Valor Econômico - 13/11/2009
Mário Torós, diretor de política monetária do BC, revela piores momentos da turbulência financeira no Brasil e detalha corrida bancária com saques estimados em R$ 40 bi em apenas uma semana e ataque especulativo de US$ 5 bilhões em dezembro de 2008
O Brasil sobreviveu à crise financeira internacional, mas a economia correu riscos muito mais graves do que revelam os discursos oficiais. O país sofreu um ataque especulativo em dezembro de 2008 e os bancos pequenos e médios enfrentaram uma corrida, com saques estimados em R$ 40 bilhões em apenas uma semana.
Os contratos das empresas exportadoras com derivativos cambiais somaram US$ 38 bilhões e os prejuízos, divididos com os bancos, foram contabilizados em US$ 10 bilhões.
O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, por pouco não foi demitido às vésperas de o país ser arrastado pela turbulência internacional.
Essas histórias são contadas agora por um de seus personagens centrais. Graças à sua posição privilegiada, o diretor de política monetária do BC, Mário Torós, conhece como poucos os detalhes e motivações das mais importantes decisões tomadas pelo governo. O Valor checou, confrontou e complementou as informações com outras autoridades que estavam na cabine de comando e ouviu fontes técnicas que assessoraram todo o processo.
Torós comandou as mesas de câmbio e juros e os recolhimentos compulsórios numa turbulência que dizia respeito essencialmente às atividades do BC - a crise, originada nos Estados Unidos, atingiu o crédito, a liquidez dos mercados e o valor das moedas. O Ministério da Fazenda agiu numa etapa seguinte, em que a política fiscal tomou a dianteira. para evitar uma recessão mais grave no país
Até a quebra do banco Lehman Brothers, a sensação dentro do governo e mesmo no Banco Central era de que o Brasil seguiria incólume em meio à crise internacional. Tudo mudou no dia 14 de setembro de 2008, um domingo. Torós descansava com a família em seu sítio em Ibiúna, na Grande São Paulo. Por e-mail, recebeu as primeiras informações sobre a falência do Lehman, o quarto maior banco dos Estados Unidos.
Ao retornar para seu apartamento no bairro de Higienópolis, em São Paulo, ele acessou seu terminal "Anywhere" da Bloomberg e, ali, tomou conhecimento de que, em pleno domingo, os bancos americanos estavam fazendo "troca de chumbo". Em bom português, faziam um inventário de perdas e danos relacionados à falência do Lehman, um sinal, para Torós, da maior gravidade.
Às 19h50, o diretor recebeu um e-mail, endereçado a ele e ao presidente Henrique Meirelles, enviado pelo diretor de política econômica do BC, Mário Mesquita. A mensagem era lacônica: "Últimas do domingo: BofA [Bank of America] vai comprar a Merrill [Lynch], Lehman vai pedir falência...". Torós não tinha mais dúvida de que a crise internacional se aprofundaria e que, no dia seguinte, seria "um Deus nos acuda".
Mário Mesquita, diretor de política econômica, compôs, com Meirelles e Torós, o gabinete da crise, desde o começo; a partir dali, nenhum dos três tomaria decisões sem consultar os outros
Daquele momento em diante, não tirou mais os olhos do terminal da Bloomberg. Às 22h29, enviou mensagem a Meirelles e a Mesquita, antecipando expectativas de variação no dia seguinte da bolsa americana, petróleo e dólar. Às 6h49 do dia 15, Mesquita, responsável pelo acompanhamento da inflação no BC, indagou a Torós se o real se desvalorizaria naquele dia.
Ainda na noite de domingo, o diretor de política monetária tomou uma providência. Telefonou para os funcionários do BC que cuidam das reservas cambiais e trabalham, inclusive aos domingos, no acompanhamento de mercados do outro lado do planeta, como Japão e Austrália. Ele queria saber se havia algum risco relacionado aos acontecimentos nos EUA. Eles responderam: "Não, não temos nenhum risco. Está tudo tranquilo".
Torós sabia que o perigo de perda na aplicação de reservas era pequeno ou inexistente porque, em dezembro de 2007, quando a turbulência lá fora já havia feito suas primeiras vítimas no sistema bancário, ele ordenara que fossem zeradas as exposições a bancos no mercado americano e no resto do mundo. "Não tínhamos nada com o Lehman", diz ele, demonstrando certo alívio porque, até hoje, não há nenhum limite para aplicação em bancos americanos.
O gabinete da crise
A intensa troca de informações na noite do dia 14 de setembro consolidou o gabinete da crise, integrado por Meirelles, Torós e Mesquita. A partir dali, os três não deram mais um passo sem consultar os outros dois, sempre sob o comando do presidente do Banco Central. Aos poucos, outros funcionários da instituição, além do então secretário de assuntos institucionais do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, colaboraram com ideias, soluções e estratégias para enfrentar aquela que é considerada a mais grave crise financeira desde a Grande Depressão de 1929.
O carioca Mário Torós, 46 anos, torcedor fanático do Fluminense, foi o principal operador do governo na crise. Economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reduto dos economistas "desenvolvimentistas", Torós fez mestrado em administração na Coppead, defendendo tese sobre "O Estágio de Diversificação dos Grupos Individuais Brasileiros". Ao longo da carreira, porém, ele se afastou da indústria e se aproximou dos bancos, onde se especializou em gestão de risco.
Luiz Gonzaga Belluzzo teria reagido positivamente à sondagem de Lula para presidir o BC; amigos dizem que ele teria declinado, alegando que o mercado financeiro não o aceitaria
"Sou um gestor de risco que não gosta de esportes radicais e tem medo de andar em montanha russa", brinca o diretor. Ex-colegas do sistema financeiro afiançam que seu grande talento é ler os mercados a partir de seus fundamentos e do seu funcionamento cotidiano. Foi com essas aptidões que Torós subiu rápido no banco Santander, em 14 anos de carreira, chegando à vice-presidência de tesouraria. Ele estava em Londres, como diretor de mercados emergentes, quando explodiu a crise russa. Na ocasião, não perdeu um centavo porque, antes da moratória, ocorrida em agosto de 1998, desaplicou o que o banco tinha investido em Moscou. Desde abril de 2007, comanda a política monetária e cambial do BC.
Também torcedor do Fluminense, Mesquita, 44 anos, foi colega de Torós na UFRJ. É o principal macroeconomista do governo. Vê, em tudo, uma explicação macro, relata um amigo próximo. É um conciliador, que estabeleceu, inclusive, ao contrário de Torós, um diálogo com o Ministério da Fazenda. "Ele é muito menos ortodoxo do que escrevem, apesar de ser liberal", diz esse amigo.
Torós e Mesquita estão no BC porque Henrique Meirelles, o chefe, os levou para lá. Ex-banqueiro, 64 anos, Meirelles tem, segundo seus pares, profundo conhecimento do negócio bancário e isso teria ajudado muito no enfrentamento da crise. Subestimado quando assumiu o comando do BC, em janeiro de 2003, superou crises para se manter no cargo. Venceu hostilidades dentro do próprio governo. "Meirelles aprendeu ao longo dos anos a função de banqueiro central, o que, conjugado ao seu brilhantismo, faz dele um dos mais respeitados do mundo", elogia um integrante do governo que pediu para não ser identificado. "Ele tem uma inteligência arguta."
A demissão na véspera
Lula aceitou os argumentos de Meirelles e autorizou o uso das reservas em leilões de dólares, depois que o ministro Guido Mantega provocou a alta da moeda americana ao dizer que o presidente não concordaria com aquela medida
Ironicamente, Meirelles quase foi demitido na véspera da fase mais aguda da crise internacional. A crise lá fora já começava a tomar proporções gigantescas - em março de 2008, o Bear Stearns quebrou e foi absorvido pelo JP Morgan - quando o Banco Central constatou que a economia brasileira estava superaquecida e, portanto, seria necessário subir os juros.
Os números da economia eram amplamente positivos. Apesar da crise lá fora, o país tinha crescido 6,1% no ano anterior, a criação de emprego formal era recorde e o investimento liderava a alta do PIB. Em abril, o Comitê de Política Monetária (Copom) promoveu o primeiro aumento de juros em três anos. A decisão teve péssima repercussão no governo.
Alguns dias antes da decisão do Copom, Mário Mesquita sinalizou, em entrevista, que os juros teriam que subir. Na semana seguinte, durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmara, numa clara resposta a Mesquita, que "neoliberal tem medo de crescimento".
O ambiente no governo azedou e o presidente Lula, numa audiência com Meirelles, criticou o aumento dos juros. O temor de Mantega e do presidente era de que o crescimento em curso fosse abortado. Meirelles começou a dizer a seus assessores mais próximos que a situação estava ficando insustentável. "Vamos sair, não dá mais", disse o presidente do BC. No Palácio do Planalto, crescia a ideia de substitui-lo pelo professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, considerado um guru dos economistas "desenvolvimentistas".
Lula sabia que aquele seria um passo ousado. Chamou Belluzzo para uma conversa e fez-lhe uma sondagem, não necessariamente um convite - ele ainda precisava demitir Meirelles. Belluzzo teria reagido positivamente à oferta. Amigos próximos relatam que ele teria declinado, alegando que o mercado financeiro não o aceitaria. Outras fontes de Brasília contam uma história diferente. Belluzzo não só teria aceitado, mas também começado a montar sua equipe.
Sem querer demitir Meirelles pura e simplesmente, Lula operou para que o presidente do BC tomasse a iniciativa de sair. Numa conversa reservada, disse a Meirelles que ele não deveria fechar as portas de uma carreira política em Goiás. O presidente do BC entendeu o conselho como algo positivo, mas levou um susto ao ler num jornal, dias depois, informação atribuida ao Palácio de que teria ido a Lula comunicar sua candidatura ao governo de Goiás em 2010.
