(Acabei de ler a coluna da Míriam Leitão no Jornal O Globo deste domingo e publico aqui.)
Enigma latino
Há mais hispânicos nos Estados Unidos que espanhóis na Espanha; de 2005 a 2006, um, em cada dois novos americanos, era de origem hispânica. Essa população é um desafio dos candidatos nas próximas eleições. Ao contrário de outros grupos como mulheres, negros, homossexuais, os hispânicos não se agregam em torno de uma idéia central. Obama teve problemas com o voto latino, mas pesquisas começam a mudar.
Segundo o Bureau of Census, os "hispânicos" são a maior minoria étnica e a que mais cresce no país. São 44,3 milhões de pessoas, 15% da população; mas, em 2050, serão mais de 100 milhões de pessoas, ou 24% da população. Hoje 33 milhões deles falam espanhol em casa. São um grupo heterogêneo. Foram para os Estados Unidos a partir de países diferentes, em épocas diferentes e por motivos diversos. Essa heterogeneidade torna difícil costurar um discurso que os unifique. Se o candidato faz um discurso que agrade aos cubanos de Miami, pode desagradar a vários outros grupos. Não que haja defensores de Fidel Castro, mas o anticastrismo é uma questão específica do grupo que domina Miami. Os mexicanos têm a tendência de votar mais nos democratas, enquanto os cubanos de Miami votam nos republicanos há quatro décadas. A comunidade porto-riquenha nos Estados Unidos tem direito ao voto, mas os 3,9 milhões de cidadãos de Porto Rico, que vivem na ilha, não votam por razões constitucionais: eles são uma espécie de quase estado onde vivem quase cidadãos. A vantagem é que têm liberdade de ir (e vir) aos Estados Unidos e não pagam impostos à União.
Normalmente, o voto latino se divide nas eleições em 60/40, a favor dos democratas. Este ano, o cálculo é de que pelo menos 9 milhões de latinos vão votar num país onde o voto não é obrigatório. Obama precisará arrebatar a comunidade e ganhar de lavada como só Hillary parecia ter condições de fazer. O problema é: com que discurso eles serão atraídos? É difícil até escolher o nome para definir o grupo. São os "latinos", como dizem alguns analistas; "hispânicos", como prefere o Bureau do Censo americano; "hispano-americanos"; ou seria melhor chamá-los "latino-americanos", para incluir também os brasileiros? Os imigrantes vindos do Brasil são tão poucos relativamente — menos de 400 mil segundo o Center for Immigration Studies — que nem sequer há uma estimativa oficial de quantos votam.
Milhões de latinos vivem na ilegalidade nos Estados Unidos, mas os que se legalizaram não necessariamente gostam da idéia de que a porta seja aberta para outros. Milhões vivem em situação precária, em guetos, mas milhões de outros experimentam a sensação de prosperidade e estão integrados à sociedade americana. Para quem os vê a partir dos parâmetros da opulência do branco americano, pode parecer que vivem na pobreza, mas eles estão melhores que seus pais, e essa sensação de mobilidade produz o otimismo que os tornará presa mais difícil do discurso apenas das dificuldades dos imigrantes no governo Bush. O escritor porto-riquenho Robert Oscar Lopez, professor da California State University at Northridge, num artigo recente publicado no blog CounterPunch, lembra que, entre 1996 e 2006, o número de latinos com curso superior saiu de 1,4 milhão para 3,1 milhões, e esse grupo não é capturável pelo discurso sobre a agonia da classe média. Lopez argumenta que é "diversificado, mas não balcanizado; tem coesão cultural, mas nenhum outro grupo étnico-social é tão imprevisível". As estatísticas americanas mostram ainda que 1,6 milhão de hispânicos são donos do seu próprio negócio e que, em 2002, a receita desses empreendimentos tinha crescido 19% em cinco anos; que 68% das pessoas com 16 anos ou mais estão no mercado de trabalho e que os hispânicos que atingiram o topo da carreira corporativa, chegando ao cargo de executivo-chefe, são 77.700.
Em 2006, 20,6% estavam na linha de pobreza. Muito, se comparado com a proporção dos brancos não-hispânicos, que é de 8,2%, ou da população em geral, de 9,8%. Mas menos que em 2005, quando eram 21,8%. Em um ano, o percentual de pobres caiu mais de um ponto. Melhoraram e continuam numa situação melhor que a dos negros. Nesse grupo, 24,3% estão na pobreza.
Mesmo assim, artigos como o de Lopez mostram que há uma clara competição com os afro-americanos e uma sensação de que os negros têm mais atenção das políticas públicas que os latinos. Isso torna o discurso a ser construído por Obama mais complexo.
Até recentemente, era lugar-comum dizer que Obama tinha um problema com o voto latino; em parte, pelos maus resultados das primárias, que ele sistematicamente teve nessa comunidade, na disputa com Hillary Clinton. Mas as primeiras pesquisa pós-primárias vão mostrando fatos diferentes. Uma delas, da rede de TV NBC e do jornal "Wall Street Journal", indicou que, entre os hispânicos, 62% estão favoráveis a Obama e apenas 28% a John McCain.
McCain inicialmente tinha uma posição mais liberal em imigração, mas teve que jogar essa conversa no lixo para conquistar o voto republicano tradicional. Outra pesquisa feita por telefone pela Pacific Market Research com a Universidade de Washington mostrou Obama sistematicamente na frente em relação a McCain em todos os estados com grande população hispânica, exceto na Flórida, onde havia empate.
Se Obama conseguir manter essa vantagem, terá decifrado o enigma que fez Hillary ser amada na comunidade.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário