Carlos Alberto Sardenberg
---Depois do muro, uma era de globalização e crescimento---
A queda do muro representou:
1. A eliminação da ameaça de guerra nuclear, que seria literalmente o fim do mundo e da qual EUA e a falecida URSS se aproximaram algumas vezes. Gorbachev acredita que evitou uma terceira guerra mundial ao resistir aos apelos dos dirigentes comunistas que ainda consideravam possível conter as rebeliões com um banho de sangue. Uma repressão desse calibre, nos países do Leste Europeu, ali ao lado das democracias ocidentais, nas quais milhões de pessoas tentariam obter refúgio, certamente criaria todas as condições para um conflito global. Compreender que a ditadura chegara ao fim, não permitir a repressão, fechar as tropas russas nos quartéis esse foi certamente um dos maiores méritos de Gorby.
2. A eliminação da alternativa capitalismo/socialismo, que teve efeitos não apenas nos países ex-comunistas, mas em todos os cantos do mundo onde forças políticas locais, as esquerdas, ainda tentavam vender o sonho socialista. Todos, gostando ou não, convergiram para o capitalismo e, freqüentemente, em sua versão mais liberal. O debate político-econômico mudou o foco para as formas de capitalismo. No auge da crise financeira de 2008, alguns disseram que a quebra do Lehman Brothers representava para o capitalismo o que a queda do muro representara para o socialismo. E o que se discute hoje por toda parte? Como conter os excessos dos banqueiros e corrigir as falhas de mercado. Ninguém, exceto meia dúzia de ingênuos ou bobos, propos a volta de algum tipo de socialismo. Todos sabem agora que o socialismo não entrega crescimento e bem estar. Não, Chávez não conta.
3. Acelerou e consolidou o processo de globalização, que nunca estaria completo com o mundo dividido pelo muro. Isso abriu enormes possibilidades comerciais e financeiras, na medida em que incorporou ao mercado mundial milhões de novos consumidores e trabalhadores. As tropas do capitalismo desembarcaram nos ex-socialistas, levando capital, tecnologia, modos de gestão e mercadorias. O comércio mundial, que já vinha em expansão, deu um salto com os novos mercados. O Brasil beneficiou-se muito especialmente desse fenômeno. As exportações brasileiras, que estavam há tempos empacadas entre 50 e 60 bilhões de dólares anuais, saltaram para cerca de 200 bi no curtíssimo prazo de seis anos. Esclarecendo: claro que todo esse ganho não veio das compras dos ex-socialistas. Companhias brasileiras foram para lá também, mas se beneficiaram especialmente do clima global de abertura comercial que se consolidou nos anos 90.
4. Um extraordinário crescimento da economia mundial. Os últimos 20 anos não foram apenas de expansão global, mas um dos períodos mais brilhantes da história econômica do planeta. Não, não foi apenas uma bolha financeira. O produto mundial chegou a crescer espantosos 5% em vários momentos. O comércio mundial de mercadorias e serviços, favorecido por um movimento geral de redução das tarifas alfandegárias, cresceu acima dos 10% ao ano, por vários anos. Aumentaram exponencialmente a produção e o consumo de tudo aquilo que melhora a vida das pessoas, de coisas velhas como automóveis e fogões, até as novidades do celular e da Internet. A globalização e o ambiente de abertura econômica favoreceram o desenvolvimento da Tecnologia de Informação que, ao juntar computadores e telecomunicações, espalhou ganhos de produtividade em todas as atividades econômicas e em praticamente todos os países. Nos desenvolvidos, surgiram as companhias e os produtos da nova era (Google, Amazon, iPhone, etc). Os países mais pobres da África saltaram da condição de sem telefones porque redes físicas eram caras e difíceis de construir para a comunicação plena, com os celulares, os quais facilitaram a vida e, por exemplo, as transações comerciais e financeiras. Ganhos de produtividade são os que mais impulsionam a renda. Resumindo: no período, nada menos que 500 milhões de pessoas deixaram a pobreza.
5. Firmou o consenso de que quanto mais comércio mundial, melhor. Na crise de 29/30, os países fecharam suas fronteiras, aderiram ao protecionismo comercial, acreditando que com isso salvariam empregos locais. O resultado foi o prolongamento da crise e... do desemprego por toda a parte. Na crise de hoje, os governantes no G-20, por exemplo se apressaram a recomendar que todos mantivessem o comércio aberto. Sim, é verdade que vários aplicaram medidas protecionistas localizadas, inclusive os EUA, mas o ambiente geral é o de preservar o comércio.
Esperanças vãs
Mas há decepções relevantes. Duas a destacar.
Primeira, parecia que, eliminada a guerra fria, o mundo caminharia para a universalização dos regimes democráticos e uma era de paz. Havia outros conflitos, porém, que não apareciam porque toda a atenção se concentrava na ameaça maior. E muitos países caminharam para tipos variados de autoritarismo.
A segunda decepção é econômica. Olhando o conjunto, o mundo todo cresceu. Mas alguns países tiveram desempenhos melhores, outros se perderam pelo caminho. E, dentro dos países, o sistema também deixou muita gente para trás, isso gerando ressentimentos e ainda mais conflitos.
Falaremos disso na semana que vem.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 09 de novembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário