sábado, 9 de agosto de 2008

Algemas, não pode?

Algemas são o de menos num país com tantos abusos

O caso das algemas é um escândalo. Há horas em que eu penso que o país surtou. Acho que certas instituições perdem, o senso momentaneamente. O Supremo Tribunal Federal passou uma preciosa tarde discutindo o uso de algemas, para, no final, deixar impune um assassino de crime triplamente qualificado só porque ele enfrentou o “abuso” de ser algemado. Todos querem o respeito à lei e a garantia dos direitos individuais, mas quanto ao maior de todos os direitos, que diz respeito às vítimas desses crimes?

Algemas são o de menos num país com tantos abusos, em que pobres permanecem trancafiados sem culpa formada, em celas superlotadas, por crimes de menor importância que podem ser punidos com penas alternativas. Algemas são o de menos num país onde os jovens negros e pobres são mortos diariamente pela polícia, fuzilados para “averiguação”. Algemas são o de menos num país onde a Polícia Militar fuzila uma criança de cinco anos ao atirar implacavelmente num carro de uma mãe de família que, ao ver a polícia, cometeu o erro de parar o seu carro no acostamento.

Outra confusão é a criada pelo chamado “fichas sujas”, que misturou tudo e liberou qualquer tipo de criminoso para a vida pública. A idéia de que a presunção da inocência é assim tão vasta que vale para todos os criminosos cujo processo não tenha transitado em julgado completamente leva ao absurdo de se manter solto o assassino confesso Pimenta Neves. Há de haver gradações e bom senso. A generalização só produz injustiças, neste caso.

Há casos de políticos que têm processos iniciados pelo adversário político apenas por uma briga eleitoral, sem conseqüência. Há políticos que administraram estados e que usaram a máquina despudoramente, e que se envolveram em casos nebulosos de malversação de recursos públicos, e há por fim casos de criminosos comuns.

Não podem ter todos o estigma de “ficha suja” e nem todos ter a permissão de buscar o voto no eleitor, e quem sabe, no voto, a impunidade. Vamos admitir que um julgamento em primeira instância, um julgamento monocrático, de um juiz apenas, pode não ser considerado impedimento. Mas e quando a pessoa foi condenada já em segunda instância, por um colegiado, poderá ele ou ela ser candidato.

Alguma coisa está fora da ordem na nossa ordem judicial!

Caminho de volta

(leia a coluna publicada em O Globo por Míriam Leitão, neste sábado)

As commodities — agrícolas e não agrícolas — finalmente começaram a ceder. As altas dos alimentos e do petróleo vinham aumentando a inflação em todo o mundo. Agora, o petróleo caiu 20% desde o pico; a soja, que subiu 80% em 12 meses, caiu 15% só em agosto. Ainda está instável. Mas ontem o país viu a primeira deflação, ainda que de prévia, do IGP-M. Porém é cedo para achar que o problema passou.

Para o Brasil, a boa notícia é que diminuirá a pressão do aumento internacional dos alimentos na inflação; a ruim é que a balança comercial terá um saldo menor.

Desde o início do ano, em meio ao “rally das commodities”, o economista Fabio Silveira, da RC Consultores, era um dos que insistiam que tamanha alta era injustificável se levados em conta apenas os dados da economia real. Não que ele desmerecesse a força da demanda chinesa e indiana, mas com a maior economia do planeta entrando numa recessão, ou, no mínimo, desacelerando, não fazia sentido tanta alta.
Este ano a média do petróleo vai ficar 67% maior que em 2007. A da soja, 68%; assim como a do milho. O CRB, índice de commodities, subiu 30% de janeiro a julho. Mas isso vem mudando. O milho, que quase dobrou em um ano, agora caiu 13%. O arroz, que subiu no mercado interno 56%, caiu 5,5% este mês e o feijão, que também praticamente dobrou, teve queda de 6%. A história é parecida para as não agrícolas. O ouro, por exemplo, registrou uma alta de 40%, e cai 6%.

— As condições para a queda já estavam desenhadas desde o primeiro semestre. A economia americana já vinha enfraquecendo, e a China acaba sofrendo com isso também. O lado real mostrava problemas. Agora o lado financeiro vai diminuindo suas posições em commodities, pois os investidores temem que os juros subam. Eles estavam abrigados nesses papéis — afirma Fabio.

Contudo só agora as commodities começaram a ceder. A começar pelo petróleo, que chegou a estar acima de US$ 140 e que tem oscilado, mas com tendência de baixa; ontem estava a US$ 112. Essa alta do petróleo, matéria-prima de inúmeros produtos, teve forte impacto nos seus derivados, como material de limpeza, itens para construção civil (PVC), insumos agrícolas. A MB Associados, no seu comentário de conjuntura, deduz que o petróleo mais caro “tem feito um estrago” no PIB dos Estados Unidos. Caso não tivessem acontecido as reduções de gastos em setores relacionados ao petróleo, o PIB americano poderia ter crescido 3,3% em vez de 1,9%.

Na visão de Fabio Silveira, “estamos entrando numa nova realidade”, a qual pode ser percebida já neste segundo semestre. E o que muda?

— Para os países exportadores de commodities, como o Brasil, há um lado ruim. Por exemplo, o saldo da balança comercial em 2009 deve ser menor que o de 2008. Os exportadores estavam compensando o dólar baixo com a alta dos preços, e isso deve deixar de acontecer. Mas não vejo um quadro dramático.
No cenário básico, a média do índice de commodities cairia 10% em 2009. A média da soja, 8%; e a do milho, 2%. Numa visão pessimista, com o PIB americano com queda em torno de 2%, as coisas “se complicariam”: a soja cairia 35% e o milho, 33%.

A MB Associados traz uma boa notícia, que tem impacto direto no preço dos grãos: as lavouras americanas de milho e de soja “têm mostrado excelente potencial de recuperação; e a perspectiva de quebra pode ser descartada até o presente momento”. Isso ajudaria a manter os preços sob controle. O maior risco de alta está nas carnes.

Para Fabio Silveira, a situação é mais confortável para a soja. O preço do milho pode cair menos, por causa da produção de etanol nos EUA.

Voltando ao cenário básico com o qual o economista trabalha, as exportações brasileiras do agronegócio cairiam de US$ 60,5 bilhões para US$ 56 bi. E o saldo do setor sairia de US$ 52 bilhões para US$ 49 bi. Até aí, tudo bem. O problema será caso a queda de preços seja bem mais intensa. Naquele cenário pessimista, o saldo do agronegócio chegaria a US$ 35 bilhões. Se for assim, cairá muito a contribuição do setor agrícola no superávit da balança comercial.