A estratégia funcionou. Diante das pressões da Fazenda e dos subterfúgios de Lula, Meirelles visitou o presidente no Alvorada, num domingo de abril de 2008, e entregou o cargo. Para sua surpresa, Lula virou-se para ele e disse: "Esquece esse troço, Meirelles". Desde então, nunca mais o presidente deixou de apoiar o auxiliar. Belluzzo, por sua vez, assumiu a presidência da Sociedade Esportiva Palmeiras.
O ataque especulativo
No dia 5 de dezembro de 2008, uma sexta-feira, quando muitos no governo e mesmo no mercado achavam que o pior da crise já havia passado, o Brasil sofreu um ataque especulativo, promovido, segundo fontes do mercado, pelo Moore Capital Management, "hedge fund" com sede em Nova York. Torós não confirma o nome do fundo nem se o movimento teve a participação de outros fundos, mas revela o tamanho do ataque - US$ 5 bilhões - e a estratégia, passo a passo, da defesa adotada pelo Banco Central.
O ataque foi sorrateiro. A taxa de câmbio disparou e bateu na máxima de R$ 2,62. Ninguém, nem o BC, sabia o que estava acontecendo. Os telefones de Torós não paravam de tocar. Era gente do mercado informando que faltava liquidez na praça. A primeira providência foi descobrir o nome do banco que atuava pesadamente no mercado. A identidade do cliente durante as longas horas do ataque contra o real permaneceu desconhecida.
A estratégia do Moore, fundo aberto em 1989 por Louis Moore Bacon, ex-operador do Lehman Brothers, era levar a taxa de câmbio a R$ 3,00. Para atingir seu objetivo, tentou seduzir outros participantes do mercado a se juntar na empreitada. Se o plano desse certo, o BC seria obrigado a queimar parcela significativa das reservas cambiais para proteger a moeda nacional. O "hedge fund" e seus seguidores ganhariam uma fortuna da noite para o dia. O risco que o país corria era perder o seu principal seguro anticrise.
Torós conta como reagiu à investida: "Machuquei o mercado inteiro. Às 15h30, a taxa de câmbio chegou a R$ 2,62 e, aí, eu tive que operar. Chamei um leilão de venda de dólar e, ao mesmo tempo, mandei deixar pronta uma proposta de leilão de 'swap' de US$ 2 bilhões", relembra. A tática era quebrar a lógica altista em formação no mercado.
Anunciado o leilão de venda de dólar à vista, os bancos entregaram ao BC suas propostas de compra com preços elevados. Antes de comunicar por quanto venderia as reservas, no entanto, Torós convocou um leilão de "swap" cambial, ou seja, uma venda de dólar no mercado futuro. A intenção era inundar o mercado, forçando a cotação para baixo. A artilharia foi pesada: no "swap", o BC despejou US$ 1,326 bilhão, e US$ 1 bilhão no mercado à vista.
A guerra particular de Torós com os especuladores não terminou. A cotação do dólar caiu naquele dia e ele se convenceu de que vencera o primeiro dia do confronto, mas não a batalha. O banco que havia operado com o "hedge fund" informou ao BC que vendera US$ 5 bilhões.
A informação tirou o sono do diretor do BC no fim de semana dos dias 6 e 7 de dezembro de 2008. "Fiquei muito preocupado", confessa. Não era para menos. O BC gastou US$ 2,3 bilhões do seu arsenal e ainda havia US$ 2,7 bilhões na cartucheira do Moore Capital, ou seja, restava um buraco considerável a ser tapado, uma bomba-relógio que poderia explodir na reabertura dos mercados.
Na segunda-feira, o diretor do BC assumiu a mesa de câmbio preocupado com a possibilidade de outros fundos montarem posições para derrubar o real. "Entrei preparado para baixar o cacete", relata Torós. Não foi preciso. A ação do BC na sexta-feira traumatizou muitos operadores de câmbio. O mercado compreendeu que o Moore Capital fizera uma aposta errada. Cinco dias depois, o fundo zerou suas posições.
"Se o fundamento (da aposta do 'hedge fund') estivesse correto, não entrariam 5, mas US$ 50 bilhões", reconhece Torós. Ele explica que operações especulativas de "hedge funds" são legítimas. Não há nada ilegal nelas. O problema, no caso daquela aposta de 5 de dezembro, é que ela se baseou numa percepção equivocada da realidade do país naquele estágio da crise - a de que ainda não havia se chegado ao fundo do poço das operações com derivativos cambiais.
O pesadelo dos derivativos
Os derivativos se revelaram, logo depois da quebra do Lehman Brothers, um dos problemas mais graves da turbulência no Brasil. O risco era de quebradeira de grandes empresas exportadoras. Os bancos tinham musculatura suficiente para absorver as perdas, mas talvez não sobrevivessem a uma crise de confiança provocada pelas desastrosas operações.
Em 2007, vários exportadores passaram a apostar que a tendência da moeda brasileira era de se valorizar em relação ao dólar. Como o BC estava em franco processo de acumulação de reservas - que ultrapassaram o valor simbólico de US$ 200 bilhões em junho de 2008 -, eles achavam que o governo jamais deixaria a taxa de câmbio subir acima de determinado patamar. A aposta predominante era de que a cotação do real não iria além de R$ 1,90. Se não ultrapassasse esse valor, eles ganhariam um bom dinheiro; se excedesse, perderiam.
Essas operações não são monitoradas pelo Banco Central, cuja missão é zelar pela saúde do sistema financeiro. A preocupação do BC era com o possível rebate das apostas sobre a carteira de crédito e na reputação dos bancos, disseminando mais incertezas quando os mercados já estavam virados de ponta-cabeça. É tarefa da Comissão de Valores Mobiliários, o xerife do mercado de ações no Brasil, colher informações sobre derivativos contratados por empresas de capital aberto.
Já em 2007, o BC percebeu que havia um movimento frenético de fechamentos de operações de ACC (adiantamento sobre contrato de câmbio), operação em que o exportador antecipa suas vendas em troca de um crédito bancário em dólar. Essas operações financeiras superavam em muito o embarque físico de exportação, levando o BC a se convencer de que havia algo mais ocorrendo naquele momento. Constatou-se, mais adiante, que as empresas faziam o ACC e se alavancavam com a venda de dólares no mercado futuro.
Os derivativos derrubavam ainda mais a cotação do dólar, que já vinha sofrendo um processo de desvalorização no mercado internacional, agravado pelo início da crise de crédito nos países ricos em julho de 2007. A ironia é que, ao realizarem aquelas operações, os exportadores, os mesmos que reclamavam diuturnamente da apreciação da taxa de câmbio, estavam contribuindo para valorizar ainda mais o real frente ao dólar. Em tese, eles perdiam com a taxa de câmbio apreciada, mas ganhavam com os derivativos.
A ciranda com os derivativos ia bem, mas os apostadores subestimaram o tamanho da crise que se formava lá fora e seus possíveis impactos sobre a economia brasileira. "As empresas e alguns bancos partiam do pressuposto de que o único determinante da taxa de câmbio no Brasil é o diferencial de taxa de juros. Repeti 'n' vezes em público que, de fato, o diferencial de juros é um elemento que determina o câmbio num país, mas não é o único. Sobretudo, num país emergente, a aversão a risco é outro fator", observa Torós.
Enquanto o real permaneceu forte, os apostadores ganharam muito dinheiro. Tudo mudou, no entanto, a partir de 15 de setembro de 2008, uma segunda-feira, dia seguinte à quebra do Lehman Brothers. O dólar tomou outro rumo e os jogadores de derivativo se viram, da noite para o dia, encrencados. Rapidamente, a moeda americana, que havia escorregado para quase R$ 1,55 em agosto daquele ano, venceu a barreira do R$ 1,90.
A choradeira não demorou a começar. Apenas dois dias depois da quebra do Lehman, a caixa de e-mails do diretor de política monetária do BC ficou abarrotada de mensagens de diretores de grandes empresas e de operadores de bancos, com súplicas de intervenção da autoridade no mercado para reduzir as perdas que suas empresas estavam prestes a sofrer. As mensagens tinham um tom dramático.
Num desses e-mails, com data de 17 de setembro de 2008, o diretor financeiro de uma grande companhia exportadora deu informações úteis ao Banco Central. Revelou que as empresas haviam utilizado instrumentos tradicionais na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) "para se proteger da apreciação cambial" (sic). Os instrumentos eram derivativos e operações de "swap" - "sell target" e "dual currency". Os bancos estrangeiros estavam oferecendo esses produtos lá fora e trouxeram a tecnologia para o Brasil - em troca dos derivativos, concediam juros mais camaradas às empresas em operações casadas de crédito.
O autor da mensagem alardeou o risco de disrupção. O objetivo era convencer o BC a vender dólares o mais rápido possível. Alegava, inclusive, a possibilidade de uma crise bancária, uma vez que as empresas perdedoras estavam resgatando CDBs emitidos por bancos pequenos e médios, criando-lhes dificuldades de caixa e descasamento entre ativos e passivos.
"Com a atual volatilidade diante de uma crise internacional, as empresas estão perdendo substancial patrimônio líquido e caixa de forma acelerada. Entretanto, o efeito é dominó, pois as empresas são obrigadas a resgatar CDBs em bancos normalmente de médio porte. Conversando com diversas empresas hoje, senti que estamos diante do chamado efeito manada", diz o e-mail ao qual o Valor teve acesso. No trecho seguinte da mensagem, o autor fala dos riscos de uma possível destruição de empregos.
