(Leia a coluna da Míriam Leitao desta sexta-feira)
Com viés de alta
A inflação entra no segundo semestre do ano já muito perto do teto da meta, os especialistas avisam que este é um período difícil, porque é a entressafra de vários alimentos e há ainda uma fila de tarifas esperando correção. O ministro Miguel Jorge, que entrevistei, comemorou os fortes investimentos no país. O Brasil vive este momento: a boa notícia dos investimentos; as sombras da inflação no horizonte.
O ministro Miguel Jorge, em entrevista que me concedeu na Globonews, disse que, depois de anos com os estados brigando para ser a sede de uma refinaria da Petrobras, agora há quatro sendo instaladas no país. Depois de anos sem um novo alto-forno, a siderurgia brasileira está com vários projetos sendo iniciados. Tudo isso, claro, aumenta a demanda agregada. É boa notícia, mas a política antiinflacionária tem que ser mais cuidadosa.
Quando sair o IPCA de julho, o Brasil estará acima da meta, juntando-se a todos os outros países que adotam metas de inflação e que, este ano, já estouraram o limite. Uma grande parte disso é a inflação de alimentos, que respondeu por mais da metade da alta de junho.
Sobre o comportamento dos preços dos alimentos no segundo semestre, os especialistas com quem conversamos acham o seguinte: o feijão tem alguma chance de cair de preço. A segunda safra do ano foi ruim, mas a terceira, em outubro, pode vir melhor e ajudar. Essa queda seria um alívio; nos últimos 12 meses, segundo apurado pela RC Consultores, ele subiu 134%; enquanto o arroz, seu companheiro, teve alta de 75%. O tomate também encareceu muito, 123%; a diferença dele é que, por ser hortifrúti, tem uma volatilidade muito maior, e a cesta de produtos sempre permite que se escolha outros alimentos. O açúcar e o café ficaram mais comportados.
O feijão não é exatamente um tradable. Ainda que seja plantado em larga escala, o plantio e o consumo são nacionais. O que houve com ele não foi pressão externa, mas o fato de que, nos últimos anos, aumentou a demanda (com o aumento da renda) e a oferta não acompanhou. O problema é que não se tem de onde importar quando o feijão fica escasso aqui.
— No caso do arroz, até tem mais países produzindo no mundo, mas eles também não têm para exportar — conta Fabio Silveira, da RC Consultores. Este ano, o comércio internacional de arroz, que não passa de 7% de tudo o que é produzido, foi restrito ainda mais pela proibição de exportação adotada por alguns produtores.
Fabio acredita num terceiro trimestre de relativa estabilização dos grãos, mas com alta das carnes, que estarão na entressafra até outubro. No quarto trimestre, se os preços internacionais ficarem estáveis, pode começar a ocorrer uma queda no preço interno dos alimentos.
— Não vejo nova pressão forte altista mundial, a não ser que o mercado enlouqueça e todo mundo decida fugir para os ativos ligados a commodities — comenta.
Nos últimos dias, a soja está em alta em Chicago.
O professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, não acredita em queda dos preços de alimentos a curto prazo. Acha que, no caso do feijão, o mais provável é que ele não suba tanto, se for boa a última safra. No ano passado, foi exatamente nessa safra que as coisas desandaram, por excesso de chuva. O arroz não deve subir muito mais. As carnes é que estão pedindo atenção, pois elas têm subido tanto na safra quanto na entressafra (pelo índice da RC, em 12 meses, o boi subiu 53%; o frango, 21%; e os suínos, 84%). Ontem, no IPCA, foram o item que mais contribuiu para o resultado.
Sergio Vale, da MB Associados, diz que, depois de alguns saltos no preço, o mercado futuro de carnes até se acomodou um pouco, abaixo de R$ 95. Ele acha que poderá haver pressão na entressafra, ainda não incorporada nos futuros. O risco é de que, no segundo semestre, o “boi seja o que o arroz e o feijão foram nos últimos meses”.
Para o professor Luiz Roberto, o IPA agrícola, que saiu na quarta-feira, preocupa; a alta dos alimentos continua muito forte no atacado:
— Se tivesse que fazer uma projeção para o segundo semestre, diria que é de incerteza, com viés de alta.
A previsão dele para 2008 é de um IPCA em 6,5% — no teto da meta. Fabio Silveira está com 6,3%. O IPCA de ontem veio 0,74%; isso fez o índice em 12 meses pular para 6,06%. Se for 0,7% no próximo mês, o país já vai ultrapassar o limite da meta.
— O problema é que, no segundo semestre, ainda terá muito preço administrado, como as tarifas de ônibus, que provavelmente terão aumentos após as eleições. Os serviços vão continuar pressionados e, quanto aos alimentos, ainda não se tem muita clareza, ainda que haja chances de que se acomodem um pouco — analisa o professor.
Com a inflação quase furando a meta, choques externos e crise de alimentos, este é um momento decisivo: se forem religados os mecanismos de indexação de salários, se os serviços conseguirem emplacar os reajustes que estão tentando, o país pode reavivar velhos fantasmas. Cena da vida real: o barbeiro do ministro Miguel Jorge reajustou o preço em 20%; e, neste caso, a demanda é inelástica, o ministro tem que cortar os cabelos de três em três semanas.
O ministro está entusiasmado, com razão, com os investimentos em andamento em vários setores e estados, pelo país afora. Para evitar que a boa notícia seja o combustível para a alta da inflação, é preciso que o governo contenha seus gastos.
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