Mas esse é só um lado — o mais complicado, por assim dizer — da queda das cotações das commodities. A boa notícia é que a inflação mundial tende a arrefecer; assim como a brasileira. Para Fabio, já no ano que vem, com essa mudança de tendência no preço internacional dos alimentos, a inflação estará convergindo para a meta. Se assim for, o Banco Central não terá mais que seguir o caminho de aumento dos juros. O crescimento ficará ainda mais apoiado no mercado doméstico e menos no setor externo.

Apesar dessa provável trajetória de queda nos preços, tanto Fabio Silveira quanto a MB Associados compartem da visão de que o cenário não é de uma queda ininterrupta e íngreme nas cotações. “Os estoques dos produtos agrícolas estão baixos e, dado o alto custo de produção, principalmente decorrente dos elevados preços dos fertilizantes, as commodities agrícolas devem se manter em patamares elevados de preços”, diz o texto da MB. Fabio Silveira complementa:

— A tendência é de baixa, mas isso não significa que as commodities vão cair todo dia. Haverá períodos em que elas podem voltar a subir um pouco.

Jogos Olímpicos em Pequim


Nesta sexta-feira, 08, dia superticioso para os chineses, marcou a abertura oficial dos Jogos Olímpicos em Pequim, na China.

Acompanhei todo o evento através da Globo News, e postei abaixo imagens de alguns momentos do evento.

Foi um espetáculo belíssimo, marcado pela emoção, sincronização, talento e luxo. Caracterizou, assim, como o evento mais lindo de todas as aberturas antecessoras. Foi realmente muito emocionante!
































Fonte de imagens: REUTERS

Por que o eleitor deve mudar a forma de votar?

Enviado por FERNANDO ABRUCIO
Doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP)

Não há personagem mais criticado na sociedade contemporânea que os políticos. De fato eles são muitas vezes responsáveis por diversas mazelas sociais. Mas duas coisas não devem ser esquecidas. Em primeiro lugar, são os cidadãos que elegem seus representantes, o que lhes dá o poder de premiar os melhores e punir os piores. Além disso, vários vícios políticos começam na relação que os eleitores estabelecem com seus candidatos na época da eleição. Sem mudar a maneira como as pessoas definem seu voto, a eterna ladainha contra os políticos vai permanecer estéril.

Dois tipos de escolha eleitoral alimentam a descrença na política. O primeiro vincula-se ao modelo paternalista-clientelista. São aqueles eleitores que votam à espera da defesa de seu interesse mais imediato. Numa versão mais benigna, o político será aprovado se garantir o posto de saúde ou a linha de ônibus para a sua clientela. Numa versão mais maligna, os representantes serão reeleitos se obtiverem alguma benesse mais palpável ao eleitor, como um emprego público.

Em ambos os casos, o mesmo cidadão que fica contente por ter sido beneficiado diretamente é aquele que poderá ser prejudicado em decisões que afetam o conjunto da coletividade. Em troca do voto, ele “ganha” uma casa próxima a uma região de manancial e anos depois o “presente” transforma-se em problema, quando o abastecimento de água é atingido, afetando toda a cidade, incluindo aí o seu lar. Num cenário pior, o eleitor fica feliz de dia com as migalhas recebidas de seu padrinho político e entristece à noite ao ver, no jornal da TV, a reportagem sobre as maracutaias cometidas por seu “protetor”.

Outro padrão eleitoral perverso é o “desinteressado pela política”. Sua visão é fatalista, baseada no discurso “meu voto não muda nada” ou no lema “os políticos são todos iguais”. Por isso, esse cidadão não procura se informar muito na época da eleição e define seu voto às vezes seguindo o conselho de um amigo. Outras vezes, orienta-se pelo marketing político ou opta pelo “candidato cacareco”, escolhendo o mais exótico para protestar contra o sistema. Esse comportamento torna a perspectiva fatalista uma realidade.

Quem vota em troca de um benefício ou de forma desinteressada
alimenta a descrença na política
Esses dois tipos de eleitor são alimentados pela maneira como grande parte dos políticos atua. Muitos mantêm a prática tradicional das barganhas localistas e personalistas, principalmente na disputa para vereador. Para os cargos majoritários, como prefeito, predomina um marketing das “promessas sem fim”, recheadas por formas modernas de comunicação. Aliás, a modernização da linguagem de campanha poucas vezes é acompanhada pela transformação da prática dos políticos.

Uma parcela significativa dos cidadãos não se encaixa nas duas categorias aqui expostas, e mesmo os “paternalistas-clientelistas” e os “desinteressados” não são meramente engabelados pelos políticos. Estudos mostram como boa parte dos eleitores tem punido os maus políticos, os envolvidos ou suspeitos de corrupção – como revelou uma pesquisa de Carlos Pereira (Michigan State/FGV), Marcus Melo (UFPE) e Carlos Maurício (UFPE). Mas a punição não leva à escolha de candidatos melhores.

Neste sentido, vale citar alguns critérios importantes para a definição do voto. O primeiro é geral: informe-se sobre a eleição por várias vias, que abarquem versões diferentes da realidade. A pluralidade de opiniões favorece fugir das falácias do marketing político. Num plano mais específico, é preciso saber quanto seus candidatos conhecem os problemas de sua cidade e se apresentam propostas factíveis. Desconfie de planos mirabolantes e dê preferência aos que digam quanto custa cada promessa – afinal, “não há almoço grátis”.

As idéias são muito importantes, mas elas podem ser mais bem avaliadas se contrastadas com a biografia dos candidatos. Além do mais, não se oriente apenas por seus interesses mais imediatos. Quem não conseguir lutar pelo que é bom para todos certamente um dia o prejudicará. Talvez seja a miopia de eleitores e de políticos o que mais alimenta hoje a visão negativa sobre o mundo da política. Para consertar isso, adote critérios que dêem uma visão telescópica ao seu voto.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O Globo Online

Candidatos, mesmo com ficha-suja, podem concorrer as eleições

Por nove votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), que pretendia barrar candidaturas de políticos que respondem a processos ou têm condenações na Justiça. Os ministros Gilmar Mendes, presidente da Corte, Marco Aurélio de Mello, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Carmen Lúcia Rocha e Carlos Alberto Menezes Direito acompanharam o voto do relator, Celso de Mello, que foi contra o veto, garantindo o direito dos candidatos processados de concorrerem. Apenas Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Britto, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), votaram a favor. (Você concorda com a decisão do Supremo?)

O julgamento confirmou decisão anterior do TSE, que já havia liberado os candidatos com ficha suja na Justiça para disputar as eleições de outubro.

Para Celso de Mello, o veto a candidatos que respondem a processos afronta o princípio de presunção de inocência.

- A repulsa à presunção de inocência mergulha suas raízes em uma visão incompatível com o regime democrático - afirmou o relator.

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Essa decisão é dotada de efeito vinculante, logo deverá ser seguida pela Justiça Eleitoral como um todo
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Segundo ele, a idéia de que "todos são culpados até que se prove o contrário" é um postulado de "mente autoritárias", praticado nos regimes absolutistas e totalitários, como o de Benito Mussolini, na Itália.

Em entrevista coletiva após a sessão, Gilmar Mendes afirmou que o julgamento tem efeito vinculante - ou seja, os juízes eleitorais não poderão mais impugnar candidaturas com base na análise da vida pregressa ou processos em andamento na Justiça, sob pena de descumprirem uma decisão da mais alta Corte do país. A decisão deve detonar uma enxurrada de recursos dos candidatos que haviam sido barrados e agora tentarão recuperar o direito de concorrer. Gilmar descartou a possibilidade de uma nova rebelião dos juízes eleitorais que se insurgiram contra decisão anterior do TSE.

- Essa decisão é dotada de efeito vinculante, logo deverá ser seguida pela Justiça Eleitoral como um todo.

Para Celso de Mello, o decano do STF, impedir políticos sob investigação de disputar cargo público seria uma "transgressão inaceitável" do Estado contra os direitos do cidadão. Mello citou declarações internacionais de defesa dos direitos humanos e disse que só em regimes autoritários, como a Itália fascista de Mussolini e o Estado Novo de Getúlio Vargas, prevalece a regra hedionda de que a pessoa tem que provar sua própria inocência.


- O STF e os órgãos da Justiça Eleitoral não podem agir abusivamente ou fora dos limites da Constituição Federal. A legitimidade dos fins, por mais dignos que sejam, não justifica a ilegalidade dos meios - afirmou.

Em seu voto, Ayres Britto defendeu a distinção entre direitos individuais e direitos políticos. Destacou que o direito político não existe para servir seus titulares, mas a valores de índole coletiva. Britto enfatizou que a Constituição foi substancialmente modificada em 1994 para introduzir a probidade e a moralidade administrativa e a vida pregressa como condições primárias de elegibilidade.

O ministro afirmou que impedir a candidatura de quem tem fatos desabonadores em sua vida pública não é cassar direitos políticos, apenas suspender esses direitos momentaneamente. Britto fez um apelo aos colegas:

- O momento é histórico e o melhor possível para que o Supremo impeça que a Constituição Federal se torne um elefante branco, um latifúndio improdutivo, em temas de tamanha envergadura - afirmou.

Advogado-geral diz que impedimento só tendo condenação definitiva
O advogado-geral da União, José Antonio Toffoli, disse que ninguém deve ser impedido de disputar eleições sem ter condenação definitiva.

- Em vez de segurança jurídica, isso traria confusão jurídica - alertou.

Já o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, apresentou parecer a favor do veto das candidaturas de políticos problemas mais graves na Justiça - ou seja, com ficha suja. Na abertura do julgamento, ele afirmou que a Constituição impõe a exigência de probidade e moralidade aos ocupantes de cargos públicos.

- O direito de ser votado não é absoluto - disse o procurador.

Antes do julgamento, o presidente da AMB, Cláudio Dell´orto, afirmou que caso a decisão do STF fosse negativa, caberia ao eleitor barrar essas pessoas por conta própria, com o voto. Ele não acredita que a divulgação de nomes pela associação fira qualquer regra jurídica:.

- A divulgação é de dados públicos, que já estão nos sites dos respectivos tribunais. Não creio que a associação tenha violado qualquer regra jurídica ao divulgar nomes - disse.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Panorama Econômico

Rota das drogas

(leia a coluna Panorama Econômico publicada nesta quarta, em O Globo, por Míriam Leitão )

Mudou a rota das drogas na Amazônia. Os traficantes não usam mais o espaço aéreo, as pistas clandestinas. Preferem os rios. É o que diz o general Augusto Heleno, comandante do Exército na região, e confirma o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa. "São 22 mil quilômetros de rios navegáveis e uma fronteira de 11 mil quilômetros, em geral, de selva", diz o general.

Com a vigilância bem-sucedida do Sipam-Sivam, os traficantes passaram a utilizar sobretudo os rios, que antes eram usados eventualmente. Isso torna mais difícil o combate ao crime. Para a Polícia Federal, a Amazônia virou prioridade, disse-me o diretor da PF. As Forças Armadas querem fazer cada vez mais operações na região, para entendê-la. Esta semana, o Exército está fazendo na Amazônia a Operação Poraquê.

— Começamos numa área de selva em Caracaraí (RR) que transita para uma região de savana, onde se podem usar blindados — contou-me ontem cedo o general Augusto Heleno.

Logo depois da nossa conversa, o general se juntou às forças da Marinha que iriam navegar pela calha do Rio Negro até Barcelos.

Ontem também, a Polícia Federal estava com a diretoria itinerante na Amazônia. O diretor-geral está visitando delegacias da PF em todos os estados e vendo de perto as necessidades. Ficará esta semana inteira; volta para Brasília e, na semana que vem, retomará a viagem à região.

— No planejamento estratégico até 2022 que fizemos, ficou claro que a prioridade é a Amazônia — disse Corrêa.

Pelo Rio Negro, que visitei recentemente, têm ocorrido casos de tráfico de madeira misturado com o de drogas. Lá ouvi de funcionários públicos que jovens das comunidades ribeirinhas são recrutados para cortar madeira e pagos em pasta de coca ou em cocaína. Em alguns flagrantes, vê-se que os crimes estão agindo em consórcio. Sempre usando os rios como rota não apenas de escoamento de madeira, tráfico de animais, roubo de espécies, mas também para o tráfico de drogas.

O diretor-geral da PF confirma a mudança na rota do tráfico. Antes a droga chegava sobretudo pelo ar:

— Quando o Estado faz seu trabalho de reprimir o crime, ele espirra para outro lado. O Sivam funcionou, e o crime procurou outro caminho. Confirmo a informação do general Heleno: a rota do tráfico de drogas agora é principalmente pelos rios.

A Operação Poraquê, como todo exercício das Forças Armadas, combate um inimigo fictício. Desta vez, o inimigo é "país amarelo".

