Lucia Hippolito
Muito nervoso, maltratando a língua portuguesa, o presidente do Senado, senador José Sarney, foi à tribuna para se defender das críticas, segundo ele, muito injustas, que não respeitam sua biografia.
Não convenceu. Listou vários fatos de sua biografia. Falou dos 50 anos de vida pública, misturou fatos ocorridos durante a ditadura com ações suas na presidência da República.
Eximiu-se de toda e qualquer responsabilidade pela desmoralização completa por que passa o Senado da República. Repetiu inúmeras vezes que a crise não é dele, é do Senado.
Lamento, mas o senador José Sarney é o maior responsável pela crise.
Não se trata de desmentir ou de apagar a biografia do nobre parlamentar. Longe disso. Quem reescrevia o passado eram os historiadores soviéticos. A história de José Sarney é bem conhecida.
O que há de mais curioso a ressaltar no discurso de quase meia hora é a total falta de compromisso de José Sarney com os últimos dez ou 15 anos da história do Senado. Sarney discursou como se tivesse chegado ontem à presidência da Casa.
Como se não estivesse presidindo o Senado pela terceira vez. Como se não fosse pessoalmente responsável pela criação de cerca de 50 das 181 diretorias recém-descobertas na Casa.
Como se não fosse pessoalmente responsável pela nomeação de Agaciel Maia como diretor-geral do Senado. Como se não tivesse legitimado uma série de atos de Agaciel Maia e do diretor de Recursos Humanos, João Carlos Zoghbi.
Não é trivial privatizar o Senado da forma como o Senador José Sarney o fez. Tinha até outro dia um neto e duas sobrinhas empregados. Recebia auxílio-moradia tendo residência particular em Brasília e tendo à sua disposição, desde fevereiro, a residência oficial do Senado.
Sua estrategista de campanha era também diretora do Senado. Exonerada para fazer campanha, teve a exoneação cancelada (tudo através de documentos sigilosos).
Sua casa em São Luis era protegida por seguranças do Senado... embora ele seja senador pelo Amapá.
Semana passada, sua Excelência foi padrinho de casamento da filha de Agaciel Maia, ex-diretor-geral do Senado. Que agora, depois de prestar relevantes serviços ao senador Sarney, está sendo jogado às feras. Pelo senador Sarney.
O senador José Sarney não tem direito de afirmar que a crise não é dele.
Quando tenta diluir a crise do Senado brasileiro na crise de representação mais geral, que acontece em muitos parlamentos do mundo, o senador tenta uma manobra esperta.
É verdade que há crise em outros países, mas lá os parlamentares renunciam, pedem desculpas públicas, devolvem o dinheiro desviado. Alguns até se matam.
Não se espera nenhuma atitude radical por parte do senador Sarney. Nem mesmo a renúncia à presidência do Senado virá por livre e espontânea vontade.
Mas o clima de rebelião entre os funcionários do Senado é evidente. A forte reação da opinião pública também.
Uma vez o senador José Sarney contratou a Fundação Getúlio Vargas para fazer um diagnóstico da situação do Senado e propor medidas. Deu certo. Nada aconteceu.
Desta vez, repetiu a manobra. Mas suspeito muito de que não vai funcionar.
Os tempos são outros, Excelência.
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