Carlos Alberto Sardenberg
Saiu na mesma página no noticiário de sexta-feira: o presidente Lula dizendo que nenhum empresário tem motivo para demitir neste momento e informações sobre demissões em diversos setores.
O presidente disse, ainda, que eventuais negociações para a flexibilização de contratos de trabalho devem ficar por conta de empresas e trabalhadores - governo de fora. Logo em seguida, desprezando a contradição, como costuma fazer, disse que governo e empresários devem buscar soluções para a crise.
Tempos atrás, no início de sua primeira administração, o presidente dizia coisa ainda mais diferente. Sustentava que sua história como líder sindical não-pelego lhe dava todas as condições para tratar das reformas trabalhista, sindical e previdenciária. Do mesmo modo dizia, aliás, que o MST simplesmente desapareceria em seu governo, porque ele concluiria a reforma agrária.
Muita gente foi nessa onda, incluindo analistas econômicos e políticos, representantes dos empresários e jornalistas. Como se entedia que a reforma deveria flexibilizar a legislação, retirando direitos trabalhistas da Constituição e permitindo que empresas e sindicatos negociassem um maior número de itens do contrato de trabalho, concluía-se que apenas Lula seria capaz de levar os sindicatos a recuar da posição de defesa intransigente da CLT. E como isso foi encaminhado? Com a formação de comissões, reunindo representantes dos trabalhadores, dos empresários e... do governo.
Não deu em nada, por uma combinação de dois fatores. Primeiro, a economia foi-se ajustando, voltou a crescer e a urgência desapareceu. Mas o segundo motivo foi mais importante: os sindicalistas pensaram exatamente o contrário, que a presença de Lula no Planalto e de diversos líderes sindicais no Ministério e nas estatais abriria espaço para impedir qualquer flexibilização na legislação. E, mais do que isso, era o momento de incluir mais direitos na lei, como a redução da jornada de trabalho sem redução de salários - tema posto na pauta pouco antes da eclosão da crise, com apoio explícito de ministros e ao menos a concordância indireta de Lula.
Tudo considerado, naquelas comissões tripartites se formou uma aliança tácita entre representantes do governo e das centrais sindicais, que não quiseram sequer discutir a reforma da legislação trabalhista. Para essa aliança, era preciso acertar a reforma sindical de modo a preparar sindicatos para a fase de negociação.
Também esse era um tema do Lula sindicalista. Lembram-se? O pessoal combativo do ABC era contra o Imposto Sindical e toda uma estrutura que favorecia o peleguismo. Se ao menos essa reforma saísse, já seria um avanço. Mas também não deu em nada. No poder, os sindicalistas pensaram diferente e conseguiram até ampliar a distribuição do dinheiro do Imposto Sindical para as diversas centrais.
Resumo geral: não saiu reforma nenhuma. Lula, em vez de liderar pelas mudanças, usar sua autoridade moral de líder sindical e sua autoridade efetiva como presidente, simplesmente recuou e aceitou as pressões dos companheiros.
E assim chegamos à crise da desaceleração da economia brasileira, com espaço reduzido para negociação entre empresas e trabalhadores com carteira. E nenhuma proteção para a maioria dos trabalhadores sem carteira.
No caso dos trabalhadores formais, há ainda outra diferença: entre aqueles que contam com bons sindicatos, como os metalúrgicos do ABC, e os outros, a maioria, com sindicatos pelegos. No primeiro caso, há até boas negociações. No segundo, não tem conversa: ou é o pleno emprego garantido ou a demissão. Mesmo no primeiro caso, há limitações legais às negociações, de modo que não adianta o presidente Lula dizer que é um problema de empresas e sindicatos. O governo não está de fora, porque, se for para fazer algo sério, será preciso alterar legislações. Além disso, em diversas medidas anticrise está implícito um aumento do gasto público. E isso nos remete a outra coisa que não foi feita.
Os diversos programas de estímulo à economia exigem uma combinação de redução de impostos e aumento de investimentos públicos. Dito de outro modo, exigem a redução de gastos não-investimento, exatamente o contrário do que fez o governo nos anos de bonança. E também perdeu a reforma tributária. Agora...
Agora vai - Se o juro é o preço do dinheiro e se o Fed, o banco central dos EUA, colocou a taxa básica de juros em zero, isso quer dizer que o dinheiro vai sair de graça para os bancos. Esses bancos estavam sem confiança para emprestar a empresas, pessoas e a outros bancos. Recuavam diante do risco de calote.
Agora o pessoal se pergunta: "Tendo dinheiro de graça, será que não vão emprestar?"
Por via das dúvidas, o Fed não apenas colocou a taxa perto de zero. Disse que vai ficar ali por um bom tempo e anunciou vários programas de compra de títulos de bancos, agências hipotecárias, companhias de cartão de crédito, empresas que fazem empréstimos estudantis, além das compras de papéis das grandes empresas (notas promissórias). Disse ainda que, no início de 2009, vai estender facilidades de crédito a famílias e a pequenas empresas. Só falta comprar carro usado.
Quando toda essa história começou, o Fed só podia emprestar para bancos comerciais. Agora dá crédito para todo mundo. São medidas ortodoxas, heterodoxas, novas, velhas, deste e do outro mundo. Ou seja, é um enorme esforço para restabelecer o funcionamento do sistema de crédito.
Acrescente aí o programa de gastos de Obama em infra-estrutura e novas tecnologias, que, dizem, pode chegar a US$ 800 bilhões, 6% do PIB! Uma bomba atômica contra a recessão.
Demora algum tempo para pôr os programas em operação, mas não é possível que não funcione.
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