O general conta que, na luta real, o Estado precisa se unir. Ele gostaria que as ações unissem outras agências governamentais, com outras especialidades. Nesta não vai o Ibama, por exemplo:

— O Ibama tem pouco efetivo. Este é meu grande pleito: que o Brasil possa unir as forças de repressão ao ilícito. O Ibama precisa de nós, a maioria das operações mais difíceis são feitas conosco, $nossos aviões ou da aeronáutica. Precisamos deles, não entendemos de madeira. Não entendemos de drogas, não temos conhecimento sobre. A Polícia Federal é que foi treinada para isso. Precisamos da Receita, que tem o conhecimento dos descaminhos e do contrabando.

Em fevereiro, foi feita uma operação conjunta de combate ao garimpo ilegal.

— Eu não entendia nada do tema. Achava que eram uns caras lá com umas peneiras no rio. Apreendemos nove dragas, umas coisas enormes; quatro flutuadores; três empurradores (ou rebocadores) e um tonel de combustível. Uma verdadeira Marinha.

Um problema desafiador agora é como combater o tráfico naquela imensidão.

— Com o Sivam-Sipam, os traficantes têm de fugir dos radares. Isso torna mais difícil vir por ar. Se os vôos são mais raros, fica difícil manter as pistas clandestinas. Eles têm problemas com a deterioração das pistas pelas chuvas, pela vegetação. Até asfalto estraga rápido — relata o general.

Mas o Estado também tem seus desafios: como fiscalizar os 22 mil quilômetros de rios navegáveis e a fronteira de 11 mil quilômetros com os países amazônicos, a qual tem o triplo do tamanho da fronteira entre Estados Unidos e México?

— Controlar uma fronteira assim é muito difícil, mas podemos ser mais eficientes se unirmos as forças e tivermos transportes mais ágeis — afirma o general.

O transporte no rio é bem mais lento, isso poderia até ajudar as forças de combate à repressão se elas estiverem bem equipadas, mas os contrabandistas podem contar com os "furos", passagens no meio da mata, de um rio para o outro, perfeitas para se esconder.

— Tem gente que acha que o tráfico não vai prosperar porque o transporte por rio é mais lento. É mais lenta a primeira viagem, depois de feita a rota, seja de jabuti seja de concorde, o importante para o traficante é fazer uma entrega por dia.

O general Heleno fez, semanas atrás, uma operação de coluna. Ainda usa colete ortopédico e tipóia. Mas, antes de ir falar com os jornalistas, ele os tirou.

Do contrário iam dizer que o inimigo já fez um estrago antes de começar a operação. E eu ia dar uma colher de chá dessas para o inimigo? — diz, em tom brincalhão. Ele sabe porém que o "inimigo" imaginário do país amarelo, que não pode vê-lo avariado, é bem menos ameaçador que o verdadeiro inimigo que pode estar agora descendo os rios amazônicos ou escondendo sua carga em algum "furo" do rio.

Serão bons sinais da inflação?

Há boas novidades, enfim, no front da inflação. Cotações do petróleo e de vários alimentos têm caído no mercado internacional. No Brasil, os preços da comida têm pressionado menos fortemente os indicadores de custo de vida. É cedo para dizer se há uma inversão de tendência, mas especialistas do mercado financeiro começaram a refazer suas apostas. Eles elevaram por 18 semanas consecutivas suas projeções para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), chegando a estimar para este ano um aumento de 6,58%. Na última sexta-feira, a estimativa coletada semanalmente pelo Banco Central (BC) foi reduzida para 6,54%. Foi uma alteração pequena e o número ainda é superior ao teto da meta fixado para este ano, 6,50%. Mas a inversão ocorreu também nas projeções dos outros indicadores de inflação considerados na pesquisa - IGP-DI, IGP-M e IPC-Fipe. No caso dos dois primeiros, houve a inversão de sinal depois de 20 semanas de alta. Esses números foram divulgados na segunda-feira.

Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, não há dúvida quanto à nova tendência. "Chegamos ao auge da inflação e começamos a descer a montanha", disse ontem o ministro. Será preciso, acrescentou, examinar com cautela os próximos indicadores, porque os números acumulados em 12 meses darão ainda a "ilusão" - a palavra é dele - de inflação em alta. Mas outra ilusão muito mais perigosa poderá ocorrer, se o excesso de otimismo levar as pessoas a menosprezar a elevação dos preços no atacado. Esses preços aumentaram 19,39% nos 12 meses até julho e só uma parte dessa variação foi passada ao varejo.

Essa pressão não vai diminuir de uma hora para outra e os especialistas do mercado financeiro sabem disso. Apesar de algumas boas notícias, eles ainda projetam inflação elevada para este e para o próximo ano. A alta do IPCA estimada para 2009, 5%, continua 0,5 ponto acima do centro da meta oficial.

O compromisso do BC, declarado na última Ata do Copom e reafirmado por seu presidente, Henrique Meirelles, é conduzir a inflação para o centro da meta em 2009. Mas é preciso realizar o trabalho desde já, principalmente impedir, ou limitar tanto quanto possível, o repasse de aumentos do atacado para o varejo, isto é, para o consumidor final.

Para isso é preciso restringir a demanda, ainda muito aquecida, como reconheceu até o ministro da Fazenda. A expansão do crédito ao consumidor pode ter diminuído, mas não foi interrompida. O bolo de rendimentos continua a aumentar, embora a inflação já comprometa o poder de compra do salário médio. O emprego industrial já se expande há 31 meses, segundo a CNI. Apesar dos investimentos produtivos, o uso da capacidade instalada chegou a 83,3% em junho, o nível mais alto desde o início da série estatística, em janeiro de 2003.

Todos esses fatores têm sido apontados pelos economistas do BC como indicadores de importantes pressões inflacionárias. Talvez os preços do petróleo e de outros produtos básicos tenham batido no teto, nas bolsas internacionais, mas isso não elimina de imediato os desajustes na economia brasileira, até porque a maior parte dos setores já foi contaminada pelos aumentos de custos. Não é hora, portanto, de relaxar a política antiinflacionária.

O Executivo poderia, segundo o ministro da Fazenda, elevar a meta de superávit primário para conter a demanda e reforçar o combate à inflação. Mas ele não demorou a desfazer qualquer expectativa de uma política orçamentária austera: não será preciso mudar a meta fiscal, disse, porque a inflação está diminuindo.

Quanto a isso, portanto, não há novidade no front. O BC continuará cuidando sozinho de reconduzir a inflação ao centro da meta em 2008. O presidente da República e o ministro da Fazenda continuarão discursando a favor da estabilidade, mas sem nada fazer de concreto para conter a gastança e contribuir para o controle da inflação. Na hora certa, o presidente reivindicará para si o mérito de haver preservado o poder de compra dos trabalhadores. Seu único mérito, nesse capítulo, tem consistido em não atrapalhar o BC.

