que os monstros estão identificados. E a Justiça desceu sobre eles com mão de ferro. Não se sabe o placar exato do júri porque, ao chegar ao quarto voto favorável à condenação, o juiz parou de contá-los – a maioria simples já estava estabelecida. Nardoni foi condenado a 31 anos, 1 mês e 10 dias de prisão em regime fechado pelo crime de homicídio, com os seguintes qualificadores: uso de meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima e prática de crime destinado a ocultar crime anterior. Além disso, aumentaram a pena de Nardoni os seguintes agravantes: o fato de a vítima ter menos de 14 anos e de ele ser seu pai. Anna Carolina foi condenada a 26 anos e 8 meses de detenção, também em regime fechado, pelo mesmo crime, com os mesmos qualificadores e agravantes (exceto, obviamente, o da paternidade da vítima). Foram acrescentados 8 meses de prisão em regime semiaberto para cada réu por fraude processual: a tentativa do casal de "limpar" a cena do crime. Ao ouvir a sentença proferida pelo juiz Maurício Fossen, Anna Carolina Jatobá olhou para a família com ar compungido e acenou com um adeus. O casal, que recebeu a sentença algemado, não poderá recorrer dela em liberdade.

A condenação do casal – sem a confissão dos réus nem o depoimento de testemunhas oculares – consagrou a máxima do jurista italiano Enrico Ferri, que afirmou ser a lógica "a rainha das provas". Nesse caso, o exercício da lógica contou com um elemento fundamental: o exímio trabalho da perícia técnica paulista. Por meio da análise de materiais genéticos, uso de reagentes químicos e estudos de cronometragem, os peritos costuraram provas que, de outra forma, não se conectariam diretamente e, assim, deram respostas a lacunas que poderiam se transformar em perguntas jamais respondidas. Foi o resultado de um trabalho conjunto entre a perícia e a polícia, por exemplo, que produziu uma das argumentações mais robustas apresentadas pelo promotor Francisco Cembranelli aos jurados: a cronologia dos fatos que se deram imediatamente após a morte de Isabella. Por meio de um vasto cruzamento de informações, os investigadores responsáveis pelo caso puderam precisar o momento exato em que Isabella foi atirada pela janela – às 23h48. O promotor Cembranelli demonstrou de forma cabal que, nesse horário, tanto Alexandre Nardoni quanto Anna Carolina Jatobá estavam, sim, dentro do apartamento (veja o quadro). O fato de não ter sido constatada a presença de nenhum outro adulto na cena do crime levou à inevitável conclusão de que só poderiam ser eles os autores do homicídio – uma questão de lógica. Também pesaram contra Nardoni os laudos da perícia técnica, em especial o que analisou a camiseta que ele usava na noite do assassinato. Os peritos observaram que a peça trazia, na altura dos ombros, marcas de sujeira em forma de losango – e que elas seguiam o exato padrão da rede de proteção por onde Isabella foi jogada. Testes mostraram que as marcas só poderiam ficar impressas dessa forma no tecido caso a pessoa que a estivesse vestindo enfiasse os dois braços pelo buraco da rede e sustentasse, com as mãos, o equivalente a 25 quilos – precisamente o peso de Isabella. Na condição de testemunha, a perita Rosângela Monteiro, responsável pela análise da camiseta, foi assertiva ao relatar a conclusão a que chegou com sua equipe. "O réu defenestrou a vítima. Foi ele", afirmou.

Às provas técnicas se somou uma atuação impecável da parte de Cembranelli, que demonstrou domínio absoluto de todos os detalhes do caso do começo ao fim do julgamento. O apogeu de seu desempenho se deu na quinta-feira, quando o promotor interrogou os réus, deixando-os por várias vezes sem respostas razoáveis. O primeiro a responder ao promotor foi Nardoni. Cembranelli o arguiu sobre a razão pela qual não telefonou para o resgate assim que chegou ao gramado do prédio, onde a filha estava caída.