"A volatilidade assusta e leva a decisões precipitadas. Vale lembrar que as empresas são indústrias que geram renda e empregos. Só quem ganha com essa volatilidade são os especuladores, que estão sendo os grandes vitoriosos. E nós, que produzimos, estamos sendo brutalmente penalizados. Crédito como ACC praticamente está desaparecendo, até para as grandes empresas", prosseguiu o missivista para, em seguida, fazer o arremate: "Eu estou certo de que a única solução para tranquilizar o mercado e reduzir a volatilidade seria [o BC] realizar imediatamente alguns leilões de venda de dólar".
Nos dias seguintes à falência do Lehman, apelos com o mesmo teor chegaram ao diretor do BC, vindos de todos os lados - dos bancos, dos empresários e até do governo. O BC, pediam, tinha que entrar no mercado vendendo reservas para conter a desvalorização do real. A todos os interlocutores, Torós deu a mesma resposta: o regime de câmbio é flutuante e o BC não faria intervenções naquele momento, antes de saber a dimensão da crise.
"O Meirelles estava viajando e mandei um e-mail para ele, dizendo: 'Olha, estou na seguinte situação. Estou cheio de exportador querendo que eu venda dólar, e falei que não vou vender, deixa o câmbio ajustar'." Na primeira semana da crise - de 15 a 19 de setembro de 2008 -, a única intervenção feita pelo BC no mercado foi a venda de dólar com recompra. A meta era abastecer o mercado interbancário, que estava sem liquidez.
"Comigo não tem Marka, Fonte-Cindam"
Preocupado com a pressão e como Meirelles estava fora do país, Torós decidiu telefonar para o ministro Guido Mantega. Durante a conversa, explicou as razões que o levavam a não intervir no câmbio naquele momento. "O governo apoiou totalmente o Banco Central, não teve nenhuma pressão", assegura o diretor. A um amigo próximo, Torós fez o seguinte comentário na ocasião: "Comigo não vai ter Marka, Fonte-Cindam, não!". Ele se referia ao polêmico episódio em que o BC vendeu dólares supostamente mais baratos para salvar dois bancos durante a maxidesvalorização do real, em 1999.
A crise dos derivativos assombrou as autoridades durante 81 dias - de 15 de setembro a 5 de dezembro, quando houve o ataque especulativo. Nas primeiras semanas da crise, as autoridades não faziam ideia do tamanho do estrago. A preocupação do BC sempre foi com os reflexos do problema na saúde dos bancos.
"O BC não tinha o tamanho do negócio. A BM&F tem dados de empresas não financeiras, mas essas operações não são feitas no mercado organizado. São operações de balcão, feitas e registradas na Cetip. Pode-se até dizer que é uma falha, mas, em vista da falta de informação que o mundo tinha naquele momento da crise, essa é uma falha mínima", sustenta Torós.
Desde o início, o diretor de política monetária acreditou que o problema dos derivativos não era sistêmico. Dizia respeito a poucas empresas e os bancos tinham capital suficiente para absorvê-lo. Hoje, pela primeira vez, ele revela o tamanho da exposição das empresas a posições vendidas em dólar: "Era uma posição de US$ 38 bilhões [equivalentes a R$ 65 bilhões ou mais de 18% das reservas cambiais]". As perdas propriamente ditas, revela, foram bem menores - de aproximadamente US$ 10 bilhões.
"O grande problema era como desfazer a imagem de que aquilo era um problema sistêmico. Não tinha como mostrar. Tinha primeiro que conhecer o drama para depois dar a demostração", diz Torós. O teste do dano de imagem veio com o ataque especulativo de 5 de dezembro. Vencida aquela batalha, não se falou mais em derivativos.
A corrida bancária
O Banco do Brasil comemorava 200 anos num domingo, 12 de outubro de 2008, com um show de Caetano Veloso e Bebel Gilberto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. No prédio do Banco Central, na avenida Paulista, em São Paulo, a diretoria da instituição mantinha reuniões com os principais banqueiros do país para tentar estancar uma corrida bancária que, mantida na intensidade de dois dias antes, poderia arrasar o sistema financeiro e, junto com ele, levar a economia para uma depressão.
No intervalo do show, o então presidente do BB, Antônio Francisco Lima Neto, recebeu uma ligação de um diretor do BC. Na conversa, ouviu que, para o bem de todo o sistema financeiro, era fundamental que o mercado mantivesse a normalidade no dia seguinte, sobretudo na contratação de empréstimos interbancários. Lima Neto ficou sabendo que, na sexta-feira, 10 de outubro, o Banco Votorantim sofrera pesados saques e, segundo o relato de executivos daquela instituição, não conseguiria fechar o caixa no dia seguinte, caso a perda de depósitos se mantivesse.
"Há alguma chance de eles venderem o banco?", perguntou Lima Neto ao seu interlocutor. O diretor do BC disse que sim e a conversa terminou. Minutos depois, sem perder tempo, Lima Neto abandonou por instantes o show de Caetano e Bebel e ligou de volta para o diretor do BC. "Não espalha essa história do Votorantim", suplicou. Dois meses depois, o BB comprou metade do Votorantim por R$ 4,2 bilhões, tornando-se um dos principais atores no mercado de financiamento de automóveis.
A corrida bancária que ocorreu, sobretudo no dia 10 de outubro, foi um dos momentos mais dramáticos da crise no Brasil, fato mantido até agora sob sigilo. "Esse foi o grande problema", diz Torós, sem mencionar os bancos envolvidos na corrida. "Mais grave até que os derivativos cambiais." Segundo ele, foi algo que ocorreu no mundo todo. "Ouvíamos histórias de pessoas que sacavam dinheiro no Chase Manhattan para comprar ouro. No Brasil, foi algo muito menor. Os grandes foram pouco ou nada afetados. O problema foi com os pequenos e médios."
Os bancos menores começaram a perder depósitos, sobretudo, os mantidos por fundos de investimentos, já nos dias seguintes à quebra do Lehman. "Foi tudo muito rápido. Os fundos que aplicavam nesses bancos ficaram com medo de uma recessão e da deterioração das carteiras de crédito. No quinto dia [depois da quebra do Lehman Brothers] já tinha gente gritando aqui [no BC]", conta Torós.
Jogando dinheiro do helicóptero
A primeira reação do BC, para salvar os bancos pequenos, ocorreu na semana seguinte, com a liberação de R$ 13,2 bilhões em depósitos compulsórios. "Jogamos dinheiro do helicóptero para combater a crise de liquidez", assinala Torós. "Nossa fiscalização deu uma boa olhada no balanço desses bancos. Ao contrário do que acontecia no exterior, eles tinham carteiras de crédito sólidas, formadas principalmente por empréstimos compulsórios e financiamentos de veículos." O problema era a falta de liquidez.
Nas duas semanas seguintes, o BC continuou liberando compulsórios, além de criar incentivos para os bancos grandes comprarem as carteiras de crédito dos pequenos. Em outubro, porém, com a corrida bancária em nível global, a crise ganhou maiores proporções no Brasil, atingindo também os bancos médios. Estima-se que, na semana do pânico, cujo pior momento foi o dia 10, cerca de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões migraram de bancos pequenos e médios para os grandes.
O Banco Votorantim, com sólida carteira de veículos e de empréstimos a empresas, foi atingido porque seu nome estava associado ao grupo Votorantim, que havia registrado perdas com derivativos cambiais. O Banco Safra, também detentor de carteira muito sólida, foi contagiado porque tinha participação na Aracruz Celulose, empresa que registrou as maiores perdas com derivativos. Os dois bancos sofreram saques naqueles dias.
No dia 10 de outubro de 2008, uma sexta-feira, estava absolutamente claro que seria necessário um pacote de medidas para conter a sangria dos bancos. Torós não tem dúvida de que aquele foi o pior dia da crise. Para fazer um diagnóstico da gravidade da situação, foram fundamentais os contatos que Meirelles, executivo do BankBoston por três décadas, tinha no mercado bancário. Torós, egresso do Banco Santander, também buscava suas próprias informações, como Mesquita, que igualmente tinha experiência no sistema financeiro.
Todas essas peças se somavam às apurações da mesa de câmbio do BC. "O telefone não parava de tocar, com todo mundo reclamando que as coisas estavam muito ruins", recorda Torós. "Checávamos as informações, com a ajuda da fiscalização do BC." O sistema de pagamentos, operado pelo departamento de operações bancárias, vinculado a Torós, fornecia informações valiosas. "Sabíamos como estavam os caixas dos bancos antes de eles próprios fecharem os seus caixas."
Identificado o buraco na liquidez do sistema financeiro, entrou em cena o chefe do departamento de operações bancárias e de sistema de pagamentos, José Antônio Marciano, com seu computador que simulava quanto dinheiro era liberado e quais bancos eram beneficiados com medidas de cortes de depósitos compulsórios. "Ficávamos todos dentro da sala, em volta do computador, até decidir qual medida teria exatamente o efeito desejado", relata Torós. Decidido o volume de dinheiro a liberar, entraram em cena dois diretores de carreira do BC - Antônio Gustavo Matos do Vale (liquidações) e Anthero de Moraes Meirelles (administração) - para ajudar a transformar as decisões em circulares e resoluções. "Não sei fazer isso. A participação desses diretores foi fundamental", reconhece Torós.
O trabalho avançou até a noite do dia 10. No dia 11, um sábado, Torós trocou e-mails com a equipe do BC, entre uma partida de tênis e outra no sítio de Ibiúna. Os trabalhos foram retomados no prédio do BC em São Paulo, no domingo.
Meirelles, que estava em Washington, antecipou o regresso para participar da preparação das medidas a serem anunciadas na reabertura dos mercados no dia 13 de outubro, segunda-feira. No domingo, dia 12, ele se reuniu com os principais banqueiros do país, aí incluídos os do Bradesco, Itaú, Unibanco, Santander e HSBC, e colocou sobre a mesa a importância de se manter a liquidez no sistema bancário. Seu apelo era para que os bancos não cortassem as linhas de empréstimos interbancários e muito menos para os pequenos e médios.
O domingo foi um dia intenso. A redação das medidas avançou até 2 horas da madrugada de segunda-feira. Concluído o trabalho, sem que ninguém tivesse certeza da eficácia do pacote preparado, Torós voltou dirigindo seu Passat Variant da avenida Paulista até Higienópolis. No caminho, teve pela primeira vez a sensação de solidão e, ao mesmo tempo, de estar no centro de um furacão que poderia atingir as vidas de milhões de pessoas.
"Redigir uma minuta de circular é um trabalho muito árido, não há espaço para filosofia", pondera. "Mas ao olhar as poucas pessoas que estavam nas ruas de madrugada, deu para sentir a responsabilidade da situação. Havia uma corrida bancária mundial. Ninguém tinha a menor noção do que estava acontecendo."
A salvação dos bancos
Na manhã do dia 13, o BC anunciou que estava disposto a liberar até R$ 100 bilhões em depósitos compulsórios, além de medidas para injetar dinheiro nos bancos médios. No exterior, alguns governos anunciaram que dariam garantias ilimitadas aos depósitos bancários e os bancos centrais das principais economias divulgaram medidas para ampliar a liquidez dos bancos. "Conseguimos um alívio", diz Torós.
Nas semanas seguintes, o problema de liquidez dos bancos pequenos foi sendo resolvido com a ajuda da venda de carteiras aos grandes. Essa foi a segunda etapa da ação para resgatar o sistema bancário. Na primeira, o BC inundou o mercado com liquidez. Agora, fazia o dinheiro chegar a quem mais precisava - os bancos pequenos e médios - com medidas de incentivo e de pressão para a compra de carteiras de crédito. O mercado também ajudava a resolver seus próprios problemas. O Unibanco, vítima de uma corrida bancária originada em suas agências de Brasília, foi comprado pelo Itaú, que se tornou o maior banco privado do país.
Um novo caminho para aquisições bancárias foi aberto por uma medida provisória formulada pelo Ministério da Fazenda, autorizando bancos públicos a comprarem instituições privadas. Foi uma iniciativa apenas da Fazenda, sem a participação do BC, o que levantou a suspeita de que a medida tinha o objetivo apenas de aumentar a presença do Estado no sistema financeiro. Foi essa MP que viabilizou o casamento do Votorantim com o BB. "O BC estava com medo de socorrer diretamente os bancos", avalia uma fonte que participou das discussões. "A Fazenda criou esse instrumento para ser usado numa emergência."
O mercado bancário só se recuperou de fato em 2009, quando foi criado um seguro-depósito especial (o DPGE), operado pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). O novo instrumento passou a cobrir valores de até R$ 20 milhões. O seguro foi elaborado pelo então secretário de assuntos institucionais da Fazenda, Bernard Appy, num raro momento em que um integrante da Fazenda trabalhou em parceria com o BC para evitar uma crise bancária.
O curioso é que Appy pediu para trabalhar na formulação do novo instrumento. "Bernard Appy foi um grande contribuidor", elogia Torós. Com esse instrumento, os bancos voltaram a captar no mercado e, dessa forma, a andar com as próprias pernas.
Os 20 telefones de Torós
A vida do diretor de política monetária do BC, Mário Torós, gira em torno dos leilões de câmbio. Só ele pode dar sinal verde para comprar reservas internacionais quando sobram dólares no mercado, ou para vender moeda, quando falta. Os horários de seus voos são agendados em função dos leilões e, quando Torós está fora dos escritórios do BC, as operações são autorizadas por telefone. Ele tem cerca de 20 números diferentes de celulares, um pesado esquema de segurança para evitar a interceptação de mensagens.
Naquele 8 de outubro de 2008, porém, quando os mercados estavam tomados por uma onda de pânico, só o presidente da República tinha poderes para autorizar a venda de reservas. E ele não queria. Lula havia dado todo o apoio ao processo de acúmulo de divisas, que via como um seguro contra choques externos. Mas, gastá-las, dizia, só em último caso, ainda mais numa crise da qual ninguém conhecia o tamanho e a duração. A avaliação intuitiva do presidente coincidia perfeitamente com a visão do BC, que não pretendia queimar as reservas para defender uma determinada taxa de câmbio.
A resistência do BC e do presidente da República em queimar reservas era, até então, uma informação estratégica, mantida em segredo dentro do governo. O mercado não podia saber, em hipótese alguma, que o BC negaria munição. Mas no dia 6 de outubro, uma segunda-feira, o ministro Guido Mantega disse, em entrevista, que Lula proibira o BC de gastar reservas. O efeito no mercado foi imediato. A cotação do dólar saltou de R$ 2,19 para R$ 2,45 em menos de 48 horas. O ingrediente final foi uma corrida bancária, que se originou em outros países do mundo e atingira o Brasil. Torós fez seu diagnóstico definitivo: era preciso vender dólar no mercado à vista. E imediatamente.
Henrique Meirelles foi pessoalmente pedir autorização a Lula, na manhã de 8 de outubro. Torós instruiu que a mesa de câmbio do BC deixasse tudo pronto para fazer o leilão o mais rápido possível. Lula aceitou os argumentos de Meirelles. Torós estava livre para operar. Às 10h13, foi convocado o primeiro leilão, seguido por mais dois, às 10h43 e às 11h29. "Fiz leilões até o mercado se cansar", recorda Torós. O BC despejou US$ 1,287 bilhão no mercado e, dali em diante, passaria a fazer vendas quase diárias de dólar.
Na crise, criou-se o consenso de que o Brasil se saiu melhor na área cambial do que outros países emergentes - e até desenvolvidos. O sucesso resultou de uma estratégia cuidadosamente colocada em ação por Torós e a mesa de câmbio do BC. Eles adotaram algumas regras básicas. Primeiro, nunca entrar numa camisa de força de regras fixas e pré-anunciadas de intervenção, para evitar que o mercado "engolisse" o BC.
"Quando o fluxo de capitais é livre, se o BC dá uma previsão de que vai vender R$ 300 milhões, o mercado engole o BC porque o mercado é sempre maior do que qualquer banco central", diz Torós. O segundo princípio é não gastar toda a munição de uma só vez. "Sempre tivemos em mente que não podíamos gastar todos os instrumentos. Não sabíamos o tamanho nem a duração da crise." Terceira diretriz básica: respeito ao câmbio flutuante, deixando o próprio mercado definir a taxa de câmbio.
Outros países não tiveram um desempenho tão bom. Seguindo a cartilha do Fundo Monetário Internacional, que defende que os BCs tenham estratégias transparentes de intervenção nos mercados cambiais, o México anunciou um sistema em que entrava vendendo montantes fixos de dólares, oferecidos conforme a depreciação da taxa. O jogo com cartas abertas fez com que, a cada intervenção do BC mexicano, o mercado passasse a buscar mais dólares, provocando novas rodadas de depreciação do peso. Já a Rússia perdeu US$ 60 bilhões de suas reservas em apenas dois meses para defender seu regime administrado. Enquanto isso, o Brasil entrou na crise com US$ 205,116 bilhões em reservas. No pior momento, elas caíram a US$ 190,388 bilhões - hoje, estão em US$ 234,5 bilhões (posição de 9 de novembro).
O BC deu a primeira indicação de que não defenderia uma taxa de câmbio em agosto de 2007, antes da quebra do Lehman, quando a cotação do dólar foi de R$ 1,80 para R$ 2,10. Na ocasião, hedge funds anunciaram perdas com empréstimos imobiliários nos EUA, travando o mercado de empréstimos interbancários. "Todos ficaram surpresos porque não vendemos nada", conta Torós. "Mostramos que o câmbio é flutuante. Foi uma das primeiras vezes em que o BC mostrou que há risco no câmbio."
O estresse se prolongou até outubro de 2007 e, de uma hora para outra, o mercado virou para o outro lado. Os investidores entraram numa fase de otimismo, com as ofertas bilionárias nos IPOs da Bovespa e BM&F. Em março de 2008, o clima era de euforia porque o Brasil recebera o grau de investimento de duas agências de classificação de risco - a Standard & Poor's e a Fitch. O câmbio bateu abaixo de R$ 1,60 em agosto. "Não tinha muito o que fazer. Chega uma hora em que o câmbio flutuante corrige. Por bem ou por mal."
No meio do caminho tinha a crise
A correção ocorreu a partir do dia 14 de setembro de 2008, um domingo, quando foi anunciada a quebra do Lehman Brothers. Torós, Meirelles e Mesquita trocaram e-mails na noite daquele dia e na manhã da segunda-feira. "BRL [sigla do real] para cima hoje?", perguntou Mesquita numa mensagem a Torós, sobre a inevitabilidade da desvalorização do real naquele dia.
Torós nem teve tempo de responder à mensagem de Mesquita. Logo na abertura do mercado, os fatos falaram por si. A cotação do dólar, que havia chegado à mínima de R$ 1,55 em meados de agosto, subiu para a máxima de R$ 1,92 quatro dias depois. "As linhas de crédito interbancário secaram", relata Torós. Bancos estrangeiros cortaram as linhas de curto prazo aos brasileiros.
