Maria Clara Lucchetti Bingemer
Um olhar sobre a cultura brasileira nos faz ver um quadro extremamente diverso. O tema da diversidade étnico-cultural no Brasil retorna com força como ponto da agenda nacional. Está presente no discurso da sociedade civil em ações governamentais e em propostas político-partidárias.
Essa questão sempre esteve presente no debate nacional e informou as principais teses sobre a identidade nacional ou da formação do País enquanto nação. A ênfase maior neste debate foi a de um discurso ufanista em relação ao caráter plural de nossa identidade nacional, a despeito desta ser construída a partir de uma perspectiva hierárquica segundo a qual no topo se encontram os brancos responsáveis pelo nosso processo civilizatório e na base os negros e indígenas contribuindo com "pinceladas culturais exóticas" que caracterizariam o jeito especial de ser do brasileiro.
No entanto, o que nos parece importante ressaltar nesta reflexão é que diversidade não pode ser sinônimo de desigualdade. Por isso, o primeiro receio que o debate sobre a diversidade provoca é que se preste à despolitização dos processos de exclusão e discriminação que os "diferentes" sofrem em nossa sociedade ou seja a forma pela qual historicamente este "diferente" vem sendo construído em oposição a uma universalidade cultural branca e ocidental supostamente legítima para se instituir como paradigma cultural, segundo o qual, a identidade ou a diferença dos diversos povos da terra sejam medidas.
Infelizmente nosso país tem a nociva tradição de enfeitar as relações raciais e a interação entre as culturas com emblemas de igualdade enquanto na prática social se aprofundam impunemente as desigualdades. Nos marcos de nossa democracia, a percepção do senso comum é de que somos todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer ordem. A dedução um tanto ingênua e primária que acaba por se impor é que se os negros, por exemplo, vivem em piores condições do que outros segmentos raciais seria porque são prisioneiros de formas culturais pré-modernas, ou porque são portadores de valores culturais mais lúdicos do que os ocidentais, ou porque a sensibilidade é negra e a racionalidade é branca, ou porque a raça negra é mais predisposta para as atividades esportistas enquanto os brancos mais aptos para as atividades reflexivas, ou simplesmente porque "os negros são bons para o ócio e o branco para o negócio". E assim, sutilmente as desigualdades raciais existentes entre negros e brancos se acham legitimadas e naturalizadas.
A admissão do racismo ou do preconceito racial em nossa tradição cultural tem caráter profundamente desagregador, chegando a ponto de ser considerada "uma afirmação contra o Brasil" quase uma questão de segurança nacional. Por haver um pacto de silêncio sobre o problema não significa que este esteja resolvido.
O mesmo acontece em relação aos índios, os quais, como se não bastasse terem suas culturas e identidade cultural constantemente agredidas, ainda são tachados de preguiçosos, ociosos e vários outros adjetivos pejorativos que vão minando sua identidade e auto-estima coletiva.
O racismo está no fundo da desigualdade cultural e na verdade é um fator que age contra a diversidade cultural que esta sim é extremamente positiva e constitui uma das riquezas de nosso país. O racismo de qualquer espécie tem de ser tratado como uma ideologia que precisa ser explicitada e combatida. Uma ideologia que não pode ser amortecida ou camuflada por falsas crenças de convivência pacífica e harmoniosa pois atrás destas, descortina-se o esconderijo de práticas insidiosas de subordinação e exclusão racial.
Embora considerando a valorização da diversidade racial, étnica e cultural um pressuposto indispensável para o enfrentamento e superação do racismo e das desigualdades que ele produz, há que combater decididamente a desigualdade gerada pelo preconceito e pela exclusão que subordina uma cultura à outra, que considera uma pessoa ou grupo humano superior aos outros pela cor de sua pele, sua raça, sua tradição cultural.
Muitas das manifestações culturais brasileiras estão identificadas com a população negra. O samba, caboclinho, maracatu, movimento Mangue Beat, capoeira e muitas outras são lembradas como parte da grande contribuição dos negros para a cultura nacional. Da mesma forma os indígenas formaram boa parte da identidade cultural tão rica em nosso país e desejam ser reconhecidos como nação que são, vendo valorizadas sua língua, seus costumes, suas danças e rituais.
Caminhar para a igualdade social só será possível se esse caminho for palmilhado em estreita união com a luta pela igualdade cultural.
ARTIGO 2: Desigualdade Social e Desigualdade Cultural
Estudante de Comunicação Social, Maria Eduarda Araújo.