– Por que o senhor não a socorreu? – perguntou o promotor.

– Eu estava vendo se ela estava viva – respondeu o pai.

– Ela estava viva. Por que o senhor não a socorreu?

– Eu estava em choque, não sei dizer.

– Por que o senhor não a socorreu? – insistiu Cembranelli.

– Quando caí em si (sic), seu Lúcio (o vizinho) estava dizendo para não mexer nela.

As respostas de Nardoni estarreceram promotor e jurados: como um pai que acaba de ver a filha despencar do alto de um prédio deixa de tomar providências por determinação do vizinho? Nardoni também teve dificuldade para explicar por que não dirigiu a palavra nem sequer uma vez à mãe de Isabella, Ana Carolina Oliveira, depois da morte da menina – nem no velório, nem no enterro.

– Ela lhe entregou a filha viva e a recebeu morta. Por que não falou com ela? – quis saber o promotor.

– Era uma situação embaraçosa – limitou-se a responder o pai da menina morta.

Em seguida, foi a vez de Anna Carolina Jatobá enfrentar a acusação. Em seu depoimento, ficou claro que ela reproduzia, com detalhes minuciosos, respostas que eram de interesse da defesa, mas dizia não se lembrar de questões que pudessem trazer embaraços para ela e Nardoni. Anna Carolina Jatobá chegou a dizer que, no dia do crime, só havia lavado roupas pretas, mas disse não se recordar do valor da pensão alimentícia paga pelo marido a Isabella (325 reais por mês). Houve ainda um desfile de contradições: Nardoni havia afirmado que o casal tinha apenas "brigas normais", mas a mulher declarou que eles "quebravam o pau" constantemente.

Os jurados acompanharam os interrogatórios com interesse. Em vários momentos, elaboraram perguntas – repassadas por escrito ao juiz – para ser feitas aos réus. Ao final, responderam às doze questões formuladas pelo juiz Fossen. As relativas a Nardoni foram: 1) Existiu a esganadura que contribuiu para a morte de Isabella Nardoni? 2) Isabella foi jogada da janela do 6º andar do Edifício London, provocando sua morte? 3) Alexandre omitiu-se quando deveria, por dever legal, proteger a filha? 4) Foi Alexandre quem jogou Isabella pela janela? 5) O jurado absolve o réu? 6) Existem qualificadores para o crime, no caso, o meio cruel, uso de recurso que dificultou a defesa da vítima, e com o intuito de assegurar impunidade de outro crime? 7) Houve alteração da cena do crime para enganar as autoridades?

Em relação a Anna Carolina Jatobá, além das duas primeiras questões e da última, foram feitas as seguintes: 3) Anna Carolina Jatobá colaborou com a morte de Isabella ao aderir a toda a ação? 4) O jurado absolve a ré?