Em resposta, o BC fez sua primeira intervenção no mercado de câmbio, no dia 19 de setembro. No caso, venda de dólares com recompra. Os dólares saíam das reservas, mas voltavam em seguida. "Havia a nossa preocupação de preservar as reservas", afirma Torós.
No começo de outubro, as coisas voltaram a piorar, e a cotação do dólar bateu em R$ 2,17. Torós deu a ordem para a mesa de câmbio vender US$ 2 bilhões em "swaps" cambiais, abastecendo o mercado futuro com dólares. Para o BC, R$ 2,17 era uma boa taxa, porque, a partir desse valor, o governo começaria a lucrar, uma vez que havia comprado dólares antes por valores mais baixos. "Foi a única operação de desvalorização cambial na história do país em que a sociedade, a Viúva, ganhou e o setor privado perdeu", registra Torós.
O objetivo do BC, obviamente, não era obter lucro, mas, sim, corrigir o termômetro do mercado, que se tornara disfuncional. "Há um momento em que o mercado perde a lógica e os preços ganham vida própria. Sobem hoje apenas porque subiram ontem", explica Torós. "Tem sempre gente que diz: 'se estava claro que o mercado ia perder a lógica, por que o BC não interveio antes?' Não interveio porque o mercado ainda tinha lógica. Tem que perder a lógica para poder intervir."
O BC conseguiu segurar o mercado por alguns dias, oferecendo volumes crescentes de "swaps" cambiais. Mas chegou um ponto em que era necessário dar um passo adiante: vender dólar de verdade no mercado à vista. "Os 'swaps' funcionam muito bem enquanto são uma fração das reservas", explica Torós. "Se vender muito, vira um papel pintado."
Usar reserva: jabuticaba brasileira
Tendo resolvido o problema emergencial de liquidez do mercado bancário, faltava solucionar um problema dramático, que tinha reflexos nas exportações do país. Com a crise de crédito internacional, as fontes internacionais de financiamento ao comércio exterior secaram de forma repentina, subtraindo 20% do "funding" total desse segmento. Foi nesse momento que surgiu uma inovação na forma de lidar com a crise. Mas, antes, foi preciso quebrar um tabu: a possibilidade de uso das reservas para financiar o comércio exterior.
A ideia partiu de Torós, mas foi encorpada por Meirelles e viabilizada juridicamente pelo pessoal técnico do BC, especialmente o departamento de operações das reservas internacionais. Elaborou-se um projeto de lei e, no prazo recorde de 45 dias, a medida foi aprovada pelo Congresso. Os bancos poderiam acessar recursos das reservas, mas o dinheiro deveria ser usado para financiar operações de comércio exterior.
"A queda de financiamento para o comércio exterior foi tão abrupta que precisávamos dar uma alguma ponte para que o setor produtivo voltasse a ter esses recursos", justifica o diretor de política monetária. "Havia um risco muito concreto de paralisar todo o sistema. O BC entrou para manter as coisas funcionando. Emprestando reservas sem vendê-las de forma definitiva."
Nos meses seguintes, o comércio exterior voltou a ser financiado normalmente e o governo utilizou apenas US$ 12,6 bilhões das reservas nessas operações. Praticamente todo o dinheiro já retornou às reservas, com o pagamento dos financiamentos. "Essa medida foi muito bem-sucedida e a sociedade, o Congresso, está de parabéns pela celeridade com que ela foi decidida e posta em prática", comemora Torós.
sábado, 14 de novembro de 2009
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
Resumo da Semana - Economia
Blecaute - Dezoito estados ficaram sem luz por várias horas na noite de terça-feira. Num efeito dominó, uma pane no sistema deixou mais da metade do país às escuras. Foi um blecaute grande, que causou prejuízos e distúrbios. O governo deu explicações contraditórias e superficiais. Culpou Itaipu, depois um raio. Tentou encerrar o assunto no meio da controvérsia. A imprensa internacional também pede explicações mais convincentes. O sistema interligado é vulnerável.
Royalties - Um pouco apagado pelo blecaute, o parecer do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) sobre o projeto do modelo de partilha do pré-sal foi aprovado quarta-feira. Os estados produtores ficaram com 25% das receitas da cobrança de royalties, mais que os 18% anteriormente previstos. Como publicou a colunista Flávia Oliveira no GLOBO, é um bode na sala. O debate sobre a participação deixou em segundo plano a discussão sobre o modelo de partilha em si, o fim da participação especial e a absurda capitalização da Petrobras em 5 bilhões de barris.
Enade - A prova de avaliação da qualidade da educação foi usada pelo governo para fazer campanha política. O enunciado da prova afirmava que Lula tinha razão ao dizer que a crise era uma "marolinha". E que a imprensa brasileira errou ao discordar e foi corrigida pela imprensa estrangeira. A única resposta certa era a que concordava com o governo. Educadores acham isso um horror, e eu também acho.
Desmatamento - O Brasil registrou o menor índice de desmatamento na Amazônia nos últimos 21 anos, com 7.008 quilômetros quadrados, segundo o Inpe. Os números referem-se ao período de agosto de 2008 a julho de 2009, que é o calendário oficial de monitoramento da região amazônica. É uma boa notícia. Mas Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, fez uma alerta interessante ao G1. Ele disse que a crise tirou o ímpeto dos fazendeiros de abrir novas áreas na floresta, o que contribuiu para a queda no desmatamento.
Copenhague - O governo está mudando de posição sobre as metas de redução de emissão de CO2 a serem levadas para Copenhague. E mudando para o bem. O governo quer levar uma proposta de reduzir em 40% as emissões de gases do efeito estufa até 2020. Metade disso é redução drástica do desmatamento da Amazônia, e só temos a ganhar com isso. Outra metade é mudar forma de produzir de indústrias, agricultura e outros setores.
Inflação - O IPCA surpreendeu mais uma vez o mercado. No acumulado de 12 meses terminados em outubro, ele recuou de 4,36% (setembro) para 4,17%, se distanciando do centro da meta do Banco Central, que é 4,5%
Reforma do sistema de saúde - Obama conseguiu aprovar no fim de semana na Câmara dos Representantes (o equivalente a Câmara dos Deputados no Brasil) a reforma do sistema de saúde. Ele precisa agora unir os democratas para votar o projeto no Senado. Lá, deputados trabalharam no sábado. Aqui, batem ponto no plenário de quintas-feiras para não serem descontados e vão para seus estados.
Muro de Berlim - Comemoramos nessa semana 20 anos de queda do Muro. Desde 1989 houve aumento do comércio internacional, do ritmo de crescimento. Uma leitura interessante é a coluna de Carlos Alberto Sardenberg no GLOBO de ontem.
Royalties - Um pouco apagado pelo blecaute, o parecer do deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) sobre o projeto do modelo de partilha do pré-sal foi aprovado quarta-feira. Os estados produtores ficaram com 25% das receitas da cobrança de royalties, mais que os 18% anteriormente previstos. Como publicou a colunista Flávia Oliveira no GLOBO, é um bode na sala. O debate sobre a participação deixou em segundo plano a discussão sobre o modelo de partilha em si, o fim da participação especial e a absurda capitalização da Petrobras em 5 bilhões de barris.
Enade - A prova de avaliação da qualidade da educação foi usada pelo governo para fazer campanha política. O enunciado da prova afirmava que Lula tinha razão ao dizer que a crise era uma "marolinha". E que a imprensa brasileira errou ao discordar e foi corrigida pela imprensa estrangeira. A única resposta certa era a que concordava com o governo. Educadores acham isso um horror, e eu também acho.
Desmatamento - O Brasil registrou o menor índice de desmatamento na Amazônia nos últimos 21 anos, com 7.008 quilômetros quadrados, segundo o Inpe. Os números referem-se ao período de agosto de 2008 a julho de 2009, que é o calendário oficial de monitoramento da região amazônica. É uma boa notícia. Mas Roberto Smeraldi, diretor da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, fez uma alerta interessante ao G1. Ele disse que a crise tirou o ímpeto dos fazendeiros de abrir novas áreas na floresta, o que contribuiu para a queda no desmatamento.
Copenhague - O governo está mudando de posição sobre as metas de redução de emissão de CO2 a serem levadas para Copenhague. E mudando para o bem. O governo quer levar uma proposta de reduzir em 40% as emissões de gases do efeito estufa até 2020. Metade disso é redução drástica do desmatamento da Amazônia, e só temos a ganhar com isso. Outra metade é mudar forma de produzir de indústrias, agricultura e outros setores.
Inflação - O IPCA surpreendeu mais uma vez o mercado. No acumulado de 12 meses terminados em outubro, ele recuou de 4,36% (setembro) para 4,17%, se distanciando do centro da meta do Banco Central, que é 4,5%
Reforma do sistema de saúde - Obama conseguiu aprovar no fim de semana na Câmara dos Representantes (o equivalente a Câmara dos Deputados no Brasil) a reforma do sistema de saúde. Ele precisa agora unir os democratas para votar o projeto no Senado. Lá, deputados trabalharam no sábado. Aqui, batem ponto no plenário de quintas-feiras para não serem descontados e vão para seus estados.
Muro de Berlim - Comemoramos nessa semana 20 anos de queda do Muro. Desde 1989 houve aumento do comércio internacional, do ritmo de crescimento. Uma leitura interessante é a coluna de Carlos Alberto Sardenberg no GLOBO de ontem.
