Isabella Nardoni, finalmente, poderá descansar em paz. A condenação exemplar de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá pelo homicídio triplamente qualificado da menina fecha um ciclo de dor para os que a amavam e reacende um horror generalizado ao comprovar que aquilo que parecia cruel demais para ser verdade de fato ocorreu. Uma criança de 5 anos de idade foi asfixiada por sua madrasta e lançada viva da janela por seu pai – que, ao vê-la caída no solo, em lugar de socorrê-la, ocupou-se da tentativa de salvar a própria pele e a da mulher, forjando urgência em localizar "o monstro que havia feito aquilo". Agora, pode-se afirmar com certeza que os monstros estão identificados. E a Justiça desceu sobre eles com mão de ferro. Não se sabe o placar exato do júri porque, ao chegar ao quarto voto favorável à condenação, o juiz parou de contá-los – a maioria simples já estava estabelecida. Nardoni foi condenado a 31 anos, 1 mês e 10 dias de prisão em regime fechado pelo crime de homicídio, com os seguintes qualificadores: uso de meio cruel, impossibilidade de defesa da vítima e prática de crime destinado a ocultar crime anterior. Além disso, aumentaram a pena de Nardoni os seguintes agravantes: o fato de a vítima ter menos de 14 anos e de ele ser seu pai. Anna Carolina foi condenada a 26 anos e 8 meses de detenção, também em regime fechado, pelo mesmo crime, com os mesmos qualificadores e agravantes (exceto, obviamente, o da paternidade da vítima). Foram acrescentados 8 meses de prisão em regime semiaberto para cada réu por fraude processual: a tentativa do casal de "limpar" a cena do crime. Ao ouvir a sentença proferida pelo juiz Maurício Fossen, Anna Carolina Jatobá olhou para a família com ar compungido e acenou com um adeus. O casal, que recebeu a sentença algemado, não poderá recorrer dela em liberdade.
A condenação do casal – sem a confissão dos réus nem o depoimento de testemunhas oculares – consagrou a máxima do jurista italiano Enrico Ferri, que afirmou ser a lógica "a rainha das provas". Nesse caso, o exercício da lógica contou com um elemento fundamental: o exímio trabalho da perícia técnica paulista. Por meio da análise de materiais genéticos, uso de reagentes químicos e estudos de cronometragem, os peritos costuraram provas que, de outra forma, não se conectariam diretamente e, assim, deram respostas a lacunas que poderiam se transformar em perguntas jamais respondidas. Foi o resultado de um trabalho conjunto entre a perícia e a polícia, por exemplo, que produziu uma das argumentações mais robustas apresentadas pelo promotor Francisco Cembranelli aos jurados: a cronologia dos fatos que se deram imediatamente após a morte de Isabella. Por meio de um vasto cruzamento de informações, os investigadores responsáveis pelo caso puderam precisar o momento exato em que Isabella foi atirada pela janela – às 23h48. O promotor Cembranelli demonstrou de forma cabal que, nesse horário, tanto Alexandre Nardoni quanto Anna Carolina Jatobá estavam, sim, dentro do apartamento (veja o quadro). O fato de não ter sido constatada a presença de nenhum outro adulto na cena do crime levou à inevitável conclusão de que só poderiam ser eles os autores do homicídio – uma questão de lógica. Também pesaram contra Nardoni os laudos da perícia técnica, em especial o que analisou a camiseta que ele usava na noite do assassinato. Os peritos observaram que a peça trazia, na altura dos ombros, marcas de sujeira em forma de losango – e que elas seguiam o exato padrão da rede de proteção por onde Isabella foi jogada. Testes mostraram que as marcas só poderiam ficar impressas dessa forma no tecido caso a pessoa que a estivesse vestindo enfiasse os dois braços pelo buraco da rede e sustentasse, com as mãos, o equivalente a 25 quilos – precisamente o peso de Isabella. Na condição de testemunha, a perita Rosângela Monteiro, responsável pela análise da camiseta, foi assertiva ao relatar a conclusão a que chegou com sua equipe. "O réu defenestrou a vítima. Foi ele", afirmou.
Às provas técnicas se somou uma atuação impecável da parte de Cembranelli, que demonstrou domínio absoluto de todos os detalhes do caso do começo ao fim do julgamento. O apogeu de seu desempenho se deu na quinta-feira, quando o promotor interrogou os réus, deixando-os por várias vezes sem respostas razoáveis. O primeiro a responder ao promotor foi Nardoni. Cembranelli o arguiu sobre a razão pela qual não telefonou para o resgate assim que chegou ao gramado do prédio, onde a filha estava caída.
– Por que o senhor não a socorreu? – perguntou o promotor.
– Eu estava vendo se ela estava viva – respondeu o pai.
– Ela estava viva. Por que o senhor não a socorreu?
– Eu estava em choque, não sei dizer.
– Por que o senhor não a socorreu? – insistiu Cembranelli.
– Quando caí em si (sic), seu Lúcio (o vizinho) estava dizendo para não mexer nela.
As respostas de Nardoni estarreceram promotor e jurados: como um pai que acaba de ver a filha despencar do alto de um prédio deixa de tomar providências por determinação do vizinho? Nardoni também teve dificuldade para explicar por que não dirigiu a palavra nem sequer uma vez à mãe de Isabella, Ana Carolina Oliveira, depois da morte da menina – nem no velório, nem no enterro.
– Ela lhe entregou a filha viva e a recebeu morta. Por que não falou com ela? – quis saber o promotor.
– Era uma situação embaraçosa – limitou-se a responder o pai da menina morta.
Em seguida, foi a vez de Anna Carolina Jatobá enfrentar a acusação. Em seu depoimento, ficou claro que ela reproduzia, com detalhes minuciosos, respostas que eram de interesse da defesa, mas dizia não se lembrar de questões que pudessem trazer embaraços para ela e Nardoni. Anna Carolina Jatobá chegou a dizer que, no dia do crime, só havia lavado roupas pretas, mas disse não se recordar do valor da pensão alimentícia paga pelo marido a Isabella (325 reais por mês). Houve ainda um desfile de contradições: Nardoni havia afirmado que o casal tinha apenas "brigas normais", mas a mulher declarou que eles "quebravam o pau" constantemente.
Os jurados acompanharam os interrogatórios com interesse. Em vários momentos, elaboraram perguntas – repassadas por escrito ao juiz – para ser feitas aos réus. Ao final, responderam às doze questões formuladas pelo juiz Fossen. As relativas a Nardoni foram: 1) Existiu a esganadura que contribuiu para a morte de Isabella Nardoni? 2) Isabella foi jogada da janela do 6º andar do Edifício London, provocando sua morte? 3) Alexandre omitiu-se quando deveria, por dever legal, proteger a filha? 4) Foi Alexandre quem jogou Isabella pela janela? 5) O jurado absolve o réu? 6) Existem qualificadores para o crime, no caso, o meio cruel, uso de recurso que dificultou a defesa da vítima, e com o intuito de assegurar impunidade de outro crime? 7) Houve alteração da cena do crime para enganar as autoridades?
Em relação a Anna Carolina Jatobá, além das duas primeiras questões e da última, foram feitas as seguintes: 3) Anna Carolina Jatobá colaborou com a morte de Isabella ao aderir a toda a ação? 4) O jurado absolve a ré?
Ao contrário do juiz, obrigatoriamente técnico, os jurados do tribunal do júri – "juízes leigos" – não são obrigados a desprezar a emoção na hora de decidir nem a fundamentar suas posições. Para chegarem ao seu veredicto, o único compromisso deve ser com a própria consciência. No Brasil, o tribunal do júri é a instância responsável pelo julgamento dos crimes dolosos contra a vida: homicídio, infanticídio, indução ou auxílio ao suicídio e prática de aborto, mais as tentativas frustradas de cometer os mesmos delitos. A ideia por trás desse critério é que, ao contrário dos crimes contra o patrimônio, por exemplo, os que atentam contra a vida podem ser mais facilmente cometidos por pessoas que não são bandidos "profissionais". Dessa forma, entende o direito, é justo que sua conduta seja avaliada por iguais – cidadãos que, por viverem sob as mesmas regras e códigos sociais do réu, conseguiriam entender melhor suas motivações, paixões e emoções. Tarefa que não seria desempenhada a contento por um magistrado, forçosamente pautado pela letra fria da lei. Se oferece vantagens incontestáveis, a dinâmica do tribunal do júri tem seus riscos também. Como o de resultar na absolvição, ou quase isso, até mesmo de réus confessos. O julgamento de Doca Street, de 1979, três anos após o crime, mostrou como o resultado de um júri pode ser determinado não pela culpa ou inocência do réu, mas pela moral vigente no período – à qual, nesse caso, se aliou uma defesa ardorosa. Assassino confesso da socialite Ângela Diniz, com quem vivia, o playboy Doca Street foi defendido pelo criminalista Evandro Lins e Silva, que anunciava (não pela primeira vez) ser aquele seu último júri. Sem quase se referir aos autos, o criminalista descreveu seu cliente como um "mancebo bonito e trabalhador", cuja honra teria sido pisoteada pela "Vênus lasciva" e "devassa" (Ângela Diniz), que, entre outras iniquidades, teria tentado acomodar na cama do casal uma beldade do sexo feminino que ela havia conhecido na praia. A apaixonada exposição de Lins e Silva contaminou não apenas os jurados, mas até mesmo um dos assistentes da acusação, que chegou a pespegar um beijo de admiração no criminalista. Ao final, Doca Street foi condenado a uma pena irrisória: dois anos em regime aberto. Mas em 1981, no julgamento do recurso impetrado pela acusação, já sem Lins e Silva, recebeu condenação bem maior, de quinze anos. Em outro caso, de menor repercussão, um homem que confessou ter matado a mulher em Itapacerica da Serra, em São Paulo, acabou absolvido depois que o criminalista Tales Castelo Branco, seu defensor, pediu que os onze filhos do réu se postassem diante da porta do fórum. Nas últimas palavras que dirigiu aos jurados, não mencionou culpa ou inocência. Disse apenas: "Ao decidir, senhores jurados, lembrem-se de que este homem tem onze filhos". Por unanimidade, o júri absolveu um réu confesso.
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