Ao contrário do juiz, obrigatoriamente técnico, os jurados do tribunal do júri – "juízes leigos" – não são obrigados a desprezar a emoção na hora de decidir nem a fundamentar suas posições. Para chegarem ao seu veredicto, o único compromisso deve ser com a própria consciência. No Brasil, o tribunal do júri é a instância responsável pelo julgamento dos crimes dolosos contra a vida: homicídio, infanticídio, indução ou auxílio ao suicídio e prática de aborto, mais as tentativas frustradas de cometer os mesmos delitos. A ideia por trás desse critério é que, ao contrário dos crimes contra o patrimônio, por exemplo, os que atentam contra a vida podem ser mais facilmente cometidos por pessoas que não são bandidos "profissionais". Dessa forma, entende o direito, é justo que sua conduta seja avaliada por iguais – cidadãos que, por viverem sob as mesmas regras e códigos sociais do réu, conseguiriam entender melhor suas motivações, paixões e emoções. Tarefa que não seria desempenhada a contento por um magistrado, forçosamente pautado pela letra fria da lei. Se oferece vantagens incontestáveis, a dinâmica do tribunal do júri tem seus riscos também. Como o de resultar na absolvição, ou quase isso, até mesmo de réus confessos. O julgamento de Doca Street, de 1979, três anos após o crime, mostrou como o resultado de um júri pode ser determinado não pela culpa ou inocência do réu, mas pela moral vigente no período – à qual, nesse caso, se aliou uma defesa ardorosa. Assassino confesso da socialite Ângela Diniz, com quem vivia, o playboy Doca Street foi defendido pelo criminalista Evandro Lins e Silva, que anunciava (não pela primeira vez) ser aquele seu último júri. Sem quase se referir aos autos, o criminalista descreveu seu cliente como um "mancebo bonito e trabalhador", cuja honra teria sido pisoteada pela "Vênus lasciva" e "devassa" (Ângela Diniz), que, entre outras iniquidades, teria tentado acomodar na cama do casal uma beldade do sexo feminino que ela havia conhecido na praia. A apaixonada exposição de Lins e Silva contaminou não apenas os jurados, mas até mesmo um dos assistentes da acusação, que chegou a pespegar um beijo de admiração no criminalista. Ao final, Doca Street foi condenado a uma pena irrisória: dois anos em regime aberto. Mas em 1981, no julgamento do recurso impetrado pela acusação, já sem Lins e Silva, recebeu condenação bem maior, de quinze anos. Em outro caso, de menor repercussão, um homem que confessou ter matado a mulher em Itapacerica da Serra, em São Paulo, acabou absolvido depois que o criminalista Tales Castelo Branco, seu defensor, pediu que os onze filhos do réu se postassem diante da porta do fórum. Nas últimas palavras que dirigiu aos jurados, não mencionou culpa ou inocência. Disse apenas: "Ao decidir, senhores jurados, lembrem-se de que este homem tem onze filhos". Por unanimidade, o júri absolveu um réu confesso.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Um breve contexto

ERAS ECONÔMICAS


INTRODUÇÃO

Afinal, o que significa “Eras Econômicas”? Essencialmente, são divisões básicas que estudam a evolução das mudanças organizacionais em diferentes períodos.

No mundo empresarial, as mudanças acontecem desde tempos imemoriais. E é nesse contexto que, ao longo dos tempos, as organizações humanas passaram gradativamente por três etapas bem definidas. Evidentemente, em cada uma das etapas, as organizações humanas (e por que não, as organizações empresariais?) sofreram drásticas mutações.

Destacam-se, portanto, a Era da Terra, a Era do Capital e a Era Digital.

ERA DA TERRA

Considerada a mais longa de todas, a Era da Terra durou desde o início da humanidade até a Revolução Industrial, em 1776, quase final do século XVIII.

Galgada na principal riqueza, a terra, essa Era foi marcada pela atividade tipicamente pastoril e agrícola.

Durante longos e longos séculos, o homem viveu basicamente da terra e dos produtos que eram extraídos dela. Caracterizando a base de sustentação e provento do homem. O seu modo de produção foi evoluindo lenta e inexoravelmente com o gradativo aprendizado e com a tecnologia manufatureira, artesanal, rudimentar e primitiva.

Dessa forma, a improvisação, a ausência de métodos de trabalho, o exorbitante desperdício e o despreparo humano foram as marcas desse longo período da humanidade. Graças ao Feudalismo, no início da Idade Média, essa Era culminou.

Assim, com a inserção da tecnologia através de equipamentos avançados, métodos adequados de trabalho e esquemas de treinamento para o preparo profissional das pessoas, observou-se que o desperdício foi substancialmente reduzido e melhorias foram alcançadas com mais viabilidade.

ERA DO CAPITAL

A segunda etapa teve início com a segunda fase da Revolução Industrial, ou seja, a partir de 1860, em pleno o século XIX. É a época da industrialização, na qual o capital constituiu a principal fonte de riqueza. Nesse caso, o ferro foi rapidamente substituído pelo aço, material industrial básico, e o vapor pela eletricidade e pelos derivados de petróleo, principais fontes de energia.

