Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram há pouco, por maioria, que a Lei Ficha Limpa vale para as próximas eleições de outubro.
Votaram a favor: Hamilton Carvalhido (relator), Ricardo Lewandowski (presidente), Cármen Lúcia (vice-presidente), Arnaldo Versiani, Aldir Passarinho Junior e Marcelo Ribeiro.
Votou contra apenas o ministro Marco Aurélio Mello.
O julgamento foi feito com base em uma consulta apresentada ao Tribunal pelo senador Arthur Virgílio (PSDB-AM).
No documento, Virgílio questiona se uma Lei Eleitoral - que trate sobre inelegibilidades e que passe a entrar em vigor antes do dia 5 de julho -, pode ser efetivamente aplicada para as eleições de 2010.
A data 5 de julho é citada na consulta pelo senador por ser o prazo limite para o registro de candidaturas.
A Lei Ficha Limpa foi sancionada por Lula na última sexta-feira (4) após passar pelo Congresso Nacional.
Apesar da aprovação pela maioria do plenário, o ministro Marcelo Ribeiro acredita que a questão sobre a constitucionalidade da Lei deverá ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
“Não sou muito partidário que o TSE responda esse tipo de consulta, se ela é ou não constitucional. Esse assunto é para o Supremo. Vai parar lá”, afirmou durante o julgamento.
Confira os principais pontos da Lei:
1) Impede a candidatura de políticos condenados por órgão colegiado (mais de um juiz). Neste caso, a pessoa condenada ainda pode apresentar recurso a uma instância superior para suspender a inelegibilidade.
Por exemplo: se um deputado for condenado no Tribunal Regional Eleitoral (TRE), ele pode pedir ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a suspensão da inelegibilidade. Após o julgamento dessa suspensão, o colegiado julgará a conduta que gerou o processo.
2) Fica inelegível aqueles que cometerem crimes como: corrupção e gasto ilícito de campanha; doação ilícita e/ou compra de votos; crimes ambientais graves e contra a saúde pública; abuso de autoridade; racismo;tortura; terrorismo; hediondos entre outros.
3) Fica inelegível o parlamentar que renunciar ao mandato para evitar o julgamento por quebra de decoro.
4) Aumenta de três para oito anos o período de inelegibilidade.
quinta-feira, 10 de junho de 2010
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Os caminhos errados da campanha de Serra
Fernando Abrucio
Os resultados das últimas pesquisas eleitorais abalaram a oposição. Pela primeira vez, todos os institutos mostraram que José Serra e Dilma Rousseff estão empatados nas preferências dos eleitores. A candidata governista foi beneficiada, sem dúvida alguma, pela participação do presidente Lula no programa partidário. Ficou no ar uma grande pergunta: o que está errado com a campanha de Serra?
Para responder a essa questão, a oposição produziu três diagnósticos. Em primeiro lugar, seria preciso radicalizar o discurso contra o governo, pois não haveria como obter votos por meio de elogios ao presidente. Afinal, se é para escolher quem defende Lula, melhor é votar no nome governista. Diagnosticou-se, ainda, que se o uso do tempo da TV por cima da legislação eleitoral gerou benefícios para Dilma, o mesmo teria de ser feito pelos oposicionistas. Metáforas de guerra e futebolísticas foram usadas para justificar esse argumento. Por fim, imaginou-se que, se o ex-governador Aécio Neves aceitasse o posto de vice-presidente na chapa tucana, seria produzido um divisor de águas na campanha.
Essas três reflexões contêm parte da verdade. É óbvio que um candidato oposicionista não pode elogiar todos os dias o presidente, colocando-o num pedestal inalcançável. Também não se pode negar o peso dos programas partidários na TV. E, se Aécio aceitasse naturalmente o posto de vice, seria uma notícia que poderia dar um impulso maior à campanha de Serra. Porém, se levados ao extremo, tais diagnósticos podem resultar, como tudo o que é extremado, em caminhos equivocados.
Serra deve demarcar sua posição em relação à candidatura governista. Mas ele não pode propor medidas ou advogar ideias muito radicais. Cabe lembrar que mais de 70% da população está satisfeita com o governo. Desse modo, é preciso escolher com pente-fino os temas que devem ser abordados de maneira crítica e elogiar o que está no rumo certo, embora não seja necessário citar o nome do presidente.
Devem-se evitar, ademais, críticas muitos extremadas, que lembrariam os piores momentos da oposição nos últimos oito anos. Um exemplo dessa postura foi a frase de Serra sobre o governo boliviano, tachado como o culpado pelo tráfico de drogas. Esse comportamento não é adequado para um candidato à Presidência da República.
