segunda-feira, 6 de outubro de 2008

EUA - Talvez não piore, mas embora demora para melhorar

Carlos Alberto Sardenberg

Sai o pacote e as bolsas despencam?

Como é que pode? O Congresso americano aprova o pacote de resgate do setor financeiro, e a bolsa cai?
O desastre das bolsas no início da semana passada havia sido atribuído à derrota do pacote na Câmara dos Representantes (deputados). Logo, quando a Câmara refez sua posição, assustada com o tamanho da crise, as bolsas deveriam fazer o caminho inverso, certo?
Parece, mas não é simples assim.
Os US$ 700 bilhões de dólares postos à disposição do Tesouro americano, para comprar papéis podres e capitalizar os bancos, constituem uma arma poderosa e essencial. Sem ela, o Tesouro não teria como evitar uma quebradeira de bancos e o desaparecimento, por um longo tempo, do crédito às pessoas e empresas, muitas das quais também quebrariam.
Por isso, a derrubada do pacote levou à porta do inferno.
Mas ter a arma não garante que ela será bem utilizada, nem que seus resultados virão rapidamente. Como disse o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, na última sexta, o pacote é um “passo crítico”, mas um passo.
O problema maior, a recessão, consequência da crise do crédito, mostra sua cara a cada dia nos EUA. Na quarta passada, queda de vendas de casas, a maior em 17 anos. Na quinta, queda de 30% nas vendas de automóveis. Na sexta, a notícia de eliminação de 159 mil empregos em setembro.
Isso quer dizer que mesmo com uma boa administração da crise, o que já se perdeu de crédito e capital no sistema financeiro basta para impor uma forte desaceleração.
De todo modo, a semana terminou melhor, mas muito melhor do que começou. Agora, o Tesouro e o Fed tem instrumentos para atacar a crise de crédito de maneira abrangente.
Mas não espere que sua carteira de ações volte ao que era em poucas semanas. Uma parada nas perdas estará de bom tamanho.

Cortando gastos
O governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, foi o primeiro a reagir à crise econômica que se aproxima do Brasil. Baixou decreto congelando os novos gastos. Está proibido criar novas despesas, ou seja, iniciar obras e contratar pessoal.
Qual a lógica?
Governos estaduais, assim como prefeituras e o governo federal, se beneficiaram, de 2004 para cá, de um extraordinário crescimento de arrecadação de impostos. Esse ganho de receita decorreu do crescimento econômico acelerado, combinado com um sistema tributário que pesa sobre os setores mais dinâmicos.
Por exemplo, automóveis. No carro, o consumidor já paga uns 40% de impostos. E mais um tanto no financiamento.
Houve uma explosão na tefefonia celular, cuja carga tributária também passa dos 40%.
Por isso a arrecadação cresce mais que a economia. De janeiro a agosto deste ano, comparado com o mesmo período do ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 12,5% em valores nominais (sem descontar a inflação). A receita total do governo federal cresceu 18%.
Essa forte expansão da receita já dava sinais de esgotamento, mesmo antes da explosão da crise financeira americana. Agora, é certo que haverá uma desaceleração do economia mundial, incluindo o Brasil. Menos crescimento, menos receita, com impacto maior no ano que vem.
Para a maioria dos governadores, a ficha ainda não caiu. Todos prepararam projetos de orçamento para 2009 antes da crise. Mas apenas Paulo Hartung adiantou-se e já fez a revisão dos números, proibindo a contratação de gastos novos.
Exagero?
Prevenção, diz ele. Se a queda na arrecadação for muito forte, o governo estará preparado. Se a coisa não for tão feia quanto parece, é mais fácil retomar os gastos.
O desastre é contratar as obras, contratar pessoal e, de repente, cai a receita. O governo será obrigado a buscar financiamento em um momento de dinheiro curto e caro.
Bem vistas as coisas, todo o setor público deveria iniciar já um processo de contenção dos gastos. Na verdade, deveria ter contido o gasto já no período de bonança. Deveria ter feito mais poupança, ter eliminado dívidas e não, como fizeram governos federal e estaduais, ter promovido uma farra de gastos.
O governo federal, por exemplo, contratou pessoal e concedeu aumentos para os próximos anos, contando com uma constante expansão das receitas.
No agregado, eis o ponto. Na crise, o Brasil todo terá de consumir menos, porque terá menos renda. Quanto menos o governo consumir, mais sobra para as pessoas e empresas.

Casas nos EUA
Fiz uma confusão danada no artigo aqui publicado na semana passada, “EUA – seis milhões de casas novas”. Misturei casas prontas com residências em construção e, no total das vendas, misturei novas e usadas.
Eis os dados corretos, com os pedidos de desculpas: as famílias americanas compraram, em agosto, 39 mil casas novas, o que dá um valor anualizado de 468 mil. A construção de novas casas – obras em andamento – bateu 895 mil unidades/ano. O início de obras de novas casas unifamiliares chegou a 630 mil, sempre em valores anualizados. Permissões para a construção de casas e apartamentos (palnatas aprovadas), indicador de atividade futura, foram para 854 mil.
Reparem de novo: a crise financeira, também chamada crise das hipotecas, explodiu em agosto do ano passado. Os preços de casas estiveram em queda, juros em alta, financiamentos restritos, inadimplência – e mesmo assim, as famílias americanas compraram mais de 600 mil casas nesse período. O número de residências em construção esteve acima do milhão. E finalmente, as vendas de imóveis usados estiveram acima dos 5 milhões.
A idéia geral do artigo está de pé. O sistema financeiro produziu abusos, mas também financiou casa para milhões de famílias.

Publicado em O Estado de S. Paulo, 06 de outubro de 2008

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