A Era do Capital provocou um importante surto no desenvolvimento industrial e o gradativo distanciamento entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Estável, previsível e tranquilo, assim era o ambiente empresarial até a metade do século XX. Exigia, portanto, das empresas uma abordagem mecanicista e uma estrutura organizacional hierárquica alta, centralizada e piramidal. Com a aplicação do modelo burocrático, a busca padronizada do desempenho das pessoas, da precisão e da eficiência, as relações de trabalho ordenadas e o controle hierárquico foram características marcantes desse período.

Porém, a partir de 1950, iniciou-se uma etapa conhecida como Etapa de Transição, ou seja, a inserção mais explorável da tecnologia. De fato, o desenvolvimento tecnológico proporcionou condições para que as empresas produzissem em enormes escalas de produção. Com isso, o que era local tornou-se regional e o que era regional tornou-se nacional, por conseguinte o que era nacional tronou-se internacional.

Até mesmo o aparelhamento administrativo começou a mudar e a estrutura organizacional deixou de ser funcional e hierárquica passando a ser matricial – mista e híbrida. Oscilava entre o a ênfase interna nas funções organizacionais e a ênfase externa no produto e/ou serviço oferecido pela empresa.

Dessa forma, intensas mudanças sociais, culturais, econômicas e tecnológicas tornaram o ambiente vulnerável a mutações operacionais, isso é, mudanças rápidas, em curto prazo.

Tudo considerado, as empresas passaram internamente a tornar-se inchadas. Resultado: a estrutura ficou grande demais para enfrentar tantos desafios, como a rápida expansão dos mercados, novos concorrentes, novos produtos e processos, novas tecnologias, e por aí vai.

Para tanto, toda essa integralização que circunda o Capital convergiu para inovações: novos conceitos, modernas tecnologias de comunicação, investimento em conhecimento. Em suma, trouxe, para nós, administradores, uma nova realidade.

ERA DIGITAL

O final do século XX marca o início da terceira etapa das organizações humanas. É a Era Digital, a tecnologia da informação (TI), em avanço. E a nova riqueza e o recurso administrativo mais relevante passa ser o conhecimento.

Nas empresas, redes internas, equipes de trabalho sucedem a hierarquia administrativa e os departamentos funcionais e de produtos/serviços. Outro avanço é de que o foco nos controles passa a ser mais flexível e solto, e, finalmente, a burocracia dá lugar à inovação e à criação do conhecimento.

A informação torna-se um artigo de primeira necessidade. Rapidez, retorno sobre o tempo, aprendizagem, liderança, modelo orgânico, dinâmico, flexível com ênfase em unidades de negócios autônomas, redes internas e atividades grupais. É onde surge a figura do empreendedor, da busca frenética e incessante de inovação e de mudança.

Essa Era apresenta uma peculiaridade: nunca a informação fez tanta diferença nos negócios das empresas. E a internet é a ferramenta mais poderosa.

O petróleo da empresa, seu principal combustível, o recurso que lhe dá os rumos passou a ser a informação. Não é matéria-prima, é conhecimento adquirido, filtrado e aplicado no contexto social, profissional e pessoal do ser humano.

Portanto, na Era Digital que já aprendeu-se a viver, as mudanças que ocorrem nas empresas não são apenas estruturais, mas principalmente culturais e comportamentais, transformando e valorizando o papel das pessoas que nelas trabalham.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mundo mudou. Tudo ficou diferente. E tudo será mais diferente ainda. A globalização da economia, ao discorrer sobre as Eras Econômicas, sintetiza que no fundo as mudanças estão presente em todos os produtos e serviços que se utiliza no cotidiano, nos comportamentos e na tecnologia que influencia a vida.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BRAICK, Patricia Ramos. História: das cavernas ao terceiro milênio, Volume Único – 3ª Edição – São Paulo: Moderna, 2007.

terça-feira, 23 de março de 2010

Panorama Econômico

MIRIAM LEITÃO

Novo fôlego

A aprovação da reforma da saúde foi a maior vitória do presidente Barack Obama e veio no momento em que ele mais precisava. A popularidade dele está em queda, este é o ano das eleições de meio de mandato.