STF no centro das atenções

Comentário da cientista política Lucia Hippolito à CBN

Reina grande expectativa nas assessorias de candidatos quanto à reunião do STF marcada para hoje à tarde. O Supremo vai decidir sobre os políticos de ficha suja: podem ou não ser candidatos?

É improvável que o Supremo contrarie a decisão do TSE (4 a 3) a favor do direito de todo mundo se candidatar até transitado em julgado, isto é, até o último recurso.

A tradição é de o STF acompanhar as decisões da Justiça Eleitoral.

A importância da decisão de hoje é enorme para o eleitorado brasileiro, pois os partidos não filtram as candidaturas, e o sistema eleitoral distorce inteiramente a vontade do eleitor.

Graças ao voto proporcional, à permissão de coligações em eleições proporcionais (vereador e deputado) e a um mecanismo absolutamente perverso de distribuição das sobras eleitorais, o eleitor sabe em quem vota, mas não tem a menor idéia de quem foi eleito com o seu voto.

É injusto, portanto, jogar toda a responsabilidade nos ombros do eleitor. O partido não barra as candidaturas com ficha suja, o TSE não consegue proibir, a Justiça é lenta, o foro privilegiado beneficia infratores de todos os tipos, e o eleitor é que tem que fazer a triagem? Injusto, muito injusto.

Por isso, mesmo que o STF confirme a decisão do TSE, garantindo aos políticos de ficha suja o direito de se candidatar, é fundamental acelerar a publicação das listas de processos respondidos pelos candidatos e divulgá-las ao máximo, para ajudar o eleitor em sua escolha.

Mesmo que a decisão do STF frustre as esperanças daqueles que querem ver os políticos de ficha suja fora da política, é importante não esmorecer.

Um dia, a gente ganha.

Espera-se que seja hoje

STF decide a sorte de candidatos com ficha suja

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa, hoje, a possibilidade de barrar candidaturas de políticos que respondem a processos ou têm condenações na Justiça. A expectativa da Associação Brasileira de Magistrados (AMB) é que haverá uma decisão positiva da Corte e que já será possível evitar candidatos com problemas mais graves na Justiça - ou seja, com ficha suja - ainda nesta eleição municipal.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Caso ISABELLA

Enviado pela ministra Ellen Gracie - 5.8.2008, às 20h41m

Segue na íntegra.

Decisão que negou a liberdade ao casal Nardoni

HABEAS CORPUS 95.344-1 SÃO PAULO



RELATORA : MIN. ELLEN GRACIE
PACIENTE(S) : ALEXANDRE ALVES NARDONI
PACIENTE(S) : ANA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ OU ANNA CAROLINA TROTA PEIXOTO JATOBÁ OU ANA CAROLINA TROTTA JATOBÁ NARDONI
IMPETRANTE(S) : MARCO POLO LEVORIN E OUTRO(A/S)
COATOR(A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 110175 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA




1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão monocrática que indeferiu pedido de liminar do writ anteriormente aforado perante o Superior Tribunal de Justiça (HC 110.175, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho).


Examinando os autos, constato que os pacientes foram denunciados pela suposta prática dos crimes de homicídio contra a menor Isabella de Oliveira Nardoni e fraude processual (arts. 121, § 2º, III, IV e V, 347, parágrafo único, do Código Penal, fl. 09).


Sustentam, os impetrantes, que a “imputação não corresponde com a realidade da dinâmica dos fatos, posto que os Pacientes não agrediram Isabella com instrumento contundente, não houve esganadura, não defenestraram-na e tampouco alteraram o local do crime” (fl. 10)


Argumentam, em síntese, que a decisão que indeferiu o pedido de liminar formulado nos autos do HC 110.175, carece de fundamentação em virtude da “ausência de justa causa pela inobservância dos requisitos autorizadores para a decretação da prisão preventiva (processo originário nº 001.08.002241-4, Controle nº 274/08 - 2º Tribunal do Júri de São Paulo-SP)”, além de haver “nulidade pelo juízo de mérito no recebimento da Denúncia” (fl. 03).


Ressaltam, ainda, a possibilidade de abrandamento da Súmula STF nº 691 (fl. 11) e a violação do postulado constitucional da presunção de inocência (fls. 12-14). Também esclarecem a desnecessidade da custódia cautelar dos pacientes, visto que, “primários e de bons antecedentes, permaneceram no interior da residência dos genitores, não coagiram testemunhas, não abandonaram o distrito da culpa, não praticaram atos anti-sociais ou ilícitos, ou seja, tiveram um comportamento irrepreensível na qualidade de acusados, correspondendo às expectativas de um réu para com o processo” (fl. 18).


Afirmam que a decisão que decretou a prisão preventiva dos pacientes também carece de substratos fáticos e jurídicos, em especial quanto aos fundamentos referentes à autoria, materialidade, garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal, credibilidade da justiça, gravidade do crime, clamor público e aplicação da lei penal (fls. 23-78 e 83-92).


Registram que a decisão que recebeu a denúncia deve ser anulada, “face ao juízo de mérito no julgamento antecipado causado pelo MM. Juiz a quo, que faltou com o comedimento das expressões no recebimento da denúncia, permitindo que o espírito do jurado seja influenciado indevidamente” (fls. 78-83). Por fim, os impetrantes apontam diversas irregularidades ocorridas na investigação criminal (fls. 92-114).


Requerem, ao final, a concessão do provimento liminar (fl. 115).


2. A decisão impugnada via o presente habeas corpus, da lavra do Min. Napoleão Nunes Maia Filho (fls. 117-119), foi fundamentada nos seguintes termos:


“(...)

A concessão de tutela de eficácia imediata em Habeas Corpus é medida que, não tendo previsão legal, passou a ser admitida por sofisticada construção jurisprudencial e doutrinária, se constituindo em provimento de extrema excepcionalidade, somente cabível nas hipóteses em que o abuso de poder ou a ilegalidade do ato impugnado despontem de forma manifesta, evidente e mesmo inconteste.

No caso concreto, tais pressupostos não se acham presentes, porquanto não se divisa no decreto de prisão preventiva ou no acórdão que o confirmou situação reveladora de aberta ilegalidade ou de claro abuso na constrição à liberdade dos pacientes; ao contrário, ao menos para este juízo superficial, a segregação provisória encontra justificativa idônea na garantia da ordem pública e da instrução criminal, como enfatizou o acórdão impugnado.

A preservação da ordem pública não se restringe apenas a medidas de prevenção da irrupção de conflitos e tumultos, embora essas sejam maximamente importantes, mas abrange também a promoção daquelas providências de resguardo à integridade das instituições, à sua credibilidade social e ao aumento da confiança da população nos mecanismos oficiais de repressão às diversas formas de delinqüência.

Convém ressaltar, neste caso, que as teses de nulidade da investigação policial, de incongruência do laudo pericial, bem como de ausência de indícios de autoria requerem aprofundado e acurado exame, inviável de ser realizado neste momento de cognição sumária.

Anote-se, ademais, que o douto Desembargador CANGUÇU DE ALMEIDA, em demorada e atenta análise do quadro indiciário revelado pela investigação criminal, encontrou e reportou, no acórdão de fls. 1.346 e seguintes, elementos de fortíssima convicção acerca da autoria, afirmando-os mais do que suficientes, na hipótese, para suprir essa incontomável exigência legal do decreto cautelar segregativo.

A prisão preventiva, como se sabe, não é juízo de antecipação de culpabilidade, mas é indispensável, por força de imperativo legal (art. 312 do CPP), sempre que estejam presentes, como neste caso, indícios de autoria; como bem observado pelo douto Juiz de Direito Presidente do Processo, Doutor MAURÍCIO FOSSEN, secundado pelo ilustre Desembargador CANGUÇU DE ALMEIDA, revelam-se demasiados tais indícios.

Ademais, a tutela liminar em HC, no presente feito, confunde-se essencialmente com o próprio mérito da impetração, o que inviabiliza a sua concessão, conforme é lição da doutrina e orientação da jurisprudência dos Tribunais do País; por sua vez, o exame de mérito demanda reflexão prudente, pelo Órgão Jurisdicional competente, in casu, a colenda 5a. Turma desta Corte (Juízo Natural), que melhor dirá.

Ante o exposto, INDEFIRO o pedido de tutela mandamental liminar.

(...).”


Com efeito, da leitura da decisão hostilizada na inicial, verifico que o ato se encontra devidamente motivado, apontando as razões de convencimento do relator, no sentido da existência dos pressupostos que autorizam a manutenção da prisão cautelar dos pacientes.


3. Ressalto, ademais, que para fins de apreciação do pedido de medida liminar é necessário avaliar se o ato impugnado teve o condão de caracterizar o constrangimento ilegal. Na hipótese dos autos, as razões da decisão atacada, mostram-se relevantes e sobrepõem-se aos argumentos lançados na inicial. Não há, pois, flagrante ilegalidade ou abuso de poder no ato atacado.


4. Nesse contexto, vale frisar que o rigor na aplicação da Súmula nº 691/STF – segundo a qual “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar” – tem sido abrandado por julgados desta Corte apenas em hipóteses excepcionais de flagrante ilegalidade ou abuso de poder na denegação da tutela de eficácia imediata. Nestes termos, enumero as decisões colegiadas: HC nº 84.014/MG, 1ª Turma, unânime, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 25.06.2004; HC nº 85.185/SP, Pleno, por maioria, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 1º.09.2006; e HC nº 88.229/SE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, maioria, julgado em 10.10.2006.


5. No caso, não vislumbro a presença de qualquer um dos pressupostos que autorizam o afastamento da orientação contida na Súmula n° 691, do STF, sob pena de supressão de instância.


6. Ante o exposto, indefiro liminarmente o presente writ.


Publique-se.


Brasília, 05 de agosto de 2008.




Ministra Ellen Gracie

Relatora

Mantega finge que não existe

Duas declarações nos jornais de hoje que valem registro aqui no blog. A primeira do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que disse (só agora) que prefere elevar o superávit primário para acima de 4,3% do PIB, a ter que subir a taxa de juros.

A declaração de Mantega é uma surpresa positiva. É quase uma unanimidade entre os economistas que o governo poderia estar ajudando o Banco Central no combate aos preços se reduzisse os gastos. Com menos dinheiro circulando na economia, haveria uma pressão menor sobre o reajuste dos produtos.

Por um lado, a fala de Mantega mostra que ele está mais consciente, e por outro, demonstra que já não pensa mais que a inflação é apenas culpa do feijãozinho. O ministro entendeu que o BC vai subir os juros o quanto for necessário para que a inflação volte ao centro da meta em 2009. E Meirelles tem o apoio de Lula.

Ou Mantega ajuda, ou cruza os braços e assiste aos juros dispararem. Pelo visto, ele agora está preferindo cooperar.

Ontem também foi a vez de Meirelles dizer que ainda é cedo para comemorar a queda do IPCA, registrado no último indicador de junho (nesta sexta, o IBGE divulga a inflação de julho).

- É um pouco prematuro dizer até que ponto já existe reflexo da política monetária - disse ele.

É basicamente isso: o presidente do BC vai manter o discurso firme e objetivo para conter o aumento das expectativas. Ontem o Focus mostrou queda nas previsões para o IPCA de 2008 após 18 semanas seguidas de alta.

Resumindo:

Logo no início da escalada dos preços, Mantega disse que o problema estava restrito ao feijãozinho. Depois, mudou o discurso alegando que a alta dos preços não era preocupante. Logo mais, afirmou que o Brasil não deveria segurar o consumo interno porque ele era nossa pérola. Recentemente trocou de opinião sugerindo que o pior da inflação já tinha passado, e ontem concluiu que prefere subir o superávit primário a ter que aumentar os juros.

Desde que começou a escalada dos preços, Mantega não disse nada coerente. Alguém entende qual é a proposta do ministro? Eu não.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Esse será o tema da semana

Revista ÉPOCA

Ele quer voltar

O ex-tesoureiro petista Delúbio Soares saiu de vez da clausura. Retraído desde o escândalo do mensalão, ele voltou a circular com desenvoltura pela política e já pôs na rua sua mais nova bandeira: quer voltar para o PT. Delúbio tem conversado com lideranças do partido em busca de apoio para retornar às hostes petistas – e já avisou que vai apresentar seu pedido de refiliação no próximo ano. O plano é parte de outro projeto que segue firme e forte. Delúbio quer ser candidato a deputado federal por Goiás em 2010 e tem dito que não admite disputar a eleição por um partido que não seja o PT. Nos últimos dias, ÉPOCA acompanhou os passos do ex-tesoureiro petista em Goiânia. Sua rotina é a de um político em franca atividade. Ele tem participado de encontros políticos e passado horas despachando no comitê de campanha do irmão, Carlos Soares, vereador de Goiânia e candidato à reeleição.