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Apagão mental
Miriam Leitão
Há muitas lições a tirar do apagão. A mais urgente é que energia é um tema que não pode ser entregue à partilha política. O sistema brasileiro foi montado para prevenir um evento como este, ou então, ser capaz de remediar em minutos. Eram 5h15m de ontem quando chegou à Itaipu a informação do ONS de que podia gerar 100% da energia. O problema durara sete horas e dois minutos.
Vários técnicos e dirigentes de empresas com quem a equipe desta coluna conversou disseram a mesma coisa: o espantoso é demorar tanto para explicar o que houve. A falta de diagnóstico rápido revela pouca coordenação e descontrole. O que assusta. A explicação oficial — e insuficiente — só chegou às 7h da noite.
Nas crises, fica ainda mais patético ter um ministro tão desligado do tema.
Edison Lobão disse inicialmente que era pane em Itaipu. Não era; foi na linha de transmissão. Disse que em 2001 o sistema não era interligado. Já era, há décadas; depois de 2001 foi reforçado. Disse que o apagão foi causado por problemas meteorológicos. O próprio governo depois negou. No início da noite, Lobão voltou a culpar o mau tempo. Isso é que dá escolher um ministro pela sua interligação com o sistema Sarney.
Ficou claro que há uma lista de tarefas a fazer: o país precisa aperfeiçoar o sistema de isolar o problema para evitar o efeito dominó. O mecanismo existe e deveria ter funcionado, explica Mário Veiga, presidente da PSR. Não funcionou e espalhou o sinistro por 18 estados.
Seja qual for a explicação que perdure, o fato é que no futuro haverá mais eventos climáticos extremos. Secas como a de 2001 podem ocorrer com mais frequência, seguidas de grandes tempestades. O país depende muito de água nos reservatórios, e tem um sistema interligado. Portanto, está duplamente vulnerável. Precisa de um planejamento energético que leve em conta as mudanças climáticas e que aumente a segurança. As decisões dos últimos anos tornam o país mais frágil, explica Adriano Pires, porque optou-se por manter o modelo de grandes hidrelétricas, como as do Rio Madeira, que exigirão linhões de transmissão e estarão interligadas ao sistema. Mário Veiga lembrou que as hidrelétricas do Rio Madeira não terão reservatórios.
Interligar o sistema é um avanço, na opinião de Veiga. O necessário é ter um sistema eficiente que crie o “ilhamento” de eventuais problemas, disse Luiz Pinguelli Rosa. Veiga acha que o evento mostrou duas fragilidades:
— O sistema não conseguiu prevenir o problema e demorou muito a remediar.
Em 2001, houve racionamento. Falta de energia. Agora, houve apagão. São eventos totalmente diferentes. Um foi crise de abastecimento; o outro, colapso de algumas horas no sistema operacional. Atualmente, há sobra de energia por dois motivos: muita água nos reservatórios por causa das chuvas abundantes; e a crise econômica que reduziu a demanda.
— A demanda estava crescendo a 5% ao ano. Em 2009, ficará estável. A crise anulou um ano de crescimento da demanda — explicou Mário Veiga.
Adriano Pires acha que o país tem que começar a pensar em smart grid, rede inteligente. Na campanha, Barack Obama falou muito disso. Significa ter computadores, em vez dos equipamentos hoje existentes, para controlar todo o sistema:
— Os equipamentos de hoje são meio burrinhos e por isso é preciso trabalhar com folga de energia. Na rede inteligente, os computadores controlarão tudo e estarão ligados entre eles para evitar um problema como o de ontem. Aumenta a eficiência, mas também o sistema não trabalha com folga alguma, o que pode ser perigoso.
O especialista Cyro Vicente Boccuzzi, do Fórum Latino-Americano de Smart Grid e da consultoria ECOee, tem uma visão um pouco diferente:
— O sistema atual não tem desligamento seletivo. A energia é cortada em grandes regiões. Isso pode ser mudado com o uso da tecnologia da informação. É uma mudança cara, mas que todos os países estão analisando.
No limite, um sistema como esse, no meio de uma demanda excessiva ou falta de oferta, pode desligar a energia dos consumidores menos importantes para garantir fornecimento aos que não podem de jeito nenhum ficar sem ela. Desligar o ar-refrigerado das casas, por exemplo, para que haja mais energia nos hospitais. Parece ficção científica, mas nos Estados Unidos os investimentos já começaram. Boccuzzi acha que o governo Lula está focando na oferta de energia e se esquecendo de modernizar a distribuição.
— Vamos construir usinas hidrelétricas que estão a dois mil quilômetros dos grandes centros de consumo. Teremos que construir uma rede imensa de transmissão, para levar um volume enorme de energia. Esse modelo é antigo e está sendo repensado em todo o mundo. Precisamos mudar a lógica econômica, criando incentivos para a geração local de energia pelas empresas e pelas próprias pessoas — afirmou.
Para isso, alerta o professor da Coppe, Djalma Falcão, é preciso modernizar a legislação que hoje impede que consumidores interliguem à rede geradores particulares.
Enfim, está na hora de um bom debate sobre energia. Ele tem que ser técnico e atualizado. Infelizmente, o debate no governo será politizado e desatualizado. O pior e mais duradouro tem sido o apagão mental.
Há muitas lições a tirar do apagão. A mais urgente é que energia é um tema que não pode ser entregue à partilha política. O sistema brasileiro foi montado para prevenir um evento como este, ou então, ser capaz de remediar em minutos. Eram 5h15m de ontem quando chegou à Itaipu a informação do ONS de que podia gerar 100% da energia. O problema durara sete horas e dois minutos.
Vários técnicos e dirigentes de empresas com quem a equipe desta coluna conversou disseram a mesma coisa: o espantoso é demorar tanto para explicar o que houve. A falta de diagnóstico rápido revela pouca coordenação e descontrole. O que assusta. A explicação oficial — e insuficiente — só chegou às 7h da noite.
Nas crises, fica ainda mais patético ter um ministro tão desligado do tema.
Edison Lobão disse inicialmente que era pane em Itaipu. Não era; foi na linha de transmissão. Disse que em 2001 o sistema não era interligado. Já era, há décadas; depois de 2001 foi reforçado. Disse que o apagão foi causado por problemas meteorológicos. O próprio governo depois negou. No início da noite, Lobão voltou a culpar o mau tempo. Isso é que dá escolher um ministro pela sua interligação com o sistema Sarney.
Ficou claro que há uma lista de tarefas a fazer: o país precisa aperfeiçoar o sistema de isolar o problema para evitar o efeito dominó. O mecanismo existe e deveria ter funcionado, explica Mário Veiga, presidente da PSR. Não funcionou e espalhou o sinistro por 18 estados.
Seja qual for a explicação que perdure, o fato é que no futuro haverá mais eventos climáticos extremos. Secas como a de 2001 podem ocorrer com mais frequência, seguidas de grandes tempestades. O país depende muito de água nos reservatórios, e tem um sistema interligado. Portanto, está duplamente vulnerável. Precisa de um planejamento energético que leve em conta as mudanças climáticas e que aumente a segurança. As decisões dos últimos anos tornam o país mais frágil, explica Adriano Pires, porque optou-se por manter o modelo de grandes hidrelétricas, como as do Rio Madeira, que exigirão linhões de transmissão e estarão interligadas ao sistema. Mário Veiga lembrou que as hidrelétricas do Rio Madeira não terão reservatórios.
Interligar o sistema é um avanço, na opinião de Veiga. O necessário é ter um sistema eficiente que crie o “ilhamento” de eventuais problemas, disse Luiz Pinguelli Rosa. Veiga acha que o evento mostrou duas fragilidades:
— O sistema não conseguiu prevenir o problema e demorou muito a remediar.
Em 2001, houve racionamento. Falta de energia. Agora, houve apagão. São eventos totalmente diferentes. Um foi crise de abastecimento; o outro, colapso de algumas horas no sistema operacional. Atualmente, há sobra de energia por dois motivos: muita água nos reservatórios por causa das chuvas abundantes; e a crise econômica que reduziu a demanda.
— A demanda estava crescendo a 5% ao ano. Em 2009, ficará estável. A crise anulou um ano de crescimento da demanda — explicou Mário Veiga.
Adriano Pires acha que o país tem que começar a pensar em smart grid, rede inteligente. Na campanha, Barack Obama falou muito disso. Significa ter computadores, em vez dos equipamentos hoje existentes, para controlar todo o sistema:
— Os equipamentos de hoje são meio burrinhos e por isso é preciso trabalhar com folga de energia. Na rede inteligente, os computadores controlarão tudo e estarão ligados entre eles para evitar um problema como o de ontem. Aumenta a eficiência, mas também o sistema não trabalha com folga alguma, o que pode ser perigoso.
O especialista Cyro Vicente Boccuzzi, do Fórum Latino-Americano de Smart Grid e da consultoria ECOee, tem uma visão um pouco diferente:
— O sistema atual não tem desligamento seletivo. A energia é cortada em grandes regiões. Isso pode ser mudado com o uso da tecnologia da informação. É uma mudança cara, mas que todos os países estão analisando.
No limite, um sistema como esse, no meio de uma demanda excessiva ou falta de oferta, pode desligar a energia dos consumidores menos importantes para garantir fornecimento aos que não podem de jeito nenhum ficar sem ela. Desligar o ar-refrigerado das casas, por exemplo, para que haja mais energia nos hospitais. Parece ficção científica, mas nos Estados Unidos os investimentos já começaram. Boccuzzi acha que o governo Lula está focando na oferta de energia e se esquecendo de modernizar a distribuição.
