Carlos Alberto Sardenberg
O presidente Lula patrocinou dois aperfeiçoamentos importantes no conjunto do Real. Primeiro, o programa de compra de reservas, iniciado em 2003, quando começaram a sobrar dólares nas contas brasileiras. O segundo foi elevar o presidente do Banco Central ao nível de ministro de estado, o que conferiu mais autonomia e poder ao condutor da política monetária. Outro avanço paralelo foi o conjunto de reformas microeconômicas, como as novas regras do crédito imobiliário, que melhoraram o ambiente de negócios.
O resto é FHC. A responsabilidade fiscal, primeira perna do tripé, começou a ser construída em 1995, com a reestruturação da dívida de estados e municípios, encorpou com as metas de superávit primário (iniciadas em 1998) e completou-se com a crucial Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000.
O câmbio flutuante começou torto, em meio à crise de 1999, mas acabou emplacando. E o regime de metas de inflação, a terceira perna, começou a funcionar há dez anos. Os instrumentos paralelos foram as reformas, inclusive da Previdência, as privatizações, o saneamento do sistema financeiro (1995) e a renegociação da dívida externa pública.
Compreende-se que o governo Lula se tenha fingido de morto diante dos 15 anos da introdução da nova moeda, comemorados ontem. Sobretudo porque as próximas eleições presidenciais colocarão de novo PSDB e PT frente a frente.
Foi a mesma história no início de 1994, quando o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, expos os detalhes do Plano Real ao então presidente do PT, José Dirceu.
FHC buscava apoio para o que considerava um programa nacional. Dirceu queria saber se o PSDB teria candidato à presidência.
Na ocasião, os tucanos nem tinham candidato. Mas o PT calculou que um sucesso econômico, ainda que provisório, daria forte sustentação ao PSDB, assim como o efêmero Cruzado dera uma ampla vitória eleitoral ao PMDB, em 1986. Acrescente-se que os economistas do PT não eram preparados para esse tipo de teoria (a que sustentou o Real) e Lula acabou sendo levado a um brutal erro de avaliação. Disse que o Real era um pesadelo para os trabalhadores, isso quando os mais pobres se beneficiavam de um enorme ganho de renda com a súbita estabilização da moeda.
O cálculo político do PT estava certo. O Real deu duas vitórias a FHC (94 e 98). Mas a análise econômica estava completamente equivocada, um erro no qual o PT perseverou ao longo do tempo. Criticou e combateu no Congresso e nos tribunais praticamente todas as medidas do Plano Real. Para esquecer tudo quando Lula chegou à presidência.
Como foi possível fazer dessa transição um movimento crível para a sociedade? Primeiro, Lula foi ajudado pelo enorme desgaste que sucessivas crises, locais e internacionais, impuseram ao governo FHC. Inclusive a última, de 2002, quando o mercado se deteriorou pelo medo das políticas econômicas até então pregadas pelo PT, isto gerando inflação e crise externa, que, ironicamente, acabaram ajudando o próprio Lula.
Sua trajetória foi aberta, ainda, pela dificuldade do candidato tucano, José Serra, de lidar com o desgaste de um governo do qual participara e do qual tentou se distanciar.
Mas como os eleitores aprovaram um governo Lula que, eleito em nome da mudança, manteve intactas as bases da política econômica? Dois fatores essenciais: a fantástica onda de crescimento mundial que carregou um Brasil já normalizado com a estabilidade macroeconômica; e a enorme distribuição de renda promovida por Lula com a ampliação do Bolsa Família e, sobretudo, com os aumentos reais do salário mínimo (o governo paga o mínimo para quase 20 milhões de aposentados, pensionistas e outros beneficiários). E mais, paralelamente, as contratações e aumentos para o funcionalismo público.
Mas o fato de Lula ter aderido aos pressupostos do Real — primeiro, por medo e, depois, porque estavam funcionando, e nunca por convicção — trouxe um preço para o país. Lula simplesmente não avançou além daqueles dois aperfeiçoamentos na área do BC. Nenhuma reforma importante, nenhuma providência para continuar a desindexação da economia, nenhum progresso na qualidade dos gastos públicos, nada de reforma tributária. Tudo por fazer.
CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista.
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário