Traficantes e milicianos do Rio resolveram entrar para a política. Seus métodos são a violência, a intimidação e a criação de currais eleitorais
Rafael Pereira
ARMADILHA
Faixa no Complexo do Alemão, no Rio, dá boas-vindas aos políticos. Quem apareceu, porém, não foi muito bem recebido Há dois anos, um grampo captou uma conversa entre um policial civil corrupto do Rio de Janeiro e o chefe do tráfico na Favela da Rocinha, Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem. A conversa de 2006 mostra com clareza como os bandidos começam a fazer uso da política para fortalecer seu poder. Ela está sendo investigada agora pela Corregedoria da polícia:
Policial: “A Rocinha é a maior favela da América Latina e todo mundo quer entrar. Se tu tiver os votos dominados, vale mais do que qualquer bico (fuzil), que qualquer quilo de pó (cocaína)”.
Nem: “Quem manda é a política, né?”.
Policial: “Tu tem de mudar tua mentalidade. Tu é o cara. Tem de se politizar”.
Nem: “Na próxima eleição de vereador já dá pra encaixar”.
O traficante parece ter gostado da idéia. Neste ano, em parceria com lideranças locais, ele usou uma igreja como espaço para reuniões e fechou uma candidatura única em seus domínios. Ele conseguiu “encaixar” no nanico PSDC a candidatura a vereador de Luiz Cláudio de Oliveira, o Claudinho da Academia, presidente da principal associação de moradores da região. Para não deixar dúvidas sobre o assunto, Nem distribuiu até um panfleto para reforçar a indicação: “Todo o empenho para o candidato da Rocinha. Não aceito derrota!!! Ninguém trabalhando para candidato de fora”, afirma num papel apreendido pela polícia.
Os currais eleitorais controlados pelo crime são os sintomas mais recentes da falta de controle do Estado sobre crescentes fatias do território do Rio. Criou-se em algumas favelas uma espécie de coronelismo urbano, onde quem manda é o chefe do crime e quem não apóia seus candidatos morre ou é expulso. Até poucos anos atrás, o problema do coronelismo era mais associado aos municípios pobres do Nordeste, onde o acesso à informação era limitado. Nos últimos anos, as oligarquias nordestinas começaram a dar sinais de decadência. Nesse período, a política da bala começou a dar frutos no Rio, segundo centro urbano do país.
O neocoronelismo carioca não é uma prática exclusiva de traficantes. O fenômeno também tem sido observado nos territórios dominados pelas milícias, grupos armados clandestinos formados por policiais civis e militares, bombeiros e agentes carcerários. Os milicianos costumam proibir a venda de drogas em suas áreas, mas cobram por segurança e fazem controle ilegal sobre serviços públicos, como distribuição de gás e transporte. Na semana passada, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio divulgou um mapa com os principais pontos de atuação de traficantes e milicianos e a influência desses grupos nas urnas. Para garantir a eleição, foi prometida uma força-tarefa contra esses grupos com atuação da Polícia Federal e até das Forças Armadas.
“Só lamento que tenham deixado passar tanto tempo para começar a agir”, diz a antropóloga Alba Zaluar, que estuda a violência nas favelas cariocas desde os anos 80. “Isso existe há mais de 20 anos. No começo, era só uma ingerência do crime na escolha dos presidentes de associação de moradores. Agora, as estruturas estão mais fortes.” Segundo ela, o interesse de criminosos em ocupar cargos eletivos é reforçar e legitimar seu poder: “Em cargos políticos, é mais fácil conseguir melhorias para as comunidades. Isso ajuda a aumentar a popularidade dos bandidos, o que dificulta delações, e ainda valoriza as residências locais. Uma das formas de atuação desses grupos é expulsar inimigos de suas casas e revendê-las”.
O modo de operar na política de traficantes é simples: dentro de seus domínios, só faz campanha o candidato escolhido pelo “chefe”. No dia 31, quatro cabos eleitorais do candidato a vereador Alberto Salles (PSC) tentaram colar cartazes na Favela Mundial, subúrbio do Rio. Acabaram cercados por homens armados, foram ameaçados de morte e tiveram o material confiscado. Cinco dias antes, jornalistas que acompanhavam uma comitiva do senador Marcelo Crivella (PRB), candidato à Prefeitura, na Vila Cruzeiro, uma das favelas do Complexo do Alemão, foram ameaçados e obrigados a apagar as fotos que estavam fazendo. Depois do susto, a caminhada foi interrompida. Na Rocinha, a candidata a vereadora Ingrid Gerolimich (PT) foi proibida por Claudinho da Academia de fazer campanha. Só conseguiu subir a favela acompanhada de fiscais do TRE e com escolta da polícia. No Complexo do Alemão, surgiu até uma faixa confeccionada possivelmente pelos próprios traficantes em resposta à repercussão negativa da criação desses currais. A faixa dizia que os candidatos eram bem-vindos à região, mensagem contraditória com as experiências dos últimos dias.
Na luta por postos importantes na política, milicianos estão um pouco mais adiantados que traficantes. Os policiais clandestinos já têm políticos eleitos, como os irmãos Natalino e Jerônimo Guimarães. O primeiro é deputado estadual pelo DEM. O segundo, vereador pelo PMDB. Os dois estão presos atualmente, mas a filha de Jerominho, Carminha Jerominho, foi lançada candidata a vereadora neste ano pelo PTdoB e deverá herdar o curral eleitoral do pai e do tio.
A experiência internacional mostra que as soluções para esse tipo de coronelismo criminoso exigem uma combinação de medidas de repressão e ações sociais. Na Colômbia, foi descoberto em 2006 um esquema ilegal que elegia paramilitares para o Congresso. Mais de 30 envolvidos foram presos. Mas a ação dos criminosos só perdeu força quando o Estado promoveu a recuperação dos territórios intervindo nas favelas e investindo em saúde e educação. Foram políticas como essa que inspiraram as intervenções do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, em quatro favelas do Rio.
O curioso é que até os bandidos sabem disso. Num trecho da conversa entre o policial civil e Nem, o chefe do tráfico na Rocinha, uma das críticas era à ineficiência dos políticos: “Os caras passaram dois governos do (Anthony) Garotinho e não fizeram um restaurante popular dentro da maior favela da América Latina! Isso não existe”, disse o policial. Assim, fica fácil para os bandidos.
1. Elton Babú, irmão do deputado Jorge Babú (PT), suspeito de chefiar a milícia local.
2. Carminha (PTdoB), filha de Jerominho (PMDB) e sobrinha de Natalino (DEM), ambos presos
3. Luiz Monteiro, o Doen (PTC), e Luiz André da Silva, o Deco (PR), teriam ligações com a milícia
4. Nadinho (DEM), homem forte da milícia mais antiga do Rio, e Capitão Queiroz (DEM)
6. Jorginho da S.O.S. (DEM), vereador candidato à reeleição e ex-líder comunitário
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