Enviado por Míriam Leitão
A inflação brasileira está perto do topo da meta, apesar de os preços terem uma distorção gritante na área de energia. A inflação que assusta o mundo tem dois braços: alimentos e energia. Aqui, a gasolina não aumenta, esteja o petróleo a US$ 40, US$ 60 ou US$ 140. Mas sobem o óleo combustível, o querosene de aviação e a nafta. O GLP para a indústria subiu 30% este ano e não sobe desde 2002 para as residências.
A Petrobras usa dois argumentos para explicar a falta de correção dos preços de derivados ao consumidor: que a alta do petróleo é compensada pela queda do dólar e que é preciso esperar que os preços do petróleo se estabilizem. Os argumentos não se sustentam diante de outros preços da empresa. O dólar caiu, porém esse suposto efeito de compensação não acontece nos derivados que não são cobrados diretamente do consumidor, como o combustível para aviação, o óleo para a indústria ou a matéria-prima da petroquímica. O argumento se desmoraliza por esse tratamento diferenciado.
Se é fato que o dólar compensa a alta do petróleo, ou que é preciso esperar que o petróleo se estabilize em algum patamar, então deveria valer para todo tipo de consumidor. Poupando apenas o residencial, o governo está fazendo populismo tarifário. Além do mais, isso podia até ser verdade no segundo semestre do ano passado, com o petróleo a US$ 60, mas agora está a US$ 140, e o dólar não caiu tanto a ponto de explicar o preço congelado. O governo concedeu um aumento de preços para a Petrobras que não chegou ao consumidor de gasolina e chegou atenuado ao de diesel. Esse fato só reforça o ponto: os preços internos estão sendo subsidiados numa hora de choque de preços internacionais. Ou seja, há uma inflação reprimida. O querosene de aviação subiu 36% em 12 meses; o óleo combustível, 54%; e a nafta aumentou 19%, em real, e 42%, em dólar.
O Brasil não está tão errado quanto a Argentina, que manipula os preços interferindo no Indec, contudo o governo está impedindo o repasse de um pedaço do choque externo. Está reprimindo uma parte da inflação e manipulando os preços através da empresa estatal. (A propósito, o ministro Edison Lobão disse que a Petrobras é uma empresa privada. Alguém precisa socorrê-lo com a informação de que a Petrobras tem capital aberto, mas continua sendo uma estatal, pois o controle permanece nas mãos do governo.)
O impacto de reajustes reais de gasolina, diesel e gás de cozinha, quando e se ocorrerem, não será desprezível. Eles têm peso direto e indireto na inflação. O diesel impacta o transporte urbano e outros preços, pelo custo do frete. Combustíveis para veículos têm peso de 4,8 pontos no IPCA, e só a gasolina é 4,3 pontos, o que é um peso enorme. Além disso, indiretamente atinge ônibus urbano, que tem peso de 3,8 no índice. Ninguém $mais inflação, mas reprimi-la, praticando preços fora do lugar, cria um artificialismo na economia. Hoje o consumidor brasileiro vive numa redoma, protegido dos aumentos de preços que provocam reações do consumidor no mundo inteiro. O combate à inflação não pode ser feito através da contenção de alguns preços; tem que ser pelos instrumentos clássicos: política monetária e política fiscal. No Brasil, o único instrumento usado está sendo a taxa de juros.
Os ministros da Fazenda e do Desenvolvimento gostariam que o governo fizesse algo para elevar a taxa de câmbio. Eles temem a rápida queda do superávit comercial e a deterioração do déficit externo. Dois problemas neste desejo: com os juros subindo, é bem difícil imaginar que o real vai se desvalorizar; no entanto, se isso acontecesse, tornaria mais difícil manter intocados os preços ao consumidor dos derivados de petróleo.
Os preços da energia elétrica também têm caído, apesar de o cenário nos próximos anos ser de falta de oferta. Isso ocorre pelo modelo tarifário e pela estratégia do governo de pôr as estatais puxando o preço da energia para baixo nos leilões. É mais um preço com sinal trocado. Mais um artificialismo que se forma na economia. Segundo Claudio Sales, do Acende Brasil, num artigo publicado recentemente, tiveram reduções de tarifas, dentre outras, a AES Sul, Bandeirante, Caiuá, Celesc, Celpa, Celtins, Cemig, Cenf, Cocel, Coelba, Copel, Cosern, CPFL Paulista, CPFL Piratininga, Elektro, Eletropaulo, Energipe, Enersul, Escelsa, Light e Saelpa. Ele conta que o IPCA divulgado em maio mostrou queda de 0,49% para a tarifa residencial de energia elétrica. Os dados da Aneel também indicam que a tarifa residencial média no Brasil caiu no ano passado.
O presidente Lula tem dito que não permitirá que a inflação suba, o ministro da Fazenda garante aos aliados que está atuando para controlar a inflação, mas a população brasileira que conhece o animal inflacionário acha que a tendência é de alta, como mostrou a pesquisa Ibope. O ministro Guido Mantega disse que era a “inflação do feijãozinho”. Vai além do alimento tipicamente brasileiro; atinge outros alimentos, preços de outras áreas, se dissemina na cadeia industrial e há riscos de indexação. A inflação só não é maior porque preços relevantes, como gasolina e gás, não têm subido; e o diesel aumentou quase nada. Mas longe de ser virtude da política econômica, é uma anomalia.
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