O presidente do diretório municipal de Goiânia, Luiz Alberto de Oliveira, é um desses dirigentes petistas que já foram procurados por Delúbio. Mas diz que, se o pedido de refiliação for apresentado em Goiânia, Delúbio certamente enfrentará oposição das correntes contrárias a seu grupo político. “Eu respondi que, como ele foi expulso pela direção nacional, considero que o pedido de refiliação teria que ser apresentado diretamente à cúpula do partido”, disse Luiz Alberto a ÉPOCA. Mas o próprio Delúbio diz possuir um “plano B”: apresentar o pedido no diretório petista de Buriti Alegre, sua cidade-natal, onde não teria de enfrentar nenhuma resistência. Nesse caso, ele garantiria a filiação e deixaria para depois o debate na direção nacional do partido. Os movimentos do ex-tesoureiro não se limitam a Goiás. Há duas semanas, ele reuniu sindicalistas e petistas no auditório da CUT em Belo Horizonte para pedir apoio.

Mesmo fora do partido, Delúbio Soares mantém o bom trânsito no PT. Foi ele, por exemplo, o artífice da articulação que levou o PT a apoiar a reeleição de Íris Rezende em Goiânia. A aprovação da aliança, pela diferença de um voto, deixou o partido em crise. Há mais de 20 anos, PT e PMDB eram adversários ferrenhos na política local. Correntes contrárias ao grupo de Delúbio o acusam de, mesmo expulso, ter transformado o partido num balcão de negócios. A desenvoltura se estende ao cenário nacional. Apadrinhados de Delúbio, aos poucos, retomam posições em Brasília. O ex-tesoureiro alimenta a fama de que segue com prestígio e poder, e dá de ombros para as críticas dos ex-companheiros que o acusam de ter enriquecido no PT. Mesmo com os planos de voltar ao partido, não está nem aí para mudanças de hábito. O professor de matemática mantém o alto padrão de vida que passou a ter depois de ascender na hierarquia petista. Veste roupas de grife, continua fumando charutos caros, come em bons restaurantes e anda em carros de luxo.

domingo, 3 de agosto de 2008

Oportunidade Perdida

Enviado por Fernando Henrique Cardoso


Preparei este artigo antes de viajar para os Estados Unidos, onde participo, hoje, de uma série de discussões na Universidade de Brown, em comemoração dos 40 anos da primeira edição do livro que fiz com Enzo Faletto sobre Dependência e Desenvolvimento na América Latina. É a minha despedida de Brown, depois de haver sido professor at large (título que requereu curta permanência docente anual) durante cinco anos.

Confesso que não gosto de escrever com tanta antecipação. A natural falta de interesse do leitor de jornal por notícias e mesmo por análises não atualizadas requer temas momentâneos. Temas que, ultimamente, têm sido francamente desanimadores para quem acredita que a política não se limita a uma luta mesquinha pela conquista e preservação do poder. Causa-me repulsa a falta de compromisso com a verdade dos fatos, a desonestidade intelectual e, principalmente, o tratamento cínico dispensado a indícios graves de improbidade na administração pública e a benevolência com que são tratados infratores amigos ou aliados. Como ainda agora no episódio dos cartões corporativos. A insensibilidade do presidente e de seu governo é tanta que pouco se lhes dá a opinião pública. Com a popularidade inflada pelos bons ventos da economia, joga-se irresponsavelmente com a idéia de que a preocupação com a moralidade pública e o respeito à lei é coisa de elite branca que tem tempo para ler jornal.

Quanta diferença com o que se vê hoje nos Estados Unidos. Quem não leu deve ler a íntegra do discurso de Barak Obama A more perfect Union. Nele Obama reconecta a luta política aos melhores valores de uma República que foi fundada com bases em ideais, entre eles o da igualdade. Um ideal sempre imperfeitamente realizado, mas que constitui até hoje o móvel das melhores e mais nobres lutas políticas do povo americano. Obama não se apropria do ideal para utilizá-lo como arma eleitoral e dividir o país. Mostra, assim, a grandeza de sua liderança.

Reproduzo um trecho representativo do sentido de seu discurso. Nele reconhece e critica a agressividade do pastor Jeremiah Wright nos sermões sobre raça proferidos na Igreja da Trindade. Repudia, por outro lado, a crítica que apenas sataniza o pastor e explica: “O erro profundo dos sermões do reverendo Wright não é que ele tenha falado sobre raça em nossa sociedade. É que falou como se nossa sociedade fosse estática, como se nenhum progresso houvesse existido, como se ela ainda estivesse ligada irreversivelmente a um passado trágico. Isso numa nação que tornou possível para um dos membros da congregação disputar o cargo mais elevado de sua terra e de construir uma coalizão entre brancos e negros, latinos e asiáticos, ricos e pobres, jovens e velhos. Mas o que nós sabemos, o que nós vimos, é que a América pode mudar. Este é o verdadeiro espírito desta nação. O que nós já conseguimos nos dá esperança - a audácia da esperança - para fazer o que nós precisamos e devemos fazer amanhã.”

Que diferença! Seria demais esperar que Lula, que também é símbolo de uma sociedade dinâmica em que as forças da mobilidade social contam mais do que a origem, percebesse que o País, para avançar, precisa realizar o muito imperfeitamente realizado ideal da igualdade perante a lei e que a moralidade pública é condição da igualdade republicana, e não preocupação de privilegiados? Não é isso que se deveria esperar do chefe da Nação? O que se vê, porém, é um presidente que não hesita em reviver a velha cantilena dos “dois Brasis”, da elite branca e dos oprimidos, dos maus e dos bons, e não raro justificar as práticas políticas mais atrasadas. Isso num país que o colocou no topo da vida pública e que se caracteriza por ter uma elite composta pelos “brancos da terra”, tisnados com orgulho pelos mais variados sangues, do indígena ao europeu, do negro ao asiático.

Exagero da minha parte? Ou a cantilena dos “dois Brasis” não foi o mote do discurso que Lula fez recentemente em Pernambuco? Para afagar Severino Cavalcanti, chamou-o de vítima do preconceito das elites de São Paulo e do Paraná, que teriam urdido uma trama para seu afastamento da vida pública. Teoria conspiratória risível, se dita por uma pessoa comum. Inaceitável, porém, vindo do presidente da República. Será a prévia do que virá pela frente na campanha eleitoral de 2010?

Que perda de oportunidade histórica! Por que não pensar em Mandela, que saiu de 28 anos de cadeia e falou da necessidade de reconciliação entre negros e brancos na terra do apartheid? Sem negar e repudiar, é claro, a injustiça do racismo. E não se diga que os antecedentes de grandeza só vêm do exterior. Basta lembrar de José Bonifácio, que desde o início do século 19 mostrava que o Brasil, como nação, teria de fundamentar-se na diversidade das raças e no reconhecimento de que os valores da democracia e do Iluminismo não se poderiam circunscrever, como pensava Jefferson, a uma elite restrita, formada por brancos e ricos. Ao contrário, afirmava o Patriarca, se déssemos educação aos negros e aos indígenas, portadores de Razão como todo ser humano, eles se tornariam cidadãos.