A eleição não será fácil para a oposição, mas o radicalismo
e o desespero são maus conselheiros
O uso dos programas partidários para divulgar o nome de Serra também tem de ser feito com cuidado. A propaganda do DEM foi muito além da antecipação de campanha feita pelo PT e pelo presidente Lula. Na verdade, os democratas praticamente não apareceram no programa. Predominou um discurso longo do candidato tucano no lançamento de sua pré-candidatura.
Essa ação vai contra tudo o que a oposição vem falando nos últimos meses, desacreditando-a diante da opinião pública. Que valores poderão ser defendidos depois dessa tática de guerrilha? Essa situação lembra a equiparação feita na eleição de 2006 entre o mensalão petista e o congênere tucano mineiro. Boa parte do eleitorado comprou essa versão e pensou: se todos são iguais no plano ético, vou votar com o bolso. Como naquela época, sabemos quem será beneficiado por essa visão de mundo. Parece-me que a oposição não aprendeu a lição.
A insistência em perseguir o “fator Aécio” é outro caminho equivocado. Aqui, parece-me que José Serra tem uma postura mais parcimoniosa, e seus aliados, nos partidos e na sociedade, é que ultrapassaram o limite do bom-senso. Chegaram a insinuar que o ex-governador mineiro, caso não aceite a missão, estaria atuando contra o PSDB, ou, pior, contra a pátria. Esse comportamento só afastará Aécio da candidatura à Vice-Presidência e negligencia o fato de que ele não teve a oportunidade de participar de prévias democráticas. Mantida a pressão, os eleitores mineiros podem tomar as dores de seu líder, cujo governo teve mais de 70% de aprovação.
A eleição não será fácil para a oposição, mas ela tem de colocar a cabeça no lugar, pois o radicalismo e o desespero não são bons conselheiros – como bem exemplifica a desastrosa campanha do PT em 1994.
FERNANDO ABRUCIO é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA
Os resultados das últimas pesquisas eleitorais abalaram a oposição. Pela primeira vez, todos os institutos mostraram que José Serra e Dilma Rousseff estão empatados nas preferências dos eleitores. A candidata governista foi beneficiada, sem dúvida alguma, pela participação do presidente Lula no programa partidário. Ficou no ar uma grande pergunta: o que está errado com a campanha de Serra?
Para responder a essa questão, a oposição produziu três diagnósticos. Em primeiro lugar, seria preciso radicalizar o discurso contra o governo, pois não haveria como obter votos por meio de elogios ao presidente. Afinal, se é para escolher quem defende Lula, melhor é votar no nome governista. Diagnosticou-se, ainda, que se o uso do tempo da TV por cima da legislação eleitoral gerou benefícios para Dilma, o mesmo teria de ser feito pelos oposicionistas. Metáforas de guerra e futebolísticas foram usadas para justificar esse argumento. Por fim, imaginou-se que, se o ex-governador Aécio Neves aceitasse o posto de vice-presidente na chapa tucana, seria produzido um divisor de águas na campanha.
Essas três reflexões contêm parte da verdade. É óbvio que um candidato oposicionista não pode elogiar todos os dias o presidente, colocando-o num pedestal inalcançável. Também não se pode negar o peso dos programas partidários na TV. E, se Aécio aceitasse naturalmente o posto de vice, seria uma notícia que poderia dar um impulso maior à campanha de Serra. Porém, se levados ao extremo, tais diagnósticos podem resultar, como tudo o que é extremado, em caminhos equivocados.
Serra deve demarcar sua posição em relação à candidatura governista. Mas ele não pode propor medidas ou advogar ideias muito radicais. Cabe lembrar que mais de 70% da população está satisfeita com o governo. Desse modo, é preciso escolher com pente-fino os temas que devem ser abordados de maneira crítica e elogiar o que está no rumo certo, embora não seja necessário citar o nome do presidente.
Devem-se evitar, ademais, críticas muitos extremadas, que lembrariam os piores momentos da oposição nos últimos oito anos. Um exemplo dessa postura foi a frase de Serra sobre o governo boliviano, tachado como o culpado pelo tráfico de drogas. Esse comportamento não é adequado para um candidato à Presidência da República.
