Dois candidatos com cara de mau
Ricardo Amaral é repórter especial de ÉPOCA em Brasília.
O que têm em comum a ministra Dilma Rousseff e o governador José Serra, além do carisma próximo de zero e de lugares praticamente garantidos na corrida presidencial? A resposta é: conhecem a máquina, sabem mandar e têm aquelas tremendas caras de mau. São atributos valorizados pelo eleitor em momentos de dificuldade e incerteza, como o que se abriu com a crise financeira mundial. Eles não ajudaram Serra a chegar ao Planalto em 2002, quando a vitória foi do risonho Lula. Será que vão ajudar Dilma em 2010?
Se fosse possível reduzir a política a modelos matemáticos, a fórmula da sucessão estaria dada: apoio do presidente popular + economia em ordem + coligação partidária forte = candidata eleita. Como a política é uma ciência tão inexata quanto a economia, essa fórmula já estava sob suspeição havia algum tempo. Neste mês de outubro, os eleitores das grandes cidades trataram de condicionar o princípio geral: nem sempre o apoio do presidente, ou de governadores e prefeitos populares, garantiu a vitória de candidatos com notórias dificuldades eleitorais. A chegada da crise mundial ao Brasil acrescentou uma dose de incerteza ao que já não era tão seguro.
A crise não estava nos planos do presidente Lula e certamente vai tornar mais difícil a campanha da candidata do Planalto, mas isso não significa que as coisas serão fáceis para a oposição. O impacto eleitoral da crise dependerá de seus efeitos sobre os três fatores que até aqui vêm sustentando os índices de aprovação do governo nas camadas mais pobres da população: aumento do nível de emprego, poder de compra dos salários em alta e manutenção de amplos programas sociais. Eles se tornaram possíveis numa economia em crescimento com inflação sob controle, que beneficia o país como um todo. O desafio do governo é manter esse conjunto até 2010, numa corrida contra o tempo que já começou.
As primeiras medidas contra a crise foram adotadas para tentar manter o ritmo da economia: oferta de crédito para a agricultura, para as exportações e para o consumo interno. Aplicou-se uma injeção bilionária de recursos no sistema financeiro – sem precedentes nem mesmo na reestruturação do sistema em 1995, como apontou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (leia a entrevista na pág. 52). O governo já deu sinais de que haverá cortes no Orçamento do próximo ano, mas não vai recuar do reajuste programado do salário mínimo nem pretende reduzir o Bolsa-Família ou os projetos em andamento do PAC. Ou seja: Lula decidiu pagar para ver o impacto da crise mundial sobre a economia brasileira e os pilares de sua popularidade.
Se errar a mão nas medidas contra a crise, Lula pode
transformar a Dilma de 2010 no José Serra de 2002
Ninguém duvida que em 2009 teremos menos investimentos, menos crescimento e, portanto, mais problemas nas contas públicas e na Previdência, com a queda relativa da arrecadação e dos empregos formais. No cálculo do Planalto, haveria gordura suficiente para estender até o ano da sucessão boa parte dos fatores econômicos favoráveis ao governo, além do ambiente de satisfação com o país e da confiança no futuro. Mas essa é uma aposta – uma aposta tão legítima quanto a da oposição. Com base na mesma realidade, os tucanos prevêem um aumento no índice geral de desconforto, mau humor e desconfiança nos próximos dois anos.
Para ficar no meio, vamos imaginar que em 2010 a economia estará pior do que hoje, mas com sinais vitais preservados, podendo recuperar-se ou não, dependendo do que fará o próximo presidente. Uma situação que tende a favorecer candidatos que pareçam capazes de organizar e comandar, que olhem para a crise com cara de mau. Ou seja: Serra e Dilma.
É razoável imaginar esse cenário, desde que as coisas não piorem demais lá fora. Lula pode, sim, chegar a 2010 com capital político para injetar em sua candidata sem experiência eleitoral. Mas não terá chances se até lá o governo gastar mal ou gastar demais; errar a mão nos juros ou desmoralizar o BC; e, é claro, se perder o controle da inflação. Nesse caso, Dilma será a candidata sem carisma de um governo impopular num país em crise. Como foi Serra, em 2002. Com o mesmo resultado e a mesma cara de mau.
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