— Vamos construir usinas hidrelétricas que estão a dois mil quilômetros dos grandes centros de consumo. Teremos que construir uma rede imensa de transmissão, para levar um volume enorme de energia. Esse modelo é antigo e está sendo repensado em todo o mundo. Precisamos mudar a lógica econômica, criando incentivos para a geração local de energia pelas empresas e pelas próprias pessoas — afirmou.
Para isso, alerta o professor da Coppe, Djalma Falcão, é preciso modernizar a legislação que hoje impede que consumidores interliguem à rede geradores particulares.
Enfim, está na hora de um bom debate sobre energia. Ele tem que ser técnico e atualizado. Infelizmente, o debate no governo será politizado e desatualizado. O pior e mais duradouro tem sido o apagão mental.
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Refém da tecnologia
Ontem ficamos sem energia elétrica.
Hoje estamos sem cobertura da operadora Claro.
Hoje estamos sem cobertura da operadora Claro.
Noite difícil
O apagão que começou às 22h 14min de ontem assustou o Brasil. Eu tinha saído da faculdade e estava voltando para casa. Só me dei conta do tamanho do problema quando liguei o rádio (mp3) na CBN e fiquei sabendo da proporção do problema.
O apagão deixou várias metrópoles totalmente paralisadas, às escuras. Com os sinais em pane, o trânsito ficou caótico. Muita gente acabou presa nos elevadores. Hospitais tiveram que transferir pacientes às pressas.
Por toda a capital paulista, os moradores enfrentaram problemas. A falta de energia deixou a cidade totalmente no escuro, provocou acidentes de trânsito e colocou serviços de emergência a postos nas ruas.
A maior cidade do país sumiu. Do alto, só era possível medir a extensão das pistas nas principais vias pelos faróis dos carros. Ruas e avenidas ficaram lotadas de motoristas e pedestres confusos.
Bares e restaurantes improvisaram luz de velas. Mas o medo de ser vítima de algum tipo de crime fez alguns comerciantes fecharem as portas mais cedo.
No Centro da cidade, os prédios pareciam abandonados. Na janela, moradores ansiosos esperavam a volta da energia. Até abastecer o carro ficou difícil.
Às quase 2h, em um ponto dos Jardins, um bairro nobre de São Paulo, funcionários da Companhia de Engenharia de Tráfego trabalham para controlar o trânsito. No cruzamento de duas avenidas importantes da cidade, sete semáforos apagados, um perigo tanto para os motoristas como para os pedestres.
Alguns acidentes de trânsito aconteceram na cidade durante a madrugada. Em um, o carro que subia a avenida não viu o veículo preto estacionado e acabou batendo. Ninguém saiu ferido.
Aos poucos, a iluminação foi voltando, em alguns pontos da capital paulista, para o alívio da população.
No Rio de Janeiro, a situação não foi diferente. O medo e a chuva foram marcas dessa noite. A cidade ficou às escuras. Com isso, muitas pessoas ficaram sem segurança. Se já é difícil ter segurança com iluminação, imagine sem energia. Foi uma situação de pânico.
Apenas os faróis dos carros iluminavam a cidade. Imagens do Globocop revelavam um Rio de Janeiro às escuras, com confusão no trânsito. Os guardas bem que tentavam, mas era difícil contornar o problema.
Na hora do apagão, muitas pessoas iam para casa. Os trens e o metrô pararam de funcionar e os pontos de ônibus ficaram lotados.
A escuridão assustava.
Cidadão amedrontado e quem cuida da segurança dele também. Em algumas delegacias, a preocupação com a violência fez alguns policiais ficarem de prontidão do lado de fora. Para pedestres, a saída foi iluminar o caminho. A maioria dos comerciantes resolveu fechar os bares mais cedo. Outros donos de restaurantes tentavam convencer o cliente de que o jantar poderia ser romântico. Turistas fugiam do calor nos quartos dos hotéis. Sem ar-condicionado, o jeito foi ficar na calçada.
A energia foi totalmente restabelecida após 5h. A última região a ter a energia normalizada foi, aqui, na Baixada Fluminense, onde resido: Nova Iguaçu.
Nesta manhã, a capital fluminense estava voltando à normalidade. O intervalo no metrô que geralmente é de quatro minutos está demorando dois a mais. Toda a frota de ônibus das 47 empresas foi colocada nas ruas desde às 4h, são 7,6 mil veículos. Os trens circulam normalmente nos cinco ramais.
Em Volta Redonda, no sul do estado, moradores dizem ter ouvido uma forte explosão na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e ter visto uma movimentação da própria empresa para combater o incêndio. A CSN nega que tenha acontecido qualquer eventualidade e diz que as labaredas vistas pelos moradores acontecem normalmente.
O trânsito esteve intenso nesta manhã no Rio de Janeiro, o Viaduto do Gasômetro que leva ao Centro teve fluxo lento.
Às 3h, uma das centrais de abastecimento de alimento do estado, o de Benfica, na Zona Norte, estava vazio. Normalmente nesse horário, mais quatro mil pessoas circulam por lá. O apagão trouxe prejuízo para os comerciantes e afastou muitos consumidores.
Foi uma noite para ficar na história do brasileiro.
O apagão deixou várias metrópoles totalmente paralisadas, às escuras. Com os sinais em pane, o trânsito ficou caótico. Muita gente acabou presa nos elevadores. Hospitais tiveram que transferir pacientes às pressas.
Por toda a capital paulista, os moradores enfrentaram problemas. A falta de energia deixou a cidade totalmente no escuro, provocou acidentes de trânsito e colocou serviços de emergência a postos nas ruas.
A maior cidade do país sumiu. Do alto, só era possível medir a extensão das pistas nas principais vias pelos faróis dos carros. Ruas e avenidas ficaram lotadas de motoristas e pedestres confusos.
Bares e restaurantes improvisaram luz de velas. Mas o medo de ser vítima de algum tipo de crime fez alguns comerciantes fecharem as portas mais cedo.
No Centro da cidade, os prédios pareciam abandonados. Na janela, moradores ansiosos esperavam a volta da energia. Até abastecer o carro ficou difícil.
Às quase 2h, em um ponto dos Jardins, um bairro nobre de São Paulo, funcionários da Companhia de Engenharia de Tráfego trabalham para controlar o trânsito. No cruzamento de duas avenidas importantes da cidade, sete semáforos apagados, um perigo tanto para os motoristas como para os pedestres.
Alguns acidentes de trânsito aconteceram na cidade durante a madrugada. Em um, o carro que subia a avenida não viu o veículo preto estacionado e acabou batendo. Ninguém saiu ferido.
Aos poucos, a iluminação foi voltando, em alguns pontos da capital paulista, para o alívio da população.
No Rio de Janeiro, a situação não foi diferente. O medo e a chuva foram marcas dessa noite. A cidade ficou às escuras. Com isso, muitas pessoas ficaram sem segurança. Se já é difícil ter segurança com iluminação, imagine sem energia. Foi uma situação de pânico.
Apenas os faróis dos carros iluminavam a cidade. Imagens do Globocop revelavam um Rio de Janeiro às escuras, com confusão no trânsito. Os guardas bem que tentavam, mas era difícil contornar o problema.
Na hora do apagão, muitas pessoas iam para casa. Os trens e o metrô pararam de funcionar e os pontos de ônibus ficaram lotados.
A escuridão assustava.
Cidadão amedrontado e quem cuida da segurança dele também. Em algumas delegacias, a preocupação com a violência fez alguns policiais ficarem de prontidão do lado de fora. Para pedestres, a saída foi iluminar o caminho. A maioria dos comerciantes resolveu fechar os bares mais cedo. Outros donos de restaurantes tentavam convencer o cliente de que o jantar poderia ser romântico. Turistas fugiam do calor nos quartos dos hotéis. Sem ar-condicionado, o jeito foi ficar na calçada.
A energia foi totalmente restabelecida após 5h. A última região a ter a energia normalizada foi, aqui, na Baixada Fluminense, onde resido: Nova Iguaçu.
Nesta manhã, a capital fluminense estava voltando à normalidade. O intervalo no metrô que geralmente é de quatro minutos está demorando dois a mais. Toda a frota de ônibus das 47 empresas foi colocada nas ruas desde às 4h, são 7,6 mil veículos. Os trens circulam normalmente nos cinco ramais.
Em Volta Redonda, no sul do estado, moradores dizem ter ouvido uma forte explosão na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e ter visto uma movimentação da própria empresa para combater o incêndio. A CSN nega que tenha acontecido qualquer eventualidade e diz que as labaredas vistas pelos moradores acontecem normalmente.
O trânsito esteve intenso nesta manhã no Rio de Janeiro, o Viaduto do Gasômetro que leva ao Centro teve fluxo lento.
Às 3h, uma das centrais de abastecimento de alimento do estado, o de Benfica, na Zona Norte, estava vazio. Normalmente nesse horário, mais quatro mil pessoas circulam por lá. O apagão trouxe prejuízo para os comerciantes e afastou muitos consumidores.
Foi uma noite para ficar na história do brasileiro.
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Berlim, 09/11/1989
Carlos Alberto Sardenberg
---Depois do muro, uma era de globalização e crescimento---
A queda do muro representou:
1. A eliminação da ameaça de guerra nuclear, que seria literalmente o fim do mundo e da qual EUA e a falecida URSS se aproximaram algumas vezes. Gorbachev acredita que evitou uma terceira guerra mundial ao resistir aos apelos dos dirigentes comunistas que ainda consideravam possível conter as rebeliões com um banho de sangue. Uma repressão desse calibre, nos países do Leste Europeu, ali ao lado das democracias ocidentais, nas quais milhões de pessoas tentariam obter refúgio, certamente criaria todas as condições para um conflito global. Compreender que a ditadura chegara ao fim, não permitir a repressão, fechar as tropas russas nos quartéis esse foi certamente um dos maiores méritos de Gorby.