A eleição não será fácil para a oposição, mas o radicalismo
e o desespero são maus conselheiros
O uso dos programas partidários para divulgar o nome de Serra também tem de ser feito com cuidado. A propaganda do DEM foi muito além da antecipação de campanha feita pelo PT e pelo presidente Lula. Na verdade, os democratas praticamente não apareceram no programa. Predominou um discurso longo do candidato tucano no lançamento de sua pré-candidatura.
Essa ação vai contra tudo o que a oposição vem falando nos últimos meses, desacreditando-a diante da opinião pública. Que valores poderão ser defendidos depois dessa tática de guerrilha? Essa situação lembra a equiparação feita na eleição de 2006 entre o mensalão petista e o congênere tucano mineiro. Boa parte do eleitorado comprou essa versão e pensou: se todos são iguais no plano ético, vou votar com o bolso. Como naquela época, sabemos quem será beneficiado por essa visão de mundo. Parece-me que a oposição não aprendeu a lição.
A insistência em perseguir o “fator Aécio” é outro caminho equivocado. Aqui, parece-me que José Serra tem uma postura mais parcimoniosa, e seus aliados, nos partidos e na sociedade, é que ultrapassaram o limite do bom-senso. Chegaram a insinuar que o ex-governador mineiro, caso não aceite a missão, estaria atuando contra o PSDB, ou, pior, contra a pátria. Esse comportamento só afastará Aécio da candidatura à Vice-Presidência e negligencia o fato de que ele não teve a oportunidade de participar de prévias democráticas. Mantida a pressão, os eleitores mineiros podem tomar as dores de seu líder, cujo governo teve mais de 70% de aprovação.
A eleição não será fácil para a oposição, mas ela tem de colocar a cabeça no lugar, pois o radicalismo e o desespero não são bons conselheiros – como bem exemplifica a desastrosa campanha do PT em 1994.
FERNANDO ABRUCIO é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA
domingo, 6 de junho de 2010
Por uma política externa responsável
Fernando Henrique Cardoso*
A despeito das bazófias presidenciais que vez por outra voltam ao bordão de que “hoje não nos agachamos mais” perante o mundo, se há setor no qual o Brasil ganhou credibilidade e, portanto, o respeito internacional, foi no das relações exteriores.
Elas sempre foram orientadas por valores e estiveram intransigentemente fincadas no terreno do interesse nacional. A demagogia presidencial não passa de surto de ego deslumbrado, que desrespeita os fatos e mesmo a dignidade do país.
Com exceção dos flertes com o totalitarismo europeu durante o Estado Novo, sempre nos orientamos pela defesa dos valores democráticos, pela busca da paz entre as nações, por sua igualdade jurídica e pela defesa de nossos interesses econômicos.
Com toda a dificuldade do período da Guerra Fria – quando os governos militares se opuseram ao mundo soviético e a seus aliados –, não nos distanciamos do que então se chamava de Terceiro Mundo. Se não nos juntamos propriamente ao grupo dos “não alinhados”, dele sempre estivemos próximos.
Terminada a Guerra Fria, restabelecemos relações com os países do campo socialista, Cuba e China à frente, voltamos a estar mais ativamente presentes na África, apoiamos o Conselho de Segurança nos conflitos entre Israel e a Palestina, sustentamos a posição favorável à criação de “dois Estados” e o respeito às fronteiras de 1967 e nunca nos solidarizamos com o grito de “delenda Israel”, nem com as afrontas de negação do Holocausto.
Seguindo esta mesma linha, assinamos o Tratado de Não Proliferação de armas atômicas (TNP), com ressalvas quanto à manutenção dos arsenais pelos “grandes”, fomos críticos das invasões unilaterais no Iraque e só aceitamos a intervenção no Afeganistão graças à supervisão das ações bélicas pela ONU.
A reação ao unilateralismo foi tanta, que em discurso na Assembleia Nacional da França cheguei a aludir à similitude entre o unilateralismo e o terrorismo, provocando certo mal-estar em Washington. Procedemos de igual modo na defesa de nossos interesses como país em desenvolvimento.
No dia em que se publicarem as cartas que dirigi aos chefes de Estado do G-7, ver-se-á que predicávamos desde então maior regulação financeira no plano global e maior controle do FMI e do Banco Mundial pelos países emergentes.
Reivindicamos nossos direitos comerciais na OMC, a começar pelo caso do algodão, e no caso das patentes farmacêuticas defendemos vitoriosamente em Doha o ponto de vista de que a vida conta mais que o lucro. Todas essas políticas tiveram desdobramentos positivos no atual governo.