Obama poderá agora se dedicar às outras grandes lutas: reforma financeira, lei climática, política externa.

No Brasil, os planos de saúde estão regulados por uma medida provisória que já mudou 45 vezes.
Obama jogou tudo na aprovação do projeto que tenta universalizar a cobertura de saúde no país. Outros presidentes foram derrotados, ele venceu; agora está com força para ir adiante.

— A lei vai inicialmente dar um fôlego político ao Obama, que estava se enfraquecendo frente ao Congresso e à opinião pública em geral. Mas o sucesso desta nova legislação em criar um “estado do bemestar social” melhor vai demandar um pouco mais de tempo e dependerá do processo de implementação — analisa o cientista político Fernando Abrucio, da FGV.

Se der certo, diz Abrucio, pode ser um trunfo para a reeleição. Mas a lei entra em vigor devagar, ainda exige o processo de “conciliação” dos pontos pendentes, que tiveram versões diferentes na Câmara e no Senado.

Abrucio acha que agora Obama poderá se concentrar em outras frentes de combate: a política externa e a front econômico.

— O melhor cenário para Obama é não acontecer nada de anormal na frente externa até a reeleição. Acho pouco provável que ele avance na agenda multilateralista. Na economia, se o país voltar a recuperar emprego e crescimento, mesmo que paulatinamente, ele tem chances de ser reeleito. Num segundo mandato, ele poderia retomar o reformismo — diz o cientista político.

Por falar em saúde, no Brasil o SUS, como o nome diz, é universal, mas com todas as falhas conhecidas. A classe média recorre aos planos de saúde e acumula queixas. Hoje, existem no país 54 milhões de segurados, mas destes só 20% são de pessoas físicas. O resto está nos planos das empresas. Detalhe, alguns grandes planos, como Bradesco e SulAmérica simplesmente abandonaram o segmento pessoa física, expulsando segurados que estavam anos pagando o plano.

A ex-diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar Maria Stella Gregori é defensora da regulamentação que está em vigor desde 1998 porque acha que houve avanços em vários pontos, mas admite que a situação está incerta no Brasil: — A lei foi alterada por uma MP que mudou 45 vezes.

Aí veio a emenda constitucional que impede novas mudanças e derruba MPs não aprovadas. Ela só não cai porque é anterior à emenda. O assunto estava sendo retomado, mas dificilmente vai adiante em ano eleitoral.

Nos Estados Unidos, quando a lei estiver implementada não haverá a ideia da doença preexistente.

Aqui, a operadora pode se recusar a pagar por dois anos a doença preexistente.

Nos Estados Unidos, todos serão obrigados a ter um plano de saúde. Aqui, quem não tem plano, usa o SUS.

Lá, quem não tem condições de pagar receberá um forte subsídio público que pode chegar a cobrir até 98% do total do custo. Enfim, os sistemas são bem diferentes, mas a regulação do setor privado será mais rigorosa lá do que aqui no Brasil. A partir da lei aprovada neste fim de semana, toda empresa será obrigada a contratar seguro-saúde para seus funcionários, do contrário, pagará multa.

A reforma custará US$ 1 trilhão em 10 anos. Os republicanos, que não reclamaram dos déficits crônicos da era Bush, dos gastos exorbitantes com as guerras e com o custo do plano de salvação do mercado financeiro, votaram contra, entre outras coisas, pelo custo fiscal do programa.

Ligia Bahia, do Laboratório de Economia Política da Saúde, da UFRJ, também define como “histórica” a reforma aprovada pelo governo Obama e conta que os números mostram que deixar tudo como estava ficaria mais caro.

— Os Estados Unidos são o país que mais gasta recursos com saúde no mundo, cerca de 16% do PIB, o dobro do que gasta o Reino Unido (8%) e quase o dobro do que gasta a França (10%).

