segunda-feira, 20 de julho de 2009

Carlos Alberto Sardenberg

COMO NACIONALIZAR SEM PARECER CHÁVEZ?


--O governo quebra a cabeça para montar o modelo do pré-sal-----


O modelo de exploração do petróleo do pré-sal está atrasado mais de ano, isso contando a partir de prazos fixados pelo próprio governo federal. O debate é fechado, de modo que se sabe pouco. Às vezes vaza alguma coisa, às vezes o ministro Edson Lobão, de Minas e Energia, avança alguma ideia em estudo. As mais recentes informações assim obtidas indicam que o governo pretende privilegiar a Petrobrás – e isso só pode significar que a estatal ficará com todos ou, digamos, com a maior parte dos campos de melhor potencial.
Pelo modelo atual, tal como praticado, é impossível outorgar esse privilégio. Os campos têm de ser leiloados e a participação é aberta a companhias privadas nacionais e estrangeiras. Aliás, alguns campos do pré-sal foram descobertos nesse sistema, por consórcios reunindo a Petrobrás e empresas privadas.
Está certo que não é simples definir um modelo de exploração de petróleo, especialmente quando se supõe que há muito óleo. Mas também não é uma complicação absoluta. Há diversos sistemas praticados mundo afora, de modo que o problema é de escolha, a qual, de sua vez, depende de critérios econômicos e políticos.
Assim, eis uma hipótese para o atraso: o governo Lula quer um modelo estatal para o pré-sal, como aliás o próprio presidente já indicou, mas a legislação vigente não permite isso. Ok, pode-se mudar a lei (o governo tem maioria para isso) ou mesmo fazer uma reinterpretação jurídica. Mas o ambiente internacional é um obstáculo para isso.
Lula é o cara no mundo não porque seja de esquerda, mas porque é um líder que veio da esquerda e aplica políticas econômicas muito bem aceitas no FMI, na OCDE, em Washington, por exemplo, e, sobretudo, não atropela as regras, nem gera insegurança jurídica.
Para simplificar. Ninguém, entre os líderes mundiais, espera que Lula faça como seus colegas Chávez e Morales e decrete uma nacionalização do pré-sal. Ninguém acredita que Lula vai fazer com os campos do pré-sal o que Morales fez ao confiscar campos e refinarias da Petrobrás. Ou o que Chávez fez para expulsar da Venezuela companhias que não aceitassem suas regras do jogo.
O Brasil é a bola da vez, no bom sentido, nos meios econômicos mundiais. Investidores de diversos paises e com diversos propósitos, de comprar papéis a instalar fábricas ou participar da indústria do petróleo, preparam seus projetos para desembarcar no Brasil.
Todo esse ambiente seria alterado com uma decisão desastrada no setor estratégico do petróleo. Considerando o momento, certamente o mundo toparia um modelo de viés estatizante, mas desde que implantado no marco do sistema jurídico e que não exclua a participação de companhias privadas, estrangeiras e nacionais, claro. E, sobretudo, um modelo que não violente as regras vigentes e os direitos das companhias já aqui instaladas.
Contrariando essa expectativa, Lula gastaria boa parte do capital que acumulou nesses anos todos. Não deixaria de ser o cara assim de uma vez só, mas perderia espaço. Aliás, não é apenas nesse tema que Lula será testado.
Obama, por exemplo, que fixou “o cara”, já disse que espera dele uma influência moderadora sobre o presidente do Irã, Ahmadinejad. Ou seja, espera uma ação de liderança afirmativa. Lula parece ter visão diferente da diplomacia. Ele faz amigos, atrai lideranças para seu lado, mas apoiando ou fazendo vistas grossas para tudo o que fazem, incluindo a violação de direitos humanos. Lula disse que não via nada demais nas eleições no Irã, nem no programa nuclear do governo dos aiatolás.
Mas se ele é o “cara” internacional, não é para ir lá no Irã e aplaudir os caras locais. Esse tipo de momento da verdade está chegando para Lula. O mundo espera dele e do Brasil uma liderança determinada, inclusive na construção do novo modelo de governança econômica mundial. Não basta mais atacar o G-8 e propor a substituição por um G-20, se isso não inclui propostas concretas. E estas não existem. Na última reunião dos Brics, um grupo menor, de quatro países, (Brasil, Rússia, Índia e China) não se formulou sequer uma idéia relevante em comum.
Resumo da ópera: o pessoal da ministra Dilma e do ministro Lobão deve estar quebrando a cabeça para arranjar um modelo estatizante, sem parecer bem isso. Detalhe: é esquisita essa ideia de privilegiar a Petrobrás, uma empresa de controle estatal, é verdade, mas, é bom lembrar, com ações vendidas a investidores privados, nacionais e estrangeiros, inclusive com papéis negociados na Bolsa de Nova York.

Trem bala
Também pelo cronograma do governo, o trem-bala São Paulo-Campinas-Rio, passando pelos aeroportos de Cumbica e Viracopos, está atrasado mais de ano. Apareceu como obra do PAC, a um custo de uns R$ 20 bilhões, prevendo-se edital de licitação, com tudo pronto, no final do ano passado.
Mudou um pouquinho. Agora, o projeto está prometido para o início do ano que vem. Outro detalhe: o preço passou para R$ 35 bilhões.
Ao contrário do negócio do petróleo, neste o governo vai privatizar o trem. O projeto ficou muito caro, demora para dar lucro. Mas sabendo disso, técnicos do governo já indicam que o governo vai ter que pagar parte da passagem (subsidiar).
Dizem que deve estar pronto para a Copa. Alguém aposta?

Publicado em O Estado de S. Paulo, 20 de julho de 2009

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