2. A eliminação da alternativa capitalismo/socialismo, que teve efeitos não apenas nos países ex-comunistas, mas em todos os cantos do mundo onde forças políticas locais, as esquerdas, ainda tentavam vender o sonho socialista. Todos, gostando ou não, convergiram para o capitalismo e, freqüentemente, em sua versão mais liberal. O debate político-econômico mudou o foco para as formas de capitalismo. No auge da crise financeira de 2008, alguns disseram que a quebra do Lehman Brothers representava para o capitalismo o que a queda do muro representara para o socialismo. E o que se discute hoje por toda parte? Como conter os excessos dos banqueiros e corrigir as falhas de mercado. Ninguém, exceto meia dúzia de ingênuos ou bobos, propos a volta de algum tipo de socialismo. Todos sabem agora que o socialismo não entrega crescimento e bem estar. Não, Chávez não conta.
3. Acelerou e consolidou o processo de globalização, que nunca estaria completo com o mundo dividido pelo muro. Isso abriu enormes possibilidades comerciais e financeiras, na medida em que incorporou ao mercado mundial milhões de novos consumidores e trabalhadores. As tropas do capitalismo desembarcaram nos ex-socialistas, levando capital, tecnologia, modos de gestão e mercadorias. O comércio mundial, que já vinha em expansão, deu um salto com os novos mercados. O Brasil beneficiou-se muito especialmente desse fenômeno. As exportações brasileiras, que estavam há tempos empacadas entre 50 e 60 bilhões de dólares anuais, saltaram para cerca de 200 bi no curtíssimo prazo de seis anos. Esclarecendo: claro que todo esse ganho não veio das compras dos ex-socialistas. Companhias brasileiras foram para lá também, mas se beneficiaram especialmente do clima global de abertura comercial que se consolidou nos anos 90.
4. Um extraordinário crescimento da economia mundial. Os últimos 20 anos não foram apenas de expansão global, mas um dos períodos mais brilhantes da história econômica do planeta. Não, não foi apenas uma bolha financeira. O produto mundial chegou a crescer espantosos 5% em vários momentos. O comércio mundial de mercadorias e serviços, favorecido por um movimento geral de redução das tarifas alfandegárias, cresceu acima dos 10% ao ano, por vários anos. Aumentaram exponencialmente a produção e o consumo de tudo aquilo que melhora a vida das pessoas, de coisas velhas como automóveis e fogões, até as novidades do celular e da Internet. A globalização e o ambiente de abertura econômica favoreceram o desenvolvimento da Tecnologia de Informação que, ao juntar computadores e telecomunicações, espalhou ganhos de produtividade em todas as atividades econômicas e em praticamente todos os países. Nos desenvolvidos, surgiram as companhias e os produtos da nova era (Google, Amazon, iPhone, etc). Os países mais pobres da África saltaram da condição de sem telefones porque redes físicas eram caras e difíceis de construir para a comunicação plena, com os celulares, os quais facilitaram a vida e, por exemplo, as transações comerciais e financeiras. Ganhos de produtividade são os que mais impulsionam a renda. Resumindo: no período, nada menos que 500 milhões de pessoas deixaram a pobreza.
5. Firmou o consenso de que quanto mais comércio mundial, melhor. Na crise de 29/30, os países fecharam suas fronteiras, aderiram ao protecionismo comercial, acreditando que com isso salvariam empregos locais. O resultado foi o prolongamento da crise e... do desemprego por toda a parte. Na crise de hoje, os governantes no G-20, por exemplo se apressaram a recomendar que todos mantivessem o comércio aberto. Sim, é verdade que vários aplicaram medidas protecionistas localizadas, inclusive os EUA, mas o ambiente geral é o de preservar o comércio.
Esperanças vãs
Mas há decepções relevantes. Duas a destacar.
Primeira, parecia que, eliminada a guerra fria, o mundo caminharia para a universalização dos regimes democráticos e uma era de paz. Havia outros conflitos, porém, que não apareciam porque toda a atenção se concentrava na ameaça maior. E muitos países caminharam para tipos variados de autoritarismo.
A segunda decepção é econômica. Olhando o conjunto, o mundo todo cresceu. Mas alguns países tiveram desempenhos melhores, outros se perderam pelo caminho. E, dentro dos países, o sistema também deixou muita gente para trás, isso gerando ressentimentos e ainda mais conflitos.
Falaremos disso na semana que vem.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 09 de novembro de 2009
---Depois do muro, uma era de globalização e crescimento---
A queda do muro representou:
1. A eliminação da ameaça de guerra nuclear, que seria literalmente o fim do mundo e da qual EUA e a falecida URSS se aproximaram algumas vezes. Gorbachev acredita que evitou uma terceira guerra mundial ao resistir aos apelos dos dirigentes comunistas que ainda consideravam possível conter as rebeliões com um banho de sangue. Uma repressão desse calibre, nos países do Leste Europeu, ali ao lado das democracias ocidentais, nas quais milhões de pessoas tentariam obter refúgio, certamente criaria todas as condições para um conflito global. Compreender que a ditadura chegara ao fim, não permitir a repressão, fechar as tropas russas nos quartéis esse foi certamente um dos maiores méritos de Gorby.
2. A eliminação da alternativa capitalismo/socialismo, que teve efeitos não apenas nos países ex-comunistas, mas em todos os cantos do mundo onde forças políticas locais, as esquerdas, ainda tentavam vender o sonho socialista. Todos, gostando ou não, convergiram para o capitalismo e, freqüentemente, em sua versão mais liberal. O debate político-econômico mudou o foco para as formas de capitalismo. No auge da crise financeira de 2008, alguns disseram que a quebra do Lehman Brothers representava para o capitalismo o que a queda do muro representara para o socialismo. E o que se discute hoje por toda parte? Como conter os excessos dos banqueiros e corrigir as falhas de mercado. Ninguém, exceto meia dúzia de ingênuos ou bobos, propos a volta de algum tipo de socialismo. Todos sabem agora que o socialismo não entrega crescimento e bem estar. Não, Chávez não conta.
3. Acelerou e consolidou o processo de globalização, que nunca estaria completo com o mundo dividido pelo muro. Isso abriu enormes possibilidades comerciais e financeiras, na medida em que incorporou ao mercado mundial milhões de novos consumidores e trabalhadores. As tropas do capitalismo desembarcaram nos ex-socialistas, levando capital, tecnologia, modos de gestão e mercadorias. O comércio mundial, que já vinha em expansão, deu um salto com os novos mercados. O Brasil beneficiou-se muito especialmente desse fenômeno. As exportações brasileiras, que estavam há tempos empacadas entre 50 e 60 bilhões de dólares anuais, saltaram para cerca de 200 bi no curtíssimo prazo de seis anos. Esclarecendo: claro que todo esse ganho não veio das compras dos ex-socialistas. Companhias brasileiras foram para lá também, mas se beneficiaram especialmente do clima global de abertura comercial que se consolidou nos anos 90.
4. Um extraordinário crescimento da economia mundial. Os últimos 20 anos não foram apenas de expansão global, mas um dos períodos mais brilhantes da história econômica do planeta. Não, não foi apenas uma bolha financeira. O produto mundial chegou a crescer espantosos 5% em vários momentos. O comércio mundial de mercadorias e serviços, favorecido por um movimento geral de redução das tarifas alfandegárias, cresceu acima dos 10% ao ano, por vários anos. Aumentaram exponencialmente a produção e o consumo de tudo aquilo que melhora a vida das pessoas, de coisas velhas como automóveis e fogões, até as novidades do celular e da Internet. A globalização e o ambiente de abertura econômica favoreceram o desenvolvimento da Tecnologia de Informação que, ao juntar computadores e telecomunicações, espalhou ganhos de produtividade em todas as atividades econômicas e em praticamente todos os países. Nos desenvolvidos, surgiram as companhias e os produtos da nova era (Google, Amazon, iPhone, etc). Os países mais pobres da África saltaram da condição de sem telefones porque redes físicas eram caras e difíceis de construir para a comunicação plena, com os celulares, os quais facilitaram a vida e, por exemplo, as transações comerciais e financeiras. Ganhos de produtividade são os que mais impulsionam a renda. Resumindo: no período, nada menos que 500 milhões de pessoas deixaram a pobreza.
5. Firmou o consenso de que quanto mais comércio mundial, melhor. Na crise de 29/30, os países fecharam suas fronteiras, aderiram ao protecionismo comercial, acreditando que com isso salvariam empregos locais. O resultado foi o prolongamento da crise e... do desemprego por toda a parte. Na crise de hoje, os governantes no G-20, por exemplo se apressaram a recomendar que todos mantivessem o comércio aberto. Sim, é verdade que vários aplicaram medidas protecionistas localizadas, inclusive os EUA, mas o ambiente geral é o de preservar o comércio.
Esperanças vãs
Mas há decepções relevantes. Duas a destacar.
Primeira, parecia que, eliminada a guerra fria, o mundo caminharia para a universalização dos regimes democráticos e uma era de paz. Havia outros conflitos, porém, que não apareciam porque toda a atenção se concentrava na ameaça maior. E muitos países caminharam para tipos variados de autoritarismo.
A segunda decepção é econômica. Olhando o conjunto, o mundo todo cresceu. Mas alguns países tiveram desempenhos melhores, outros se perderam pelo caminho. E, dentro dos países, o sistema também deixou muita gente para trás, isso gerando ressentimentos e ainda mais conflitos.
Falaremos disso na semana que vem.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 09 de novembro de 2009
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