O sistema americano é caro e ineficiente. A França gasta muito menos e oferece um serviço melhor. Nos EUA, por exemplo, não existe um ministério da saúde. Todo o sistema é fragmentado. Agora, Obama cria pela primeira vez a adesão compulsória ao plano de saúde, com multas pesadas para quem não aderir, e ao mesmo tempo fornece subsídios a quem tem dificuldade de pagar — explicou.

O modelo brasileiro de acesso universal ao serviço de saúde é baseado na experiência inglesa. A diferença, segundo Ligia, é que lá 80% do serviço é público, enquanto no Brasil o percentual cai para 45%.

No Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, os planos de saúde são os campeões em reclamação, porque o instituto recebe queixas também das pessoas jurídicas que contratam planos coletivos. A lei brasileira criou regras mais rigorosas para os planos de pessoas físicas, e é por isso que os planos de saúde não querem oferecer cobertura para esse segmento. No Procon do Rio, a maior reclamação é pela elevação do custo por mudança de faixa etária. Pela lei, após 59 anos de idade pode-se cobrar um preço seis vezes maior do que se cobra de um segurado com menos de 18 anos.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Começa hoje

O Brasil volta a sua atenção, hoje, para mais uma vez acompanhar o caso da Isabella Nardoni, morta ao se jogada do edifício em que seu pai, Alexandre Nardoni, e sua madrasta, Ana Carolinna Jatobá, moravam em São Paulo.

A tendência é de o julgamento durar cerca de cinco dias. O início está previsto às 13h.

Seja qual for o resultado, será muito esperado por todos!

Espera-se que o julgamento seja, tecnicamente, bem conduzido.

Vamos acompanhar!

Falta trabalhador

Coluna da Miriam Leitão, O Globo, de ontem.

(...)Começou a faltar trabalhador qualificado. A indústria da construção pesada está sentindo falta de engenheiros, técnicos e operadores de máquinas. Na tecnologia da informação faltam 100 mil profissionais. Mas há setores que dizem que o país nem voltou ao nível de atividade de antes da crise. O país vive a contradição dessa transição: há setores retardatários e outros onde falta gente para contratar. (...)

(...)O sociólogo José Pastore escreveu um artigo, dias atrás, comemorando e ao mesmo tempo alertando para o risco de falta de trabalhadores qualificados.

— No Brasil é assim, quando o crescimento é de 4,5%, falta trabalhador qualificado, quando é de 5,5% a 6%, como este ano, falta trabalhador de forma geral, qualificado ou não — disse.

(...)O setor de tecnologia da informação está passando aperto por falta de gente. A Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) acha que este ano haverá falta de 100 mil trabalhadores no setor e isso pode chegar a 200 mil em 2013. O setor tem um ritmo de crescimento muito superior ao resto da economia e o ritmo de formação de novos profissionais em universidades e escolas técnicas é muito baixo.

— Em 2009 tivemos um crescimento de 9% e este ano podemos chegar a 20%. O número de vagas nas universidades federais e escolas técnicas ficou congelado no governo anterior — disse Sérgio Sgobbi, diretor de recursos humanos da Brasscom.

(...)As empresas têm também que investir pelo menos um ano em treinamento, logo após a contratação do técnico, porque a tecnologia muda com muita velocidade.

O volume de crescimento de exportação de softwares impressiona. Em 2008, houve crescimento de 75%, chegando a US$ 2,2 bilhões. Em 2009, saltou para US$ 3 bilhões. A Brasscom quer montar parcerias com o governo para a formação de pessoal.

— Um dos projetos se chama DNA em TI, que vai ser implantado em 71 escolas federais para que os alunos tenham aulas de tecnologia da informação — diz Sgobbi.

Nem bem o país saiu de um problema, já entra no oposto. Nem bem saiu da recessão, já está com dores do crescimento, como a escassez de mão-de-obra.