Míriam Leitão
O Congresso americano poderá aprovar algum projeto de socorro aos bancos desde que haja uma medida de apelo popular que tire dele a marca de ser um socorro aos banqueiros. Uma possível medida é o aumento do limite da garantia dos depósitos. Mesmo na incerteza, muita coisa se sabe. É isso que devia servir de guia ao Brasil na preparação para atravessar esse período turbulento.
Ontem, o mercado deu o salto que deu por dois motivos: tinha caído exageradamente na véspera, num momento de pânico; e se deixou embalar pela esperança de que o projeto de socorro aos bancos será aprovado. Os dois movimentos não são racionais. Cair 9% num dia e subir quase 8% no dia seguinte não faz qualquer sentido. O mercado continua alternando pânico e euforia.
O projeto de socorro pode ser aprovado, sim, mas será preciso modificá-lo. A elevação do limite do FDIC, que garante os depósitos dos correntistas em caso de falência de um banco, atenderia o que os políticos chamam de “Main Street”, o cidadão comum. Só que é bom lembrar que o que derrubou o projeto não foi um ponto ou outro, mas a falta de liderança que organize os republicanos numa direção. Se a esperança que embalou ontem o mercado for frustrada por algum fato novo, o mercado despenca de novo.
O governo brasileiro saiu da postura desinformada de que nada nos atinge para uma consciência mais realista de que o país já foi atingido; o que precisa ser feito é fortalecer as defesas contra os contágios. De janeiro até 25 de setembro, saíram do país R$ 17,3 bilhões de investimento estrangeiro. O primeiro contágio é via bolsa, pelo rearranjo dos ativos no portfólio dos investidores.
O segundo efeito se dá pelo mercado de crédito. Como ele é globalizado, se o crédito desaparece nos Estados Unidos, ele fica mais escasso no Brasil ou em qualquer outro país do planeta. O aumento da oferta de crédito faz parte da mesma onda de liquidez que esta crise encerrou.
Os juros aumentaram para conter a inflação, e isso tornou maior o custo da dívida pública interna. Até agora, o governo tem aumentado os gastos e feito superávits primários além da meta. Essa mágica só dura enquanto a arrecadação estiver subindo, pelo crescimento. Quando o país crescer menos, a situação se inverte, porque as despesas que estarão crescendo são permanentes. Falta um verdadeiro ajuste fiscal no país, que inclua as duas novidades: o país vai crescer menos, portanto, arrecadar menos; o custo da dívida está mais alto.
Acabou o vento a favor e o mundo passará por um período de baixo crescimento. Seja o projeto aprovado ou não, seja o socorro eficiente ou não para estancar a sangria do mercado, já se sabe que haverá recessão nos mercados americano, europeu e japonês, e que o mundo todo crescerá menos. As previsões para o crescimento do país em 2009 estão ficando cada dia mais modestas. O crescimento brasileiro cairá dos atuais 5% deste ano para o nível dos 3%. Isso será sentido pelo consumidor e pelo caixa do governo.
Um banco estatal de fomento, por mais tradicional e forte que seja, não vai suprir a oferta de crédito do setor privado. Ou seja, o BNDES sozinho não cobrirá a falta de financiamentos nos bancos privados por mais sedutora que seja a TJLP quando comparada à Selic. É a rede privada que tem que funcionar, suprindo o mercado de financiamento à produção, de desconto de duplicata, de financiamento de folha, de contratos de câmbio. Sozinho, o governo não pode simplesmente “dar um jeito”.
É sensato manter reuniões periódicas analisando os efeitos da crise e se preparando para reduzir seu impacto no Brasil. Mas algumas idéias que têm transpirado destas reuniões têm o mesmo DNA: substituir tudo o que o mercado faz por soluções estatais. Isso não é a solução e pode criar distorções.
Nos últimos anos, quando o aumento da liquidez mundial e o crescimento americano ajudaram o Brasil a crescer, a acumular reservas e a fortalecer o real, o governo atribuiu tudo aos seus próprios méritos. Agora, quando dá errado, o presidente Lula põe o Brasil como vítima. Nem virtuoso, nem vítima, apenas inserido na ordem global. Para o bem e para o mal. E é essa dinâmica do mercado global que precisa ser entendida se o país quiser se preparar para os tempos difíceis à frente.
O excesso de concessão de crédito aos americanos permitia o aumento do consumo, que elevava as exportações de todos os países emergentes. Naquela época do boom, nenhum país beneficiado se lembrou de pedir mais regulação no mercado central. Os países africanos cresceram como nunca nos últimos anos. Tinha que ser um país muito mal dirigido como o Zimbábue para perder a onda de crescimento puxada pelos investimentos chineses, abundantes pelo fato de a China ser a grande beneficiada pelo crescimento americano. Os países sul-americanos também. Mesmo a Venezuela recebia recursos abundantes de fora, apesar do seu errático presidente.
Qual parte da onda de liquidez era devida a fatores virtuosos, qual parte era providenciada pela circulação de derivativos da bolha do mercado imobiliário? Uma parte dos capitais abundantes que vieram para os países latino-americanos estava em busca de maior rentabilidade. Não veio num ato de fé ao governo Lula. É preciso conhecer a dinâmica da economia globalizada para ajudar a proteger o país da crise global.
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