E AS AÇÕES DA VALE, HEIN?
- Os novatos compradores de ações no seu primeiro crash -
Outro dia, estava no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, à procura de um celular perdido. Atendeu-me um funcionário, muito prestativo, que fez o possível mas não localizou o aparelho. Paciência - disse ele. Agradeci, já estava deixando a sala, quando ouço: desculpe, mas e as ações da Vale, hein?
Voltei e ouvi sua história. Ele e sua mulher haviam aderido ao programa que permitiu utilizar parte do FGTS para comprar ações da Vale. Colocaram, na ocasião, algo como R$ 8 mil (números aproximados, cito de memória). E tinham, no dia da nossa conversa, pouco mais de R$ 20 mil.
Perguntei se havia feito a conta de quanto teriam se o dinheiro tivesse ficado no FGTS. Bem informado, o funcionário respondeu na hora: uns R$ 9 mil e pouco.
Portanto, continua sendo um bom negócio, comentei.
E ele: é, mas a gente tinha R$ 35 mil.
Esse é o sentimento que prevalece. A pessoa incorpora o dinheiro valorizado, passa a ser seu, entra nos planos da família. De repente, desaparece.
Por toda parte que ando, essa é a pergunta dominante: e a Bolsa? Recupera quando?
Isso mostra como cresceu o número de brasileiros que entraram na Bolsa. Isso decorreu, de um lado, de uma campanha bem sucedida de popularização (ou democratização) da Bolsa, como dizia seu presidente, Raimundo Magliano.
Multiplicaram-se os clubes de investimentos, home brokers e os fundos, com acesso a partir de 100, 200 reais.
De outro lado, reformas legais ampliaram o mercado de capitais no Brasil. Inúmeras empresas abriram seu capital, de modo que o processo fechou. Mais investidores entrando, mais papéis sendo oferecidos.
Em cima disso, veio a euforia. O índice Bovespa, que chegou a passar dos 70 mil pontos, parecia não ter limite. Quem não estava na Bolsa, fatalmente encontrava um amigo, um familiar, animadíssimo com a força de seus investimentos. Difícil não entrar também.
Hoje, há situações diferentes. Uns, como o de nosso funcionário de Congonhas, pegaram a coisa lá de baixo, ainda podem contabilizar alguma coisa no positivo. Outros entraram mais recentemente e hoje registram perdas de mais de 60%. Mas mesmo aqueles do primeiro grupo olham o quanto perderam em relação ao pico.
E parece que todos não acreditaram que a queda seria tão rápida e tão profunda. Tenho ouvido raríssimos relatos de pessoas que venderam tudo no começo da crise. E, de fato, os gestores profissionais informam que houve poucos saques.
Caíram todos em uma armadilha. É como se os investidores não tivessem tido tempo de reação. Foi a surpresa com a queda, depois um sentimento de que não pode cair tanto assim e agora, o que fazer? Sair e realizar um baita prejuízo? Ficar, na torcida de uma recuperação, e arriscar-se a perder mais ainda?
Dá para perceber um sentimento de que a Bolsa sempre se recupera. Todos se interessam muitíssimo pelos gráficos que mostram os picos e vales.
É que a Bolsa não pode dar prejuízo sempre, pois assim as empresas simplesmente chegariam ao fim e, com elas, o capitalismo. Como não se vislumbra nada parecido com isso, está claro que tendência longa deve ser de alta. E de fato, tomando-se o índice SP500, da Bolsa de Nova York, desde seu primeiro dia, somando mais de dois séculos, temos 70% dos anos com ganhos e 30% com perdas.
Olhando-se a história da Bovespa, também se verifica que picos são cada vez mais altos e os vales, cada vez menos baixos.
Ok, mas a questão chave está em outra variável, a que todo mundo pergunta: quanto tempo para recuperar?
E isso ninguém sabe. No momento, estamos conhecendo, pouco a pouco, o tamanho da recessão nos países ricos e da desaceleração nos emergentes. Ainda não dá para dizer quando isso acaba e o mundo recomeça a acelerar. E isso porque tudo depende, também, de um fator psicológico, a confiança.
Há hoje uma boa tecnologia de pesquisa para se avaliar o grau de confiança do momento, isso para consumidores, investidores e empresários. Aliás, está bem baixa hoje. Mas não há pesquisa que permita antecipar quando e como se recupera a confiança.
Resumo da ópera: estamos no momento de realização das perdas, material e subjetivamente. É a primeira vez que isso acontece por aqui depois da expansão da Bolsa. E logo com uma crise dessas.
Publicado em O Globo, 21 de novembro de 2008
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