Desigualdade social e desigualdade cultural caminham juntas no mundo globalizado. Muito se fala de globalização nos dias atuais, principalmente porque ela (a globalização) é um dos principais sintomas da fragmentada sociedade pós-moderna, apesar de ser um fenômeno, por assim dizer, bastante antigo. Todavia, os países centrais e os países periféricos sentem a realidade desse fenômeno de maneiras totalmente opostas. De um lado, o que se chama de globalização ideal, pregada pelas nações dominantes, principalmente pelos Estados Unidos. De outro, a chamada globalização real, vivida pelos países mais pobres do globo. A diferença entre essas duas correntes é gritante e merece ser pontuada: os países centrais pregam uma globalização baseada no livre comércio, justa divisão de riquezas, oportunidade de desenvolvimento e crescimento econômico para todos.
Nota-se, com o advento da globalização, que ao contrário do pregado, cresceu o abismo social e a desigualdade de classes tornou-se ainda mais latente. As nações ricas ficam ainda mais poderosas enquanto as pobres amargam uma realidade de luta constante por sobrevivência, muitas vezes sem possuir subsídios básicos para o próprio desenvolvimento. E essa tal sociedade globalizada, bastante caracterizada pela hibridização de culturas, é responsável também por impor, principalmente através da manipulação ideológica, os costumes e o estilo de vida dos países dominantes. É quando a mídia alia-se à ideologia como instrumento de dominação e conformismo.
Uma mentira contada cem vezes se transforma numa verdade. Essa máxima, bastante conhecida e utilizada por Hitler na Segunda Guerra Mundial para convencer os alemães dos horrores do Holocausto, de certa forma, pode servir para explicar a função principal da ideologia, a do convencimento. Criar cidadãos conformados com sua organização e que não se interessam por modificar a dura realidade em que vivem é a sua finalidade maior.
A ideologia funciona como uma espécie de programadora de mentes humanas, por mais assustador que isso possa parecer. A partir de conceitos e padrões pré-estabelecidos, ela mascara a realidade e constrói pessoas incapazes de enxergar o invisível, ou seja, decodificar as informações recebidas e analisá-las criticamente, de maneira a formar uma opinião própria sobre elas. É como se os veículos mais diversos (escola, mídia, igreja) fossem responsáveis por formar cidadãos cujo conformismo e senso comum são fatores inerentes às suas vidas e a ideologia fosse responsável por alimentá-los.
Trata-se, portanto, de um processo dominador que oculta a realidade e modifica, arbitrariamente, a idéia que se faz dela. E essa percepção da realidade é outro ponto extremamente importante para nos manter alerta às mudanças desenfreadas do mundo globalizado, nos transformando da condição de sujeitados (alimentada pela ideologia) para a condição de sujeitos. Há quem diga que razão e circunstância são gêmeas univitelinas. Trocando em miúdos: a compreensão de mundo de cada um, os caminhos que se decide seguir, a maneira com a qual se foca a própria vida, dependem tão somente da realidade em que cada um viveu e a maneira com a qual essa realidade interferiu em sua existência. É fato que o conceito de realidade passa por vários campos, no entanto, enxergá-lo como algo absolutamente relativo, que depende apenas de uma questão de percepção, é um erro.
A grande mídia, principalmente através dessa “mamadeira visual” que é a televisão, deturpa, constantemente, o conceito de realidade e acaba o impregnando de senso comum. Com idéias como, por exemplo, as de que cada pessoa está inserida na realidade que merece e que realidade é um processo estanque, não adianta se esforçar para modificá-lo. Resta aos marginais, carentes de educação, saúde e até moradia, aceitar essa condição e esperar por uma, digamos assim, providência divina. Perverter essas e outras noções é, aliás, interesse vital dos homens dessa sociedade moderna. Foi o que disse o filósofo Nietzcshe, em “O Anticristo”.
A realidade depende, em outra instância, dos contextos sócio-cultural e econômico de cada pessoa. Toda realidade, independentemente de qual for, pode ser modificada. Acontece que, a grande mídia (no Brasil dominada exclusivamente por nove famílias brancas e ricas) exerce uma influência forte e constante no cotidiano do cidadão comum. Ela (a mídia) exibe diariamente em sua programação realidades que somente a minoria absoluta da população brasileira possui e, dessa maneira, incute no imaginário da maioria a necessidade de partilhar de uma rotina distante, impraticável e ilusória.
O entretenimento alienante serve para nos manter inerte aos acontecimentos, de fato, interessantes à nossa vida. E a globalização, por sua vez, contribui com os meios de comunicação de massa ao promover o distanciamento de um povo com suas raízes e, a partir daí, a negação da sua própria identidade cultural. Negação essa, que atrofia o senso crítico dos indivíduos e contribui para que a ideologia continue a exercer o papel nefasto de justificadora das discrepâncias sociais, tornando-as aceitáveis, quase inerentes a determinadas classes. Ao que parece, alcançamos um tipo diferente de democracia: a maior parte das pessoas pensa de maneira homogênea sem, no entanto, perceber que é manipulada a fazê-lo.
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