Questão da jornada
(leia aqui a coluna publicada neste sábado em O Globo)
No Brasil, quase metade dos trabalhadores está fora do mercado formal, mas o que está no Congresso é uma proposta de redução da jornada de trabalho para 40 horas. É uma forma de aumentar a criação de emprego, como dizem as centrais e o Dieese, ou de reduzir o emprego? Pode ser apenas mais uma demonstração de que os incluídos é que ditam a agenda neste tema.
A redução da jornada é o tema de preferência das centrais sindicais, mas, num mercado de trabalho tão cheio de distorções e carências, será que é essa a prioridade do trabalhador?
A Constituição de 1988 reduziu a jornada de trabalho de 48 para 44 horas. Para o economista José Marcio Camargo, da Tendências Consultoria, o efeito foi, na época, na melhor das hipóteses, nulo. Isso porque muitas pessoas do mercado formal já trabalhavam mesmo as 44 horas.
Ele acredita que, teoricamente, a redução na carga tende não a aumentar, mas a diminuir o nível de emprego. Foi isso que aconteceu no início dos anos 90, pós-Constituição. A conta é feita considerando o custo por hora. Quando se reduzem as horas, aumenta o custo por trabalhador. Dessa forma, na visão de José Marcio, o empregador acaba optando por não contratar mais, mas, sim, aumentar o volume de horas extras ou de funcionários terceirizados.
O Dieese, centro de pesquisas dos sindicatos, tem estabelecido o tema como central nos seus estudos. Desde 2001, eles colocaram essa questão em pauta, mas, no ano passado, ela voltou a se fortalecer, primeiramente com discussões setoriais. O principal argumento do Dieese é que a redução na jornada pode gerar novos empregos e de melhor qualidade. Isso, contudo, teria de ser feito acompanhado de uma "limitação do uso da hora extra e da flexibilização do tempo de trabalho", segundo afirma um estudo técnico do instituto. Quanto à suposição de que isso poderia encarecer ainda mais o custo do trabalho, de forma a desestimular a contratação de novos funcionários, e que uma possível diminuição da carga só beneficiaria a metade formal dos empregados, a técnica do Dieese Ana Claudia Moreira argumenta:
— A discussão é muito semelhante à da época do aumento do salário mínimo. Mas mudanças como essas são capazes de pressionar até mesmo o setor informal. Elas viram uma obrigação para o formal e uma referência para o informal.
Segundo Ana Claudia, nos anos 90, a produtividade do trabalho dobrou no Brasil e continuou crescendo também nesta década, e o custo do salário aqui ainda é um dos menores do mundo. Dessa forma, afirma ela, o peso dos salários no custo total da produção é muito baixo.
Os empresários dizem que mais do que os salários, o que realmente pesa na decisão de contratar são os custos tributários e todos os encargos envolvidos. Qualquer tipo de flexibilização em grandes empresas é reprimido.
França e Alemanha, anos atrás, decidiram reduzir a jornada. Em ambos os casos, segundo conta José Marcio Camargo, foram gerados menos empregos depois da mudança. Na França, a jornada menor, inclusive, aumentou o desemprego. Na Alemanha, a maioria das reduções de jornada foi estabelecida através de negociação coletiva entre sindicatos e patronais. Depois foi feita uma legislação para o tema, da qual o governo acabou tendo que voltar atrás.
O economista acha que o melhor é deixar que a questão da jornada — se for o caso — entre nas negociações coletivas, pois a medida em que a produtividade aumenta, tende a aumentar também a força de negociação dos funcionários. Esses dias, por exemplo, os farmacêuticos conseguiram negociar a queda nas horas trabalhadas.
— A jornada já está diminuindo normalmente no Brasil. Se isso for determinado por lei, pode acabar gerando menos empregos.
No entanto, ele acredita que uma possível mudança na legislação de horas trabalhadas não faria necessariamente com que a informalidade crescesse, apenas poderia afetar nos casos de pessoas que ganhassem perto de um salário mínimo. Isso porque, nesses casos, poderia se tornar pouco vantajoso ter um empregado formal.
O mercado de trabalho brasileiro tem muitas distorções. A informalidade é uma delas. A fiscalização do Ministério do Trabalho é exagerada em empresas urbanas formais que querem apenas ter outros arranjos trabalhistas, mais flexíveis, de interesse tanto do empregador quanto do empregado. Para reprimir inovações, têm todo o apoio dos sindicatos. Dessa forma, inibem a formação de emprego.
Por outro lado, os abusos de empregadores no Brasil rural, mesmo em áreas ricas, como mostram os vários casos de morte por exaustão nos canaviais, não mobilizam os sindicatos. O aparato sindical formal têm se mostrado mais preocupados em aumentar as vantagens para os que já as têm e, em muitos casos, em se imiscuir no aparato governamental — como se vê nos últimos escândalos — para fazer tráfico de influências.
O Brasil precisa de mais empregos, principalmente para os jovens, grupo no qual as taxas de desemprego são assustadoramente altas. No entanto não vai criá-los se os sindicatos fortes e as centrais defenderem pautas que atendam apenas os já incluídos e se o governo continuar paralisado diante de mudanças inevitáveis. O país precisa de uma solução que atenda a quem está sendo barrado no mercado do emprego moderno.
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