Temos, portanto, credenciais de sobra para exercer uma ação mais efetiva na condução dos negócios do mundo. A hegemonia norte-americana vem diminuindo pelo fortalecimento econômico dos Brics (metáfora que abrange não só os quatro países, mas vários novos atores econômicos), especialmente da China, pela presença da União Europeia e também vem sendo minada pelas rebeliões do mundo árabe e muçulmano, como o próprio governo Obama reconhece.
É natural, portanto, que o Brasil insista em sentar à mesa dos tomadores de decisões globais. Sendo assim, por que a celeuma causada pela tentativa de acordo entre Irã e a comunidade internacional empreendida pelo governo brasileiro?
Há duas ordens distintas de questões para explicar o porquê de tanto barulho. A primeira é a falta de clareza entre a ação empreendida e os valores fundamentais que orientam nossa política externa. A segunda é a forma um tanto retórica e pretensiosa que ela vem assumindo.
Quanto ao primeiro ponto, como compatibilizar o repúdio às armas nucleares com a autonomia decisória dos povos? Esta abrange inclusive o direito ao conhecimento de novas tecnologias, mesmo as “duais”, que tanto podem ser usadas para a paz como para a guerra.
Em nosso caso, conseguimos, por exemplo, dominar a técnica de foguetes propulsores de satélites (e quem lança satélite pode lançar mísseis). Ninguém desconfia, entretanto, de que a utilizaremos para a guerra, até porque obedecemos às regras do acordo internacional que regula a matéria.
Do mesmo modo, dominamos o ciclo completo de enriquecimento do urânio. Mas não cabem dúvidas de que não estamos fazendo a bomba atômica, não só porque nossa Constituição proíbe, mas porque inexistem ameaças externas e porque submetemos o enriquecimento do urânio (guardado o sigilo da tecnologia usada) ao duplo controle de um tratado de fiscalização recíproca com a Argentina e da Agência Internacional de Energia Atômica.
É precisamente isso que falta no caso do Irã: a confiabilidade internacional nos propósitos pacíficos do domínio da tecnologia. E é isso que o governo americano alega para recusar a intermediação obtida, ao reafirmar que a quantidade de urânio já disponível, mesmo descontada a quantidade a ser remetida para enriquecimento no exterior, permitiria a fabricação da bomba.
O xis da questão, portanto, seria a obtenção pelo Brasil e Turquia de garantias mais efetivas de que tal não acontecerá. Deixando de lado as alegações recíprocas sobre se houve o estímulo americano à ação intermediadora (que para quem quer ter uma posição independente na política externa é de somenos), uma ação eficaz para evitar o confronto e as sanções – posição coerente com nossa tradição negociadora – deveria buscar desfazer a sensação da maioria da comunidade internacional de que o governo iraniano está ganhando tempo para seguir em seus propósitos nucleares.
Neste ponto, a retórica dos atores brasileiros parece ter falhado. O levantar de mãos de Ahmadinejad e Lula, à moda futebolística, e as declarações presunçosas do presidente brasileiro passando a impressão de que havíamos dado um drible nas “grandes potências”, digno de Copa do Mundo, reforçaram a sensação de que estaríamos (no que não creio) nos bandeando para o “outro lado”. E em política internacional, mais do que em geral, cosi é (se vi pare).
*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República
A despeito das bazófias presidenciais que vez por outra voltam ao bordão de que “hoje não nos agachamos mais” perante o mundo, se há setor no qual o Brasil ganhou credibilidade e, portanto, o respeito internacional, foi no das relações exteriores.
Elas sempre foram orientadas por valores e estiveram intransigentemente fincadas no terreno do interesse nacional. A demagogia presidencial não passa de surto de ego deslumbrado, que desrespeita os fatos e mesmo a dignidade do país.
Com exceção dos flertes com o totalitarismo europeu durante o Estado Novo, sempre nos orientamos pela defesa dos valores democráticos, pela busca da paz entre as nações, por sua igualdade jurídica e pela defesa de nossos interesses econômicos.
Com toda a dificuldade do período da Guerra Fria – quando os governos militares se opuseram ao mundo soviético e a seus aliados –, não nos distanciamos do que então se chamava de Terceiro Mundo. Se não nos juntamos propriamente ao grupo dos “não alinhados”, dele sempre estivemos próximos.
Terminada a Guerra Fria, restabelecemos relações com os países do campo socialista, Cuba e China à frente, voltamos a estar mais ativamente presentes na África, apoiamos o Conselho de Segurança nos conflitos entre Israel e a Palestina, sustentamos a posição favorável à criação de “dois Estados” e o respeito às fronteiras de 1967 e nunca nos solidarizamos com o grito de “delenda Israel”, nem com as afrontas de negação do Holocausto.