Por que, ao invés de passar a mão na cabeça de quanto aloprado exista ao seu lado, de ver amigos em quem se deixa corromper e inimigos em quem honestamente dele diverge, nosso presidente, com todas as credenciais que tem de homem que nasceu no meio do povo mais pobre e venceu, não une os brasileiros em torno do ideal fundador de toda grande República?

Por que, ao invés de congregar e definir valores comuns, se perde em picuinhas e se entusiasma tanto em inaugurar pedras fundamentais de obras que não se constroem? Raramente o País teve conjuntura econômica e mesmo social tão favorável para dar um salto grandioso na construção de uma Nação decente. Não obstante, a oportunidade se está perdendo pela falta de visão de quem lidera.



Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República


Panorama Econômico - Míriam Leitão

É um lixo só

(leia a coluna publicada neste domingo, em O Globo)

Um absurdo acontece nos nossos narizes. Quando respiramos nas grandes cidades, inalamos enxofre expelido pelos combustíveis, principalmente o diesel. Nos Estados Unidos, Europa, Taiwan e México, o teor de enxofre no diesel já caiu. No Brasil, há sete anos, uma resolução determinou a limpeza do combustível. A Petrobras garantiu que vai cumpri-la em 2009. Não cumprir tem custo financeiro e em vidas humanas.

A resolução 315 do Conama, Conselho Nacional do Meio Ambiente, de 2002, estabeleceu que o diesel brasileiro teria que ter 50 partes de enxofre por milhão. Este é um movimento mundial e, comparado ao produto de outros países, o nosso é um lixo só. Nos Estados Unidos, há anos, já foi atingido o nível de 50 partes por milhão (ppm). Agora se busca a meta de 15 partes por milhão. Na Europa, a meta hoje é de 10 ppm. No Brasil, o diesel tem 500 partes de enxofre por milhão nas grandes cidades e 2.000 no interior do país. A gasolina tem 1.000 ppm. Porém o diesel preocupa mais porque é um composto mais pesado; as partículas emitidas são mais danosas à saúde humana.

Se a regulação do Conama, enfim, entrar em vigor no ano que vem, o nível de enxofre cairá para 50 ppm tanto no diesel das grandes cidades quanto no do interior. Mesmo quando chegarmos lá, estaremos atrás do México, que hoje são 50 ppm e, no ano que vem, vai para 15. Taiwan chegou aos 50 ppm há 4 anos. No Canadá, que tem um petróleo pesado, eram 340 ppm, hoje são 30. São vários os países grandes e médios que já vêm atingindo níveis cada vez menos nocivos.

Este caso contém os sinais de vários defeitos do Brasil: o excessivo poder da Petrobras; a ineficiência dos órgãos regulatórios, principalmente da ANP; o descaso com a saúde do cidadão; o lobby da indústria automobilística. O Conama deu um enorme prazo para que a sua determinação fosse cumprida, mas a Agência Nacional do Petróleo, que teria de informar as especificações técnicas dos combustíveis, deixou o tempo correr. Só em outubro e, após muita pressão de entidades como o movimento Nossa São Paulo, OAB, Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo, entre outros, divulgou as especificações.

Começou então um movimento para adiamento da entrada em vigor da resolução, marcada para janeiro de 2009. Ou, pelo menos, para uma implantação gradual. As entidades reagiram. O Ministério do Meio Ambiente avisou que não vai aceitar adiamentos. Na sexta-feira mesmo, o ministro Carlos Minc reiterou isso, dizendo que exigirá compensações da Petrobras e da Anfavea caso elas não cumpram o prazo. Procurada pela coluna, a Petrobras garantiu, também na sexta-feira, por escrito, que "a Companhia vai fornecer o diesel 50 ppm a ser utilizado pelos veículos com tecnologia P-6 da resolução 315. Este produto já está inclusive disponibilizado pela companhia para testes por parte da indústria automobilística".

Este diesel cheio de enxofre é o principal culpado pela poluição gerada pelo trânsito. A poluição causa várias doenças respiratórias e até câncer de pulmão; 5% dos casos são causados pela poluição. No mundo, 2 milhões de pessoas morrem por ano com doenças decorrentes da poluição do ar.

O professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, coordena um levantamento que mede a incidência de poluição em grandes cidades: Recife, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Segundo ele, o monitoramento era muito falho, o que faz com que se argumente, muitas vezes, que só São Paulo e Rio têm problemas com a poluição:

— Todas essas cidades em que fizemos a pesquisa estão com níveis acima do que é recomendado mundialmente. Apenas Recife está só um pouco mais alto.

O professor fez uma conta considerando a população economicamente ativa, entre 20 e 60 anos, na região metropolitana de São Paulo; ele chegou a um custo de US$ 1,5 bilhão, por ano, por causa de problemas decorrentes da poluição. Ainda que só 10% da frota sejam a diesel, esse combustível é o responsável por 50% das emissões do material particulado fino, que forma a fumaça preta, que é um dos maiores responsáveis por mortes e doenças respiratórias do país. De acordo com Paulo Saldiva, a poluição é a causa de cerca de 400 mortes por ano só na cidade de São Paulo.

O professor Roberto Schaeffer, da Coppe, pondera que o problema da poluição não é apenas o diesel nos ônibus e caminhões. O carvão como fonte de energia emite muito enxofre. É uma importante parte da matriz energética da Europa, da China e da Índia:

— O mais importante é a concentração de poluente no ar. O Brasil hoje é relativamente menos poluído devido à matriz energética.

Quem respira o ar de São Paulo dificilmente concordaria com isso. Não precisa ser especialista em saúde para saber que respirar enxofre provoca vários danos aos seres humanos. Não precisa ser economista para saber que isso representa maior custo fiscal, pelo impacto na Saúde. Não precisa ser especialista em regulação para saber que alguma coisa está errada num país em que a determinação de um conselho ambiental feita com tanta antecedência precisa da pressão da sociedade civil, dos especialistas, dos ambientalistas, para que se tenha esperança de que ela será cumprida.

A Petrobras, em sua nota, disse que vem retirando gradativamente o teor de enxofre do diesel e da gasolina desde o começo dos anos 90 e garante que investiu US$ 1,6 bilhão de 2000 a 2007 para melhorar a qualidade dos combustíveis.

Não há razão para novos adiamentos, a tecnologia de redução de enxofre já está dominada e é um imperativo de saúde pública.