FERNANDO ABRUCIO é doutor em Ciência Política pela USP, professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve quinzenalmente em ÉPOCA
O calendário político brasileiro virou mais uma página com a eleição dos novos prefeitos. No dia seguinte, os principais atores políticos já olhavam para o futuro, mirando principalmente a disputa presidencial. A imprensa também seguiu essa linha, fazendo as contas de quem tinha vencido – ou perdido – e do impacto disso na corrida pelo Palácio do Planalto. Passado o período mais apaixonado dos primeiros comentários, cabe pontuar com mais cuidado os efeitos do pleito municipal.
Em primeiro lugar, nem tudo o que apareceu nas urnas em 2008 terá conseqüências para 2010. O eleitor moveu-se agora por duas forças. A primeira foi a sensação de bem-estar que contaminou a maior parte da população. O resultado foi um forte sentimento continuísta, gerador de um altíssimo índice de reeleição. A incógnita é saber se a crise econômica poderá mudar essa percepção social daqui a dois anos.
A segunda força que moveu a cabeça do eleitor foi a avaliação dos prefeitos no cargo. É claro que o quadro de prosperidade dos últimos anos ajudou a maioria a se reeleger ou fazer seu sucessor. Mas isso não se repetiu em todo o país. O exemplo do Rio de Janeiro, com a fragorosa derrota de Cesar Maia, revela que não se podia contar apenas com a bonança econômica. Venceu quem mostrou serviço.
Tem-se discutido bastante a influência dos outros níveis de governo na eleição local. A verdade é que a autonomia política e administrativa dos municípios varia muito. Os que têm maior independência são os menos afetados diretamente pelos governadores e pela ação do governo federal. Fazia pouco sentido discutir a transferência de votos do presidente Lula e dos governadores na maioria das cidades que tinham segundo turno. Elas são as que mais podem andar com as próprias pernas. Se olharmos bem os mapas eleitorais das pequenas e das médias municipalidades mais pobres, ali perceberemos com mais nitidez o impacto eleitoral das políticas estaduais e federais.
Mesmo nos lugares onde presidente ou governador tiveram pouco impacto, raramente os vitoriosos fizeram campanha explícita contra eles. A eleição teve uma característica percebida pelo analista Antonio Lavareda. Foi o “pleito da parceria”. Os candidatos mais competitivos procuravam dizer que seriam aliados do presidente e dos governadores. Não houve uma “nacionalização negativa” do processo eleitoral, como em 1988 ou, em menor medida, em 2000. É por isso que o resultado final da campanha de 2008, mesmo onde a oposição venceu, não foi um sentimento contrário ao governo Lula. Se isso vier a ocorrer, só veremos em 2010, caso a crise econômica recrudesça muito. De imediato, o pleito municipal não inverteu a posição nacional dos partidos. Houve mudanças incrementais, que afetam mais o ponto de partida que o ponto de chegada da eleição presidencial. A eleição de 2008 deve afetar a montagem das alianças entre os partidos mais do que a capacidade de obter votos em 2010.
A vitória de Gilberto Kassab (DEM) em São Paulo deve levar seu partido não só ao colo do PSDB, como deve tornar o governador Serra o único capaz de fazer essa coligação, essencial para os planos tucanos. O crescimento do PMDB fortalece o poder de barganha do partido, que se transformou no cobiçado para a eleição de 2010. As lideranças petistas e pessedebistas farão de tudo para tê-lo ou, no mínimo, para que o adversário não conquiste os peemedebistas. O PT, embora tenha aumentado sua capilaridade nacional, teve um resultado aquém do esperado. Com isso, precisará tornar seu projeto de poder mais inclusivo e dar mais destaque àqueles com que se aliar.
É cedo para prever a capacidade de partidos e candidatos obterem votos em 2010. Em grande medida, esse processo dependerá do desenrolar da crise econômica. Essa é uma razão importante para, no dia seguinte das eleições municipais, a cobertura da mídia se voltar menos para o plano nacional e mais para a gestão dos novos prefeitos. A vida dos brasileiros depende bastante da qualidade da gestão municipal – algo que o eleitor sabiamente mostrou em 2008.
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