Às vezes, parece que a política brasileira habita vários universos paralelos.
Depois, lá no final acontece uma pororoca, e as pessoas se surpreendem.
Os ingredientes da mais recente confusão são os seguintes:
1. Câmara e Senado reclamam fortemente do excesso de Medidas Provisórias, que trancam a pauta freqüentemente e impedem que o Legislativo exerça sua mais nobre função, a de legislar.
Os presidentes da Câmara e do Senado criaram uma força-tarefa para propor modificações na tramitação das MPs.
2. Orçamento da União não foi votado até agora. No próximo dia 29 extingue-se o mandato de todas as comissões permanentes do Congresso – e, portanto, também da poderosa Comissão Mista de Orçamento.
Novos membros serão escolhidos, e isto não se faz sem algum derramamento de sangue.
No caso da Comissão de Orçamento, isto não significa que todo o trabalho volte à estaca zero, mas atrasa e muito a votação do Orçamento.
3. Enquanto não dispõe o Orçamento, o governo federal não pode gastar. Por isso, o Planalto ameaça retaliar, editando uma catarata de MPs para viabilizar despesas – pois o Orçamento ainda não foi votado.
4. Governo e oposição disputam ferozmente o comando da CPI Mista dos Cartões. O obstáculo maior ao entendimento é o deputado Henrique Fontana (PT-RS), líder do governo na Câmara.
Fontana quer presidência e relatoria nas mãos da base aliada.Mas os líderes no Senado e no Congresso, Romero Jucá e Roseana Sarney sugerem a entrega da presidência à oposição. Oposição oferece o nome de Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), que por ser dissidente, não é aceito pelo Planalto.
5. PMDB reúne sua bancada no Senado às 10h de hoje. O líder Waldir Raupp não quer entregar presidência nem à oposição nem a Jarbas e recomendou ao senador Neuto do Conto, que já estava se preparando para viajar a Santa Catarina, que não saia de Brasília – Neuto de Conto (PMDB-SC) é, até agora, o nome escolhido pela base aliada para presidir a CPI.
6. Oposição decidiu dar prazo até 14h de hoje para o governo escolher se entrega ou não um dos cargos da CPI à oposição. Caso contrário, será lido no plenário do Senado o requerimento para a instalação da CPI exclusiva.
Este resultado é politicamente desastroso para o governo, porque pode gerar uma nova CPI do fim do mundo (a CPI dos Bingos, que funcionou junto com a CPI dos Correios, no escândalo do mensalão).
Com isso tudo, o governo Lula acredita que terá ambiente para votar uma coisa tão importante e delicada, como é a reforma tributária, que exigirá doses de entendimento, articulação e de uma sofisticação política nunca antes praticada pela base aliada.
Ou os articuladores políticos do governo são de uma inocência a toda prova, ou o governo está de má-fé e apelou para a reforma tributária como uma “bode”, uma cortina de fumaça para gerar uma agenda positiva e abafar o noticiário negativo da farra dos cartões corporativos, das ONGs que recebem recursos vultosos, da situação do ministro do Trabalho, enfim, de tudo o que vem afetando negativamente a performance do governo.
O resultado da pororoca a gente conhece: se a reforma tributária fracassar, o governo ainda pendura a fatura na conta da oposição.
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