Ferreira Gullar
Nunca os pobres se sentiram tão protegidos e nunca os banqueiros lucraram tanto no Brasil
O alto índice de popularidade do presidente Lula tem suscitado a reflexão dos comentaristas que se sentem desafiados a explicá-la. A tarefa não é das mais fáceis e, por isso mesmo, as explicações nem sempre coincidem, muito embora sejam, na sua maioria, pertinentes. E porque o assunto envolve numerosos fatores e causas, resta sempre algum ponto que ainda não foi explicitado.
Vou tentar examinar alguns deles e, para isso, terei que tocar em aspecto já argüidos mas que não se podem excluir na apreciação do tema. Um deles é, sem dúvida, a estabilidade econômica de que o país goza hoje e de que não gozaria se as teses de Lula, contra o Plano Real, tivessem prevalecido. Não faço tal observação com outro propósito senão o de tentar definir a natureza dessa popularidade e suas possíveis conseqüências para o processo político.
O fato de Lula, eleito presidente, ter adotado a política econômica que combatera ferozmente, revela-se uma louvável sensatez, revela também, ao mesmo tempo, por ele não reconhecer o débito de hoje e o equívoco do passado, certa carência de escrúpulos, o que explica muita coisa da popularidade de que desfruta hoje.
Certamente, essa popularidade se deve também aos programas sociais de amparo às camadas desfavorecidas da sociedade, antes aplicados em Campinas (SP) e Brasília, depois adotados por Fernando Henrique em âmbito nacional e que Lula manteve e ampliou.
Mas também aqui, mais uma vez, procurou turvar a água e apresentar-se como o criador do programa, fundindo os dois programas existentes e mudando-lhes o nome. Com isso, prejudicou-lhes a eficiência, por dificultar a avaliação precisa dos resultados. Como era de se esperar, aumentou a ajuda a cada família e a dotação global para abranger o maior número possível de famílias, que hoje somam cerca de 11 milhões, o que equivale a mais de 40 milhões de indivíduos. Bastaria, portanto, o Bolsa Família para lhe garantir uma ampla aprovação das camadas pobres do povo. Isso é do conhecimento de todos.
No entanto, não bastaria para assegurar a Lula a aprovação de que desfruta hoje. Ele lançou mão de outros recursos, como, por exemplo, manter-se permanentemente no palanque e na mídia, tudo fazendo para, com seus discursos e pronunciamentos, capitalizar, não apenas o resultado dessas iniciativas, como de tudo o que, de positivo, ocorre no país. Tudo o que ocorre de bom, foi ele quem fez; tudo o que ocorre de ruim, tem um culpado, que não é ele.
E, como esta é sua principal ocupação, está sempre atento à mais mínima notícia que possa comprometer o "paraíso" em que ele transformou o Brasil: ao surgir uns primeiros sintomas de aumento da inflação, ele imediatamente culpou Bush e os países europeus. Não importa se é verdade ou não, já que a grande massa do povo não entende bem como essas coisas se dão; o que ele diz é aceito, porque ele é seu amigo e salvador e "os outros", seus inimigos.
Lula tem a esperteza do demagogo, e não a esconde. Quando surgiu o escândalo do "dossiê", declarou: "O povo não sabe o que é dossiê; pensa que é alguma coisa doce". E por essa mesma razão, quando lhe perguntaram pela crise econômica, respondeu: "Pergunta pro Bush". E assim responsabilizava o presidente americano por uma crise que é do sistema econômico e não do governo.
Por que fez isso? Porque lhe interessa levar o povo a pensar que o presidente de um país é responsável por tudo, donde decorre que, se os Estados Unidos vão mal, a culpa é de Bush e, se o Brasil vai bem, é graças a Lula e a ninguém mais. Mas isso só vale até que alguma coisa dê errado, quando então o responsável será, inevitavelmente, alguém que não ele, a imprensa talvez ou os "inimigos" do Brasil.
E por falar em inimigos, vale lembrar que Lula tem um discurso para cada público e para cada ocasião; ultimamente, comporta-se, nos palanques, como se estivesse num palco: "Dilma, já pensou se isso acontecesse dez anos atrás?". A sorte é que temos no governo um mago das finanças, que é também uma metamorfose ambulante.
A sua popularidade deve-se também a um raro talento político, a que se soma o fato de, originário da classe operária, atuar como uma espécie de amortecedor dos conflitos entre pobres e ricos: em função disso, nunca os pobres se sentiram tão protegidos e nunca os banqueiros lucraram tanto. Os nossos capitalistas -do mesmo modo que Bush- não ligam quando ele posa de esquerdista. Sabem que os fatos valem mais do que as palavras. E daí, os aplausos gerais.
Atenção, auditório, palmas para o Lula, que ele merece!
Transcrito da Folha de S. Paulo de 28/09/2008
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