Fernando Abrucio, da Revista Época na edição desta semana
Em 29 cidades brasileiras haverá segundo turno. Onze são capitais, incluindo aí as quatro mais populosas – São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Belo Horizonte. O eleitor será chamado de novo às urnas e muitos se perguntam: por que votar de novo? Não teria sido melhor ter dado a Prefeitura àquele que teve mais votos na primeira etapa? A sensação de cansaço em relação à política move esse questionamento. É importante frisar que o segundo turno é uma das melhores regras da nossa democracia.
O segundo turno possibilita quatro processos positivos para a democracia. O primeiro ganho tem a ver com o aumento da legitimidade do vitorioso. Isso porque o vencedor terá a maior parte do eleitorado a seu lado, evitando a eleição de candidatos que obtenham apenas uma maioria simples. A vitória de Luiza Erundina em São Paulo, em 1988, é um caso clássico do desastre que pode ser produzido pelo pleito com um turno só. Ela ganhou com cerca de 30% dos votos. Isso criou dificuldades para o seu governo, pois a maior parte da população a rejeitava. Se Erundina tivesse sido eleita numa segunda votação, teria tido menos problemas e seria evitada a polarização que contaminou a cidade durante quatro anos.
A necessidade de obter a maioria do eleitorado traz outro bem à democracia: o vencedor terá de levar em conta não só suas idéias, mas também precisará incorporar, em alguma medida, a visão de seus adversários e de outros grupos sociais. Com isso, reduz-se a radicalização eleitoral que pode levar à instabilidade política. Elevam-se também as chances de propostas mais consensuais entrarem na agenda de todos os concorrentes, aumentando o compromisso dos políticos com ações de longo prazo.
Um estudo mostra que os municípios com segundo turno
têm um gasto público de melhor qualidade
Os dois candidatos que chegam à reta final também se vêem obrigados a apresentar de forma mais detalhada suas idéias e os meios para implementá-las. O eleitor tem informações mais precisas para definir seu voto. Além disso, aumenta sua capacidade de pressionar o próximo governante a prestar contas à sociedade com base em propostas.
O segundo turno tem ainda uma quarta qualidade. Uma nova rodada eleitoral permite ao candidato derrotado ter bastante tempo de exposição de suas idéias, de modo que ele possa apresentar um projeto que possa ser visto como alternativo. Com base nisso, poderá haver oposição ao longo do mandato e, sobretudo, tal proposta poderá ser retomada quatro anos depois e posta em comparação com o que o governante conseguiu fazer. Desse modo, o segundo turno pode facilitar a construção de trajetórias políticas diferentes, que os eleitores poderiam testar ao longo do tempo. Se souber fazer uma boa campanha, o perdedor se torna um líder político.
Tomando como base a listagem das qualidades do segundo turno, a campanha de Marta Suplicy é um contra-senso. Ela está perdendo a oportunidade de marcar posições históricas de seu partido e de realçar seu governo, melhor que os quatro anteriores. Todos os holofotes se voltaram a seu ataque à vida pessoal do prefeito Gilberto Kassab. Com esse ato, pode-se perder um enorme capital político adquirido em São Paulo, que poderia ressurgir noutra ocasião. O petismo só ganhou em 2000 porque soube construir sua trajetória em eleições e segundos turnos sucessivos.
A despeito desse e de outros desatinos da campanha atual, há uma boa notícia para a democracia. Os cientistas políticos Marcos Chamon, João de Mello e Sérgio Firpo compararam as cidades com segundo turno às que não têm e concluíram duas coisas. Primeiro, há maior competição política nas localidades com dois turnos. Segundo, os municípios com segundo turno têm um gasto público de mais qualidade, privilegiando investimentos, em vez de despesas correntes, com destaque para a maior construção de escolas.
Em resumo, o segundo turno ajuda a produzir uma revolução silenciosa na forma de governar uma parte importante dos municípios.
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