Seguindo esta mesma linha, assinamos o Tratado de Não Proliferação de armas atômicas (TNP), com ressalvas quanto à manutenção dos arsenais pelos “grandes”, fomos críticos das invasões unilaterais no Iraque e só aceitamos a intervenção no Afeganistão graças à supervisão das ações bélicas pela ONU.
A reação ao unilateralismo foi tanta, que em discurso na Assembleia Nacional da França cheguei a aludir à similitude entre o unilateralismo e o terrorismo, provocando certo mal-estar em Washington. Procedemos de igual modo na defesa de nossos interesses como país em desenvolvimento.
No dia em que se publicarem as cartas que dirigi aos chefes de Estado do G-7, ver-se-á que predicávamos desde então maior regulação financeira no plano global e maior controle do FMI e do Banco Mundial pelos países emergentes.
Reivindicamos nossos direitos comerciais na OMC, a começar pelo caso do algodão, e no caso das patentes farmacêuticas defendemos vitoriosamente em Doha o ponto de vista de que a vida conta mais que o lucro. Todas essas políticas tiveram desdobramentos positivos no atual governo.
Temos, portanto, credenciais de sobra para exercer uma ação mais efetiva na condução dos negócios do mundo. A hegemonia norte-americana vem diminuindo pelo fortalecimento econômico dos Brics (metáfora que abrange não só os quatro países, mas vários novos atores econômicos), especialmente da China, pela presença da União Europeia e também vem sendo minada pelas rebeliões do mundo árabe e muçulmano, como o próprio governo Obama reconhece.
É natural, portanto, que o Brasil insista em sentar à mesa dos tomadores de decisões globais. Sendo assim, por que a celeuma causada pela tentativa de acordo entre Irã e a comunidade internacional empreendida pelo governo brasileiro?
Há duas ordens distintas de questões para explicar o porquê de tanto barulho. A primeira é a falta de clareza entre a ação empreendida e os valores fundamentais que orientam nossa política externa. A segunda é a forma um tanto retórica e pretensiosa que ela vem assumindo.
Quanto ao primeiro ponto, como compatibilizar o repúdio às armas nucleares com a autonomia decisória dos povos? Esta abrange inclusive o direito ao conhecimento de novas tecnologias, mesmo as “duais”, que tanto podem ser usadas para a paz como para a guerra.
Em nosso caso, conseguimos, por exemplo, dominar a técnica de foguetes propulsores de satélites (e quem lança satélite pode lançar mísseis). Ninguém desconfia, entretanto, de que a utilizaremos para a guerra, até porque obedecemos às regras do acordo internacional que regula a matéria.
Do mesmo modo, dominamos o ciclo completo de enriquecimento do urânio. Mas não cabem dúvidas de que não estamos fazendo a bomba atômica, não só porque nossa Constituição proíbe, mas porque inexistem ameaças externas e porque submetemos o enriquecimento do urânio (guardado o sigilo da tecnologia usada) ao duplo controle de um tratado de fiscalização recíproca com a Argentina e da Agência Internacional de Energia Atômica.
É precisamente isso que falta no caso do Irã: a confiabilidade internacional nos propósitos pacíficos do domínio da tecnologia. E é isso que o governo americano alega para recusar a intermediação obtida, ao reafirmar que a quantidade de urânio já disponível, mesmo descontada a quantidade a ser remetida para enriquecimento no exterior, permitiria a fabricação da bomba.
O xis da questão, portanto, seria a obtenção pelo Brasil e Turquia de garantias mais efetivas de que tal não acontecerá. Deixando de lado as alegações recíprocas sobre se houve o estímulo americano à ação intermediadora (que para quem quer ter uma posição independente na política externa é de somenos), uma ação eficaz para evitar o confronto e as sanções – posição coerente com nossa tradição negociadora – deveria buscar desfazer a sensação da maioria da comunidade internacional de que o governo iraniano está ganhando tempo para seguir em seus propósitos nucleares.
Neste ponto, a retórica dos atores brasileiros parece ter falhado. O levantar de mãos de Ahmadinejad e Lula, à moda futebolística, e as declarações presunçosas do presidente brasileiro passando a impressão de que havíamos dado um drible nas “grandes potências”, digno de Copa do Mundo, reforçaram a sensação de que estaríamos (no que não creio) nos bandeando para o “outro lado”. E em política internacional, mais do que em geral, cosi é (se vi pare).
*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República
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