Coluna Panorama Econômico - Jornal O Globo dessa quarta-feira
A munição para atenuar a crise virá das reservas cambiais. Elas serão usadas para financiar exportação e empresas com dívida externa. Não é função do Banco Central, mas o governo diz que são “tempos emergenciais”. O Brasil não teve uma queda de produção industrial tão grande em outras crises. Detalhe: o BC ganhou US$ 10 bilhões apostando nos títulos do Tesouro americano.
Ontem apareceu o tamanho da devastação. Os números divulgados pelo IBGE foram todos horrorosos: quedas generalizadas e muito acentuadas. O tombo na produção de veículos em dezembro foi de 39,7% e na produção de equipamentos de comunicação foi de 48,8%. Numa nota divulgada aos clientes, a MB Associados afirma que o país está em recessão e que foi revista, com base nos dados da produção industrial, a previsão da consultoria para o PIB do último trimestre do ano passado. Agora é de 2,5% de queda em relação ao terceiro trimestre de 2008. A CNI também divulgou seus dados ontem e afirmou que o país terá recessão técnica; ou seja, dois trimestres de queda do PIB.
O gráfico abaixo, enviado pelo economista Marcelo Sperb, da Nobel Asset Management, mostra que essa crise é pior que as outras. Ele comparou outros períodos de retração, como o de agosto de 91, na recessão do Collor; o do fim de 94, na crise do México; o de outubro de 97, na crise cambial da Ásia; em dezembro de 2000, no começo do apagão; e no fim de 2002. O início de todas as curvas é nas datas mostradas abaixo de cada uma e o gráfico vai até 10 meses depois da crise se iniciar. A queda acumulada da produção é contada a partir do momento em que começou cada um desses períodos.
O governo está montando a resposta em várias frentes, mas uma delas se passa dentro do Banco Central, que está assumindo funções que não são as clássicas de um banco central. Esta semana, ou no máximo no começo da próxima, o BC vai divulgar as regras pelas quais ele vai emprestar para as empresas que têm dívidas no exterior.
Pela lei, o Banco Central só pode fornecer dinheiro para instituições financeiras. Então, ele emprestará parte das reservas para que bancos emprestem para empresas. Eles terão que provar que estão fazendo isso. Uma fonte do governo explica que o BC poderia ter simplesmente vendido mais dólar no mercado à vista.
O risco é que esses dólares acabassem indo atender à demanda por dólar no exterior. Por isso, o Banco Central fará uma operação direcionada.
A origem da queda tão forte da produção industrial de dezembro está no colapso do crédito em dólar. Quando as linhas foram interrompidas, os exportadores não puderam financiar sua produção para exportar. Reduziram a produção. Como a taxa de renovação das linhas externas está baixa, as empresas estão tendo que quitar essas dívidas. Mesmo empresas brasileiras que atuam no exterior enfrentam um outro fenômeno desses tempos: “o protecionismo financeiro”. Os pacotes de cada país são para ajudar as empresas daqueles países.
Diante disso, o BC está usando as reservas para financiar exportação. Hoje, 90% dos adiantamentos de contratos de câmbio, os ACCs, são com dólares fornecidos pelas linhas do Banco Central. Agora, a instituição prepara uma nova modalidade de crédito que será anunciada em breve, destinada a empresas endividadas. O risco disso quem conhece a história econômica do Brasil sabe qual é: a estatização da dívida, como aconteceu nos anos 80. No governo, as autoridades alegam que estão todos atentos a esses riscos, mas que em outros países o intervencionismo estatal e o ativismo dos bancos centrais são muito maiores.
O BC brasileiro teve um ganho de US$ 10 bilhões com a valorização dos títulos do Tesouro americano. No auge da crise, os investidores correram para estes papéis e eles se valorizaram, mas o Brasil já estava aplicado nestes papéis por razões prudenciais, e ganhou com a crise.
Só que a pressão sobre o Banco Central depois da hecatombe da produção industrial será maior. Vai recomeçar a pressão para a queda dos juros. A ideia que está embutida na ata do Copom, de que a maior parte da queda já ocorreu, dificilmente faz sentido diante desses números de produção. Outros e mais fortes cortes terão que ocorrer, não por pressão política, mas porque a conjuntura econômica permite e exige. Os juros reais estão no nível mais baixo da história recente. Estão em 6% ex-ante, ou seja, comparado com a previsão de inflação. Mesmo assim, é alto para um momento em que se contabiliza um retrocesso de quatro anos na produção industrial e uma queda mensal só comparável a números que se atingiram no governo Collor.
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