Carlos Alberto Sardenberg
--- Os brasileiros e oduro aprendizado de perder na bolsa -
Para se ter uma idéia da importância do crédito para as vendas de automóveis: em dezembro de 2004, o total de crédito concecido aos consumidores para aquisição de veículos era de R$ 38 bilhões em setembro último, bateu R$ 84 bilhões. Mais do que dobrou em menos de quatro anos.
Logo, são importantes aqueles R$ 8 bilhões que o Banco do Brasil e Nossa Caixa prometeram repassar para bancos de montadoras e outras financeiras, para que estas, de sua vez, emprestem para consumidores. O dinheiro representa quase 10% do crédito total.
Vai dar certo?
Depende do grau de confiança dos envolvidos na parte final do negócio.
BB e Nossa Caixa vão emprestar para bancos e financeiras porque o governo decidiu assim. Não foi uma decisão baseada em análise do mercado. Simplesmente, o governo federal e governos paulista (dono da Nossa Caixa) resolveram fazer isso para estimular um setor importante. Tomaram um risco financeiro, mas por uma escolha política.
Agora, dali para a frente, a política não vale mais. Bancos de montadoras e financeiras vão pagar pelo dinheiro do BB e Nossa Caixa. Logo, vão cobrar dos clientes para tomar o risco de conceder o empréstimo. E por certo, vão exigir juros mais altos e prazos mais curtos, além de uma análise rigorosa da ficha do cliente, já que todos os sinais mostram que o país entra em um período de desaceleração. Ou seja, os clientes podem vir a ter dificuldades para pagar as prestações.
Estariam esses bancos e financeiros sendo gananciosos ou, mesmo, impatrióticos?
Não é simples assim. Governantes podem mandar bancos públicos fazerem isso ou aquilo, porque, em termos bem simples, o dinheiro não é deles. Suponha que o negócio dê errado, que BB e Nossa Caixa não recebam de volta o que emprestaram. Isso representará um prejuízo para os acionistas dessas instituições, que são os governos federal e paulista e mais as centenas de milhares de pessoas e fundos privados.
E o que acontecerá com o presidente Lula e o governador Serra, que ordenaram a operação? Considerando os precedentes brasileiros, nada. Ninguém aqui foi para a cadeia por quebrar um banco público. E bancos públicos aqui, inclusive os dois envolvidos nesta história, já foram resgatados com mais dinheiro do contribuinte.
Mas se os bancos e financeiras privadas perdem dinheiro, perdido está. Podem quebrar e mesmo que venham a ser resgatadas pelo governo, os acionistas, os donos, perdem a propriedade que é estatizada ou passada para outro banco.
No outro lado da história, está o comprador do carro e tomador do empréstimo. Ele fará o negócio se os custos couberem no seu bolso e se, mais importante, tiver confiança de que vai manter sua renda e seu emprego pelos próximos meses.
No caso da questão concreta, a relação renda/custo, é só fazer conta. Sabendo-se que os empréstimos estão mais caros, diminui o número de pessoas que podem tomá-los. Há um cálculo, entre os bancos, pelo qual um aumento de R$ 25,00 no valor da prestação exclui nada menos que um milhão de pessoas do universo de tomadores do emprestimo.
No caso da confiança, é sentimento. Claro que a pessoa pode fazer uma análise objetiva de seu futuro na empresa em que trabalha ou do andamento de seu negócio. Mas em cima disso, tem a psicologia, com uma variável enorme de percepções subjetivas a formar, ou não, a confiança no futuro.
Entra aí, claro, todo o noticiário em torno da crise, que tem sido pesado, e os fatos que a pessoa vai observando em torno de suas relações: cortes de gastos ou demissões no trabalho, problemas com familiares e amigos.
E há aqui um outro fator que talvez pela primeira vez tenha um impacto forte nio Brasil: a sensaçao de perda de riqueza com a enorme queda da Bovespa.
De uns anos para cá, aumentou de modo expressivo o número de pessoas que passaram a aplicar suas poupança em ações. A estabilidade macroeconômica e uma série de reformas na legislação ampliaram o mercado de capitais: mais empresas entraram na Bolsa e mais investidores compraram suas ações.
Fundos passaram a aceitar aplicações com muito pouco dinheiro. Regras abriram a possibilidade para que trabalhadores utilizassem parte de seu FGTS na aquisição de Vale e Petrobrás.
O farto noticiário sobre os anos gloriosos das ações fez o resto do serviço.
Agora, todos sentem a perda, pesada. Outro dia, um funcionário do aeroporto de aeroporto de Congonhas me contou sua história: ele e sua mulher haviam utilizado o FGTS para comprar papéis da Vale. Juntos, tinham adquirido algo como 8 mil reais em ações. No auge, chegaram a ter mais de 35 mil.
No momento em que conversávamos, eles tinham 23 mil e sabiam que, se o dinheiro tivesse ficado no FGTS, não teriam mais que 10 mil.
Comentei: então ainda está no lucro.
E o funcionário: é, mas era 35 mil.
A pessoa incorpora aquele dinheiro, passa a ser seu, entra nos planos. De repente some.
Hoje, a maioria dos investidores parece estar pensando que esta crise é um tsunami que vai passar e que a bolsa vai voltar aos 70 mil pontos. Quando perceber que isso, no mínimo, vai demorar muito, vai dar um baita baixo astral.
Isso tem repecussões no consumo e na política, certamente.
Publicado em O Estado de S.Paulo, 17 de novembro de 2008
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