Míriam Leitão
Nós já temos um subprime. Não é igual ao dos Estados Unidos, mas está assombrando o mercado, como um fantasma. As empresas exportadoras compraram um papel, uma operação no mercado cambial apostando que o dólar não subiria. Quanto mais o dólar sobe, maior o prejuízo de quem apostou neste derivativo. Isso tem potencial para trazer a crise para dentro do Brasil por razões locais.
O problema é que as respostas que o governo deu ontem estatizam parte do risco que as empresas assumiram. A MP anunciada à noite é um amontoado de riscos.
O que está realmente deixando o mercado nervoso é um derivativo que se espalhou por várias empresas. É uma opção, muitas vezes feita em mercado de balcão, em que, numa ponta, uma empresa se compromete a vender dólar a um preço; de outro lado, um banco, uma corretora, um agente com direito de comprar o dólar naquela cotação. Os bancos estrangeiros que ofereceram o produto financeiro às empresas brasileiras já venderam os papéis e, como o subprime, ele está circulando por aí, ninguém sabe muito bem com quem.
Quando o dólar começou a subir, os detentores do “call” pediram depósitos de mais garantias, e começaram a aparecer os prejuízos brasileiros.
— Tem empresa que vendeu mais de 18 “calls” neste período, a várias cotações da moeda americana. Todas elas acreditavam que o dólar não subiria. Portanto, estavam especulando a favor do real — disse uma das fontes ouvidas pela coluna sobre esse assunto ontem.
Portanto, a falta de dólar traz efeitos mais agudos do que os que o BC está tentando combater, oferecendo dólares das reservas aos bancos para reconstituir as linhas de crédito comercial. Ou, pior, assumindo o risco das dívidas que empresas exportadoras assumiram no exterior, como explicaram ontem os líderes que estiveram com o presidente Lula. O pior é que, mesmo aumentando seu envolvimento com dívidas de empresas, o BC não vai resolver o problema. Parte da crise são estas operações “criativas” com câmbio feitas por inúmeras empresas. A MP que o governo anunciou no fim do dia tem mais riscos que solução.
Ontem foi um dia pior do que parece. No fim, a queda da Bolsa foi de “apenas” 5,5%, mas empresas exportadoras chegaram a estar caindo 20%, como na área da siderurgia e na área da mineração. O presidente do Instituto Brasileiro de Siderurgia, Flávio Azevedo, atribuiu tudo à “histeria internacional”.
— No mercado interno, tanto a construção civil, quanto a indústria automobilística e a indústria de base estão com demanda forte.
Estavam. Duas montadoras, a GM e a Fiat, anunciaram férias coletivas em outubro. Uma das razões, segundo me explicou uma fonte de uma empresa do setor, é que as locadoras já começaram a suspender as vendas. Elas compram 30% dos carros vendidos e depois, com um ano de uso, revendem. As locadoras estão temendo tempos piores agora. No setor imobiliário, as ações caíram e as da Agra derreteram. Um empresário do setor me disse o seguinte:
— São boas empresas, mas o problema é que elas captaram dinheiro demais quando o mercado estava fácil. O Brasil chegou a ter mais empresa imobiliária com ação em bolsa do que os Estados Unidos. Até empresa de venda abriu o capital, apesar de não ter ativo. Com muito dinheiro, algumas fizeram negócios ruins, compraram terrenos por preços muito altos e estão com problemas. Mas o mercado em si não está mal, apenas algumas empresas fizeram maus negócios.
A CSN chegou a estar caindo ontem 20%. Para o presidente da empresa, Benjamin Steinbruch, sem motivo.
— A empresa vende para o mercado interno 93% do que produz na siderurgia e a exportação de minério é apenas 10% do faturamento da empresa. Nós não fizemos operações financeiras na área cambial, a não ser os adiantamentos de contratos de câmbio. O que está acontecendo é “paúra” (medo forte). Nós vamos recomprar as ações da empresa — disse.
A Vale, outra empresa que teve queda forte, está com um bom argumento: ela fez uma captação recente, através de venda de ações, com 55% delas vendidas no exterior, e está com esse dólar em caixa, segundo garantem fontes da empresa.
Falei ontem com várias empresas. Elas negam envolvimento direto com derivativos cambiais. Admitem apenas os ACCs. Mas, de fato, há muito derivativo cambial no mercado assombrando os balanços das empresas que têm parte da receita em dólar.
A crise chegou ao Brasil por vários canais. Primeiro, pelo impacto do arrocho de crédito que interrompeu as linhas de financiamento à exportação. Segundo, pela recessão já instalada dos dois lados do Atlântico. Terceiro, pela valorização do dólar, que pegou muita empresa desprevenida e algumas empresas apostando alto que o real continuaria forte. Uma notícia de fora deu um refresco no fim do dia: a possível queda das taxas de juros nos EUA. O anúncio feito pelo presidente do BC, Henrique Meirelles, de uso das reservas para irrigar o mercado de dólares, e a informação de que poderá tomar outras medidas também ajudaram a encerrar o dia um pouco melhor do que ele esteve durante a maior parte do tempo. A crise não é mais apenas externa.
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