O MUNDO AJUDOU, O MUNDO ATRAPALHA
Carlos Alberto Sardenberg
----A boa onda E o refluxo-----
A crise está chegando aqui pelos mesmos caminhos que haviam trazido a forte expansão dos últimos anos, os caminhos da globalização. O mundo todo cresceu, o Brasil pegou a onda. Agora, o mundo está ou em recessão (os ricos) ou em desaceleração (os emergentes). É o refluxo, que puxa todos para águas perigosas.
A economia mundial já estava em crescimento nos anos 90, mas com diversos episódios de crise. Na entrada do novo século, e logo depois do ataque da Al Qaeda, o planeta iniciou uma arrancada espetacular. Até 2007, o produto mundial cresceu na média de 5% ao ano, numa sequência inédita.
Excetuado um ou outro país travado por questões internas, todos os demais cresceram acima de seus potenciais, os ricos e os emergentes. O comércio mundial de mercadorias e serviços chegou a ter expansão anual perto de 10%, outro recorde.
O sistema financeiro, acreditem, teve papel decisivo, ao captar e entregar capital abundante e barato no mundo todo.
Em 2007, por exemplo, as empresas brasileiras que fizeram emissões primárias de ações levantaram nada menos de R$ 33 bilhões, dinheiro que foi direto para novos investimentos em açúcar e álcool, produção de carnes, minérios, petróleo. E cerca de 80% desse dinheiro veio do exterior, trazido pelo 'cassino financeiro'.
As empresas também levantaram R$ 55 bilhões com a emissão de debêntures e notas promissórias, de novo turbinando negócios.
Com isso, as companhias exportadoras ficaram prontas para atender a demanda crescente no mercado mundial, já que estava todos ganhando dinheiro. A Rússia ficou rica com o petróleo, aumentou as compras de carne brasileira. A China acelerou, cresceu perto de 12% ao ano e precisou de mais minério de ferro e aço, que o Brasil tinha.
Por outro lado, a Argentina ganhou dinheiro exportando carne, trigo e soja e, assim, aumentou a renda com a qual comprou mais carros e eletrônicos made in Brasil. O Chile exportou cobre, vinhos e salmão e, com isso, aumentou a compra de ônibus brasileiros.
Considerem a Vale. O preço das chamadas comodities metálicas simplesmente triplicou em cinco anos e a companhia respondeu à altura com o aumento da produção brasileira, primeiro, e depois com aquisições no exterior. Estas operações, aliás, financiadas pelos bancos de investimentos isso mesmo, aqueles que vieram a quebrar.
Para falar a verdade, o Brasil pegou a onda mundial já no final da festa. Por isso, cresceu menos. Na média, de 2003 a 07, os emergentes cresceram 7,5% ao ano. O Brasil, 4,5%. O país se atrasou nas grandes reformas macroeconômicas, aquelas que derrubaram a inflação, colocaram as contas públicas sob controle, privatizaram (e prepararam companhias como a Vale) e abriram o comércio externo. Ainda assim, as exportações brasileiras triplicaram, sobraram dólares no país, que o Banco Central comprou e fez as reservas que nos permitem passar pela crise sem quebrar.
Claro, portanto, que foi uma combinação de virtudes internas a conquista da estabilidade macroeconômica e o extraordinário momento da globalização.
O refluxo é agora. Com a crise financeira internacional, sumiram as emissões de ações e de outros títulos. O capital tornou-se escasso e mais caro, especialmente para os grandes negócios. No mercado imobiliário, empresas abriram capital, receberam dinheiro novo, compraram terrenos e agora, como financiar os compradores?
Assim como cresceu e empregou para exportar, a Vale agora encolhe e demite, pois os fregueses lá fora estão sem dinheiro e sem crédito. O preço do cobre desabou, o Chile perde renda, vai importar menos.
Essa é a parte ruim da história.
Tem uma boa. Nas crises internacionais anteriores, o Brasil quebrava pelo lado externo. Ou seja, ficava sem os dólares necessários para pagar seus compromissos.
No primeiro trimestre de 2002, por exemplo, a dívida externa líquida do país era de US$ 167 bilhões. O dólar disparou e a dívida, medida em reais, dobrou, o Brasil ficou insolvente, foi ao FMI.
Hoje, o país como um todo é credor em dólares. E o governo, em especial, é super-credor. Tem uma dívida externa em torno dos US$ 90 bilhões e reservas superiores a US$ 200 bilhões. Quando o dólar valoriza, o governo ganha dinheiro, reduz a dívida.
Em vez de passar o pires no FMI, faz um acordo de troca de moedas com o Fed, o banco central dos EUA. É o prêmio por 14 anos de uma política econômica consistente, aplicada com rigor desde 1993. Sofre com a crise, mas não quebra e está preparado para sair dela mais depressa e melhor.
Publicado em O Globo, 04 